Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 12

                             

Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)



Pgs. 255-276


"CAPÍTULO 12: "CRISE E ESPERANÇA, 1974-1980"


293 - Texto de Dionísio Dias Carneiro Netto. Começa dando o contexto do período anterior ao choque de petróleo. O ano de 1973 foi notável sob vários aspectos. A economia mundial cresceu quase 7% em termos de produto (Williamson, 1989, p. 371); as pressões de uma demanda mundial superaquecida desde a escalada dos gastos militares norte-americanos associados à Guerra do Vietnã somavam-se às demandas de aumentos salariais em praticamente todo o mundo industrializado e aos efeitos retardados da queda do dólar em 1971. O comércio internacional se intensificava a ritmo forte. 


294 - Início da "Era Geisel": A leitura dos jornais da época não evidencia que tenham as autoridades brasileiras, em nenhum momento do primeiro ano de governo, demonstrado consciência acerca das novas restrições mundiais. Caso tivesse sido percebida a gravidade do choque externo que provocaria uma transferência de renda dos importadores para os exportadores de petróleo de cerca de 2% da renda mundial, certamente a imagem da ilha de prosperidade, que só cairia no ridículo com a brusca desaceleração das exportações em 1975, não constituiria até hoje o deleite da oposição ao regime. Haveria, nos anos seguintes, um nítido problema: ...a falta de apoio político para um ajuste que pudesse ser abertamente associado com recessão ficou clara já nos primeiros meses do governo.


295 - ...Veio o postergamento do confronto, talvez torcendo para que a crise do petróleo durasse pouco. A abundância de liquidez internacional permitiu que os déficits em conta corrente faltosos que resultaram das mesmas políticas fossem financiados sem que houvesse percepção mais dramática do novo quadro de restrições externas ao iniciar-se o novo governo. Com financiamento externo abundante, a linha de menor resistência conduzia assim à rota do endividamento externo; um certo otimismo pela existência de indexação contribuía para aumentar a tolerância com taxas mais elevadas de inflação. O baque nos termos de troca, entretanto, exigia mais sacrifícios: Do ponto de vista dinâmico, o estreitamento das opções de crescimento ocorreu por duas vias: uma quantidade maior de consumo teria de ser sacrificada para que o nível anterior de investimento fosse realizado e um maior investimento teria de ser realizado para que o mesmo crescimento anteriormente alcançado fosse atingido.


296 - Ao que entendi, houve grande flexibilização dos controles de preços que já não vinham funcionando lá muito bem em 1973. Enfim, aceitou-se uma espécie de "inflação corretiva". 


297 - Como sempre, falava-se em controlar o ritmo de expansão da base monetária, mas os empréstimos do BB pareciam ser ignorados (cresceram 89% em um ano). Ademais, a variação de reservas internacionais era outro fator fora do controle por si só. 1974: ...Assim, apesar da perda de reservas, que teria criado condições para um ano realmente restritivo do ponto de vista da política monetária, a expansão do crédito doméstico tanto pelo Banco do Brasil quanto pelo Banco Central prosseguiu impávida enquanto o governo acreditava fazer política monetária restritiva. Ainda teve a quebra do quarto maior banco comercial brasileiro da época. Os gastos envolvidos nas diversas intervenções e fusões administradas pelo Banco Central no período seriam na realidade suficientes para tornar difícil qualquer política restritiva. A ideia era aplacar qualquer pânico financeiro, creio. Inflação bateu 34%.


298 - Fim do arrocho salarial (que o capítulo anterior deu a entender que foi em 1968) em 1974: Pela nova sistemática, que mantinha o princípio da recomposição do salário médio real dos 12 meses anteriores ao do reajuste, consagrado na legislação antiga, apresentava uma inovação: caso no reajuste anterior a inflação futura houvesse sido subestimada (acarretando, por esta via, uma queda no salário real médio), haveria uma correção aproximadamente igual à perda ocorrida, impedindo que esta última se tornasse permanente. A motivação política da lei era clara: desejava-se por fim à ideia de arrocho salarial que era apontado pelos críticos da política de estabilização do governo militar como a principal causa da deterioração da distribuição da renda


299 - Para a política econômica de curto prazo, a derrota do governo nas urnas transformou 1975 em ano de recuo na tentativa de contenção de demanda. (...) A natural insatisfação interna no seio da burocracia do Estado gerada pelas tentativas de controle sobre os gastos públicos somou-se ao clima de desconforto causado pela instabilização inflacionária e pelo descontentamento empresarial em decorrência dos controles de preços industriais, fortalecendo-se assim junto ao Palácio do Planalto a corrente dos que defendiam a preservação do crescimento a qualquer custo. As estatísticas do final do ano apontavam para uma desaceleração rápida do nível de produção industrial, e o resultado prático do arrependimento foi o descontrole monetário.


300 - Contas externas apanhando muito com o petróleo: ...a deterioração das contas externas brasileiras levou a rápidas perdas de reservas, que passaram de US$6.417 milhões em 1973 para US$4.040 milhões em 1975, nível próximo do atingido em 1972, quando as importações totais eram pouco mais de um terço do valor observado em 1975. O processo de endividamento externo, graças a um déficit acumulado em transações correntes de mais de US$14,5 bilhões em 1974 e 1975, apresentava perspectivas nada encorajadoras, dadas as incertezas quanto ao crescimento da economia mundial. A dívida externa bruta crescera de US$12.572 milhões para US$21.171 milhões nos primeiros dois anos de governo. E em dezembro de 1975, os empréstimos em moeda contraídos no ano acusavam um total de US$14.711 milhões contra US$7.849 milhões em 1973. O Ministério da Fazenda considerava, porém, tudo isso administrável. Haveria o crescimento das exportações e progressiva diminuição do déficit enquanto a dívida ia sendo rolada. 


301 - ...Ficava assim selada a predominância da política de crescimento com base na reestruturação da oferta e na demanda folgada, sobre os ajustes de curto prazo. (...) De 1975 em diante, a acomodação diante da taxa de inflação seria periodicamente sujeita a surtos de contenção, todos eles de curta duração. Chegava o II PND. A Seplan tinha agora um plano de metas a cumprir e servir de argumento para convencer Geisel a pender mais pra o desenvolvimentismo, já que Simonsen iria puxar no sentido contrário. 


302 - O ano é 1976, governo acelera e a inflação continua querendo decolar. A teoria: A tentativa explícita de exercer maior controle sobre os empréstimos do Banco do Brasil deu início, assim, a uma longa mudança de regime na condução da política monetária. Tal mudança, que só viria a completar-se no início da década seguinte, quando, em 1981, tentou-se utilizar o endividamento do setor público como instrumento para conter a expansão monetária, fez-se sentir na inversão de tendência da expansão dos agregados de crédito. (...) Na prática, os empréstimos ao setor privado expandiram-se a mais de 55% no ano e os meios de pagamentos a mais de 37%, ficando mais uma vez sobrecarregados os instrumentos de controles de preços com a inglória tarefa de reprimir a inflação em regime de expansão continuada da demanda global. Os preços públicos fizeram a sua parte no processo de transferência de renda ao setor privado, elevando-se de 28,5% em média (20% se considerarmos apenas os preços e tarifas de responsabilidade direta do governo federal), enquanto o índice geral de preços aumentava em mais de 46%. Como era um ano de expansão da demanda global, o PIB cresceu cinco p.p. mais que 1975, chegando a 10,3% ao final. Os temores quanto à recessão, que constituíam os principais obstáculos à estabilização da economia após o primeiro choque do petróleo, eram na prática afastados por uma opção tácita do governo por mais inflação e maior endividamento.


303 - Ano seguinte, novo piso no freio: Promoveu-se em 1977 uma política monetária mais restritiva, com desaceleração dos meios de pagamentos e dos empréstimos ao setor privado, além da fixação de uma taxa de juros básica positiva em termos reais para o sistema financeiro pela primeira vez desde 1971. De toda forma, não se conseguiu fazer a inflação baixar dos trinta e algo. Ao fim de 1978: Apesar da restrição ao crescimento dos preços públicos, o índice geral de preços acelerou-se em dois pontos percentuais ao longo do ano, postergando-se para o novo governo a tarefa de realizar um novo round de política restritiva.


304 - Início de 1979 parecia haver clima pra mais uma pisada no freio: Com a posse do general Figueiredo em março de 1979, Mário Simonsen foi para a Secretaria de Planejamento para comandar a política econômica. Foi feita nova tentativa de ajuste fiscal baseada essencialmente no corte de investimentos considerados não prioritários para a melhoria do balanço de pagamentos e o controle do processo de endividamento externo. (...) Inicialmente, o objetivo era obter um superávit fiscal de 1% do PIB. Entretanto, há tensão interna. A ala de Delfim, então na pasta da Agricultura, puxa pra política desenvolvimentista. A partir da aprovação do orçamento monetário, a austeridade dura somente até agosto


305 - ...Delfim venceu a queda de braço e Figueiredo encomendou ao mesmo um novo milagre. Entre agosto de 1979 e outubro de 1980, o país experimentou sua última tentativa de ignorar a crise externa, agora agravada pelo novo choque do petróleo e pela elevação vertiginosa do custo do endividamento externo. (...) A incapacidade de fazer com que os banqueiros internacionais financiassem o experimento levou a uma perda rápida de reservas, enquanto o crescimento rápido do consumo alimentou a explosão do balanço de pagamentos e levou à rápida reversão da política macroeconômica em final de 1980.


306 - A tragédia em números: A dívida externa brasileira cresceu US$18 bilhões entre 1974 e 1977, outros US$18 bilhões nos dois anos seguintes. No início do governo Geisel, o país pagava anualmente US$600 milhões de juros, em 1978 a conta de juros líquidos subira para US$2,7 bilhões que a alta das taxas de juros internacionais elevaria para US$4,2 bilhões no primeiro ano do governo Figueiredo.


307 - Durante o II PND, havia vários controles, medidas burocráticas, sobre as importações. Tudo a fim de evitar uma necessidade de desvalorização cambial. Tais medidas tinham um duplo papel: reprimiam as importações talvez de forma mais dirigida do que a que seria obtida por uma desvalorização e, além disso, criavam novos “obstáculos” que puderam ser removidos seletivamente para permitir instrumentos para a implementação da nova política industrial. O controle foi dando resultados enquanto se desenvolvia uma política de substituição, por sinal. Em 1974, as importações correspondiam a cerca de 12% do produto, um recorde histórico semelhante ao atingido em 1954. As novas políticas de controle de importações interromperam o crescimento deste coeficiente, que já havia dobrado desde o início da década, e triplicara desde meados da década anterior. Entre 1974 e 1977 o valor total das importações manteve-se constante em dólares nominais, não obstante a economia haver crescido mais de 7% ao ano no período. Em 1978, às vésperas portanto do segundo choque de petróleo, o coeficiente importado já era de 7,2%, inferior, portanto ao observado antes do primeiro choque.


308 - ...Balanço final das contas externas no período Geisel: Entre 1974 e 1978 as importações mundiais cresceram cerca da metade do que haviam crescido entre de 1970 e 1974. A desaceleração do crescimento do comércio mundial, que se agrava após 1978, foi mais importante do que a aceleração progressiva da taxa de juros paga pelo Brasil, que adquire importância a partir de 1979. Estes são os grandes fatores por detrás da deterioração do balanço de pagamentos brasileiro, apesar do sucesso no controle das importações.


309 - Política industrial (visando a substituição): ...Os principais instrumentos de tal política foram o crédito do IPI sobre a compra de equipamentos, a depreciação acelerada para equipamentos nacionais, as isenções do imposto de importação, o crédito subsidiado e formas mais ou menos explícitas de reserva de mercado para os novos empreendimentos, assim como garantia de política de preços compatível com as prioridades da política industrial. Críticos mencionam a saturação de alguns mercados de bens de capital. Nas palavras do autor: Os investidores privados eram, além dos clientes tradicionais do BNDE, tipicamente empresas estrangeiras que queriam transferir parte de sua capacidade produtiva para o país, em muitos casos por meio de pressões para autorização de funcionamento, concessão de benefícios e contra pareceres técnicos que apontavam para a saturação inevitável em alguns mercados.


310 - A diferença importante da experiência brasileira da década de 1970, tanto em relação às experiências anteriores, quanto às de outros países, é que a opção pela política de substituição de importações foi feita sem que houvesse descontinuidade no incentivo às exportações. Estas passam de 7,5% do PIB em 1974 a 8,4% do PIB em 1980, enquanto as importações caem de 11,9% do PIB para 9,5% no mesmo período, apesar do segundo choque do petróleo. A chave do sucesso da política industrial brasileira na década de 1970 parece residir assim nesta combinação de estímulos, pouco usual se comparada com outras experiências no Terceiro Mundo. (...) Até 1978, antes do segundo choque, as importações totais se haviam reduzido para 6,8% do PIB.


311 - Transição Geisel-Figueiredo: notava-se o problema fiscal. Anos de repressão de preços e tarifas do setor público, utilização das empresas estatais como instrumento de captação de empréstimos externos, concessão por vezes abusiva de incentivos fiscais, subsídios creditícios e prática generalizada de artifícios financeiros que mascaravam a verdadeira dimensão do desequilíbrio fiscal na economia brasileira não seriam desmontados, entretanto, de forma tão fácil. (...) Entre 1976 e 1979, entretanto, a dívida interna do governo federal cresce de 9,1% para 11,8% do produto, sendo pois o acréscimo da dívida totalmente correspondente ao crescimento da parcela não monetizada. Lembra a decisão de promover maior intervenção direta no processo econômico, seja através dos mecanismos de incentivos fiscais e creditícios, seja através da participação direta dos investimentos públicos no processo de redirecionamento da oferta. Os primeiros dois instrumentos, no entanto, representam na prática deterioração da receita pública, na medida em que o Estado abre mão de coletar impostos e faz empréstimos com encargos financeiros abaixo da inflação. Este efeito é ainda agravado pela prática de reajustes de preços públicos abaixo da inflação. A carga tributária líquida caiu no período.


312 - Modiano (1982) chama atenção para o fato de que o subsídio ao uso do petróleo foi uma das pobrezas técnicas mais visíveis da estratégia econômica de longo prazo. O consumo de óleo combustível cresceu 45% e o de diesel de 60%, para um crescimento do PIB de 40% entre 1973 e 1978. (...) O atraso de preços só foi recuperado depois de 1981, sendo um elemento adicional das fortes pressões de custos associados à aceleração inflacionária do início da década de 1980.


313 - Em 1974, a dívida externa do setor privado correspondia a cerca de 45% do total. Em 1980, a dívida do setor privado era apenas 22% do total. Werneck (1986a e 1986b) analisa as repercussões desse processo de estatização da dívida externa e suas principais consequências para as dificuldades de financiamento do setor público em meados dos 1980. Todo esse aumento de responsabilidade sem que tenha havido a contra partida do aumento da renda disponível do setor públicoO que se observou foi, ao contrário, em consequência dos subsídios e isenções fiscais, uma significativa redução da carga tributária, compensada pela emissão de dívida interna, que, com o correr do tempo, passa a onerar o próprio orçamento público. Entre 1973 e 1983 a renda disponível do setor público, definida como receita tributária mais outras receitas correntes líquidas menos subsídios e transferências, caiu de 16,8% para 8,7% do PIB.


314 - Há um rodapé com a forma que se deu a estatização do risco cambial, digamos assim: No final dos anos 1970, quando os incentivos de mercado ao endividamento externo do setor privado foram sendo dominados pela incerteza crescente, tanto no que dizia respeito a taxas de juros, quanto às perspectivas de desvalorização cambial e às possibilidades de refinanciamento do principal, foram criados incentivos adicionais na forma da Resolução 432 e da Instrução 230 que permitiam a firmas e bancos, respectivamente, depositarem moeda estrangeira no Banco Central como hedge contra suas dívidas em moeda estrangeira. Tais depósitos foram um instrumento prático de estatização da dívida externa.


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