Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014) - Capítulo 3

                       

Livro: Marcelo de Paiva Abreu - A Ordem do Progresso (2014)



Pgs. 65-97


"CAPÍTULO 3: "APOGEU E CRISE NA PRIMEIRA REPÚBLICA, 1900-1930"


71 - Texto de Winston Fritsch. Começa pelo final. O fim da Primeira República marca (...) o início de uma dupla transição. Por um lado, a de uma economia primário-exportadora baseada no café, com um regime cambial e comercial relativamente livre, para uma economia voltada “para dentro” com severos controles sobre as transações externas. Por outro lado, a transição de um sistema político onde a plutocracia paulista tinha papel hegemônico, para algo mais difuso em termos de distribuição regional e social da apropriação corporativa dos favores do Estado, ampliados em decorrência do fim do laissez-faire nas transações com o resto do mundo. Afirma que houve uma "crise do liberalismo" nos anos finais da República Velha.


72 - Contesta que a República Velha tenha sido comandado de forma mecânica pelos cafeicultores paulistas. As reformas ortodoxas, por exemplo, tentavam evitar a desvalorização cambial que em tese seria boa para a exportação de café. Logo, havia outras ideologias em jogo talvez.  Coloca, porém, que os revisionistas vão muito longe. Assim, pretende ...demonstrar que tanto a visão tradicional quanto sua antítese idealista são interpretações incorretas e empobrecedoras das motivações da política econômica no período. A grande questão seria a vulnerabilidade externa, até pela concentração da pauta de exportação em um único produto. Os banqueiros internacionais precisavam ser agradados em vários momentos. 


73 - Café: Dado o peso do produto no valor das exportações do país, a importância do Brasil em sua oferta mundial e sua baixa elasticidade-preço da demanda, variações na oferta brasileira tendiam a reduzir violentamente a receita de exportações do país na ausência de medidas destinadas a sustentar os preços internacionais do produto, que o Brasil, em virtude de sua posição dominante na oferta mundial, podia unilateralmente implementar. O controle da oferta mundial do produto passou a ser feito esporadicamente a partir de 1906.  


74 - Fissuras no pacto oligárquico: A primeira originava-se nas possíveis divergências entre as elites políticas dos estados dominantes – São Paulo e Minas Gerais –, sobre aspectos fundamentais da política econômica federal. A segunda era mais ambição dos estados "intermediários". Os outros grandinhos. Finalmente, havia o protesto insistentemente veiculado por uma minoria de políticos dissidentes, intelectuais e setores da imprensa independente contra a natureza antidemocrática e centralizadora do regime, que encontrou crescente ressonância nas classes médias urbanas emergentes e nas camadas mais jovens da oficialidade das forças armadas, especialmente nos anos 1920.


75 - A "época de ouro" da República Velha testemunhou certo "milagre". A melhora do cenário externo se deu já no governo Rodrigues Alves (1902-1906). Exportação de borracha crescia e investimentos europeus entravam. Os anos entre o fim do período de ajuste recessivo da virada do século e a desaceleração que precede a Primeira Guerra Mundial marcam um ciclo de crescimento que, em termos de duração e extensão do progresso material, não teve paralelo na memória daqueles que o testemunharam. Após quase uma década de estagnação econômica, entre 1900 e 1913 o produto agregado cresceu a uma taxa média superior a 4% ao ano, a formação de capital na indústria prosseguiu em ritmo ainda mais acelerado, realizou-se gigantesco esforço de reaparelhamento do sistema de transportes através de grandes obras portuárias e ferroviárias mantendo-se, além disso, relativa estabilidade de preços ao longo de todo o período.


76 - Havia forte apreciação cambial desde às reformas ortodoxas e isso estava apertando o setor produtivo (deprimia os preços das exportações, por exemplo). A entrada de divisas era alta. 


77 - Boom da política do convênio de Taubaté: A retenção dos estoques foi inicialmente financiada com créditos bancários de grandes importadores estrangeiros – que, por possuírem a maior parte dos estoques existentes, também tinham interesse na defesa dos preços do produto – e garantias do estado de São Paulo. Entretanto, em 1907, uma breve, mas grave, crise financeira internacional impossibilitou a rolagem desses créditos, levando o governo federal a temer que, à queda temporária dos influxos de capital gerada pela retração nos mercados financeiros, viesse somar-se um colapso dos preços do café, provocando uma brusca reversão da posição externa, o possível esgotamento das reservas da Caixa de Conversão e a desmoralização da experiência do padrão-ouro. Nessas circunstâncias, o governo federal acabou por decidir avalizar, junto a seus banqueiros de Londres, um empréstimo que permitisse financiar a desova dos estoques de café em prazo mais longo e, portanto, garantir a estabilidade de preços a curto prazo. A decisão de apoiar a valorização do café como forma de garantir a estabilidade macroeconômica foi coroada de sucesso. Com a normalização das condições de crédito nos mercados internacionais de capital já em 1908, retornaram os influxos de capital e, com a ajuda adicional de um grande crescimento dos preços da borracha, a economia entrou em uma fase de acelerado crescimento que duraria até 1913.


78 - A adoção do padrão-ouro pelo Brasil em 1906 vinculou a estabilidade monetária doméstica ao comportamento do balanço de pagamentos, acentuando, portanto, o caráter pró-cíclico dos déficits e superávits externos da economia primária exportadora. (Foi até 1914 o padrão-ouro e só voltaria a ser adotado em 1927). Cita que a demora das importações na resposta ao crédito externo cadente gera inevitavelmente desequilíbrios que apenas uma desaceleração ou recessão pode "curar". Isso enquanto as reservas aguentam o tombo.


79 - Café e borracha começam a perder força no início dos anos 10. A deterioração da posição externa em 1913 marca o início de um período de permanente crise de liquidez gerada pela operação do padrão-ouro após a reversão da posição do balanço de pagamentos, que se estenderia até a eclosão da Guerra Mundial. O governo, entretanto, decidiu manter o padrão-ouro, alimentando esperanças infundadas de conseguir acomodação financeira adicional no exterior. Nestas condições, a rápida queda dos depósitos da Caixa de Conversão ocasionou severo arrocho monetário que lançou a economia em profunda recessão bem antes do início das hostilidades na Europa.


80 - Chega a guerra e, com ela, moratória temporária e emissão de notas inconversíveis. Desequilíbrio externo era grande e era importante importar até pra fazer receita para o governo. O funding loan de 1914, juntamente com a assinatura de acordos similares por parte de outras autoridades públicas com seus credores estrangeiros, serviu para aliviar o balanço de pagamentos e contribuiu de forma decisiva para que se pudesse estabilizar a taxa de câmbio em torno de 20% a 25% abaixo da paridade de pré-guerra ao longo de todo o conflito. (...) A contração do volume de importações ameaçava, por sua vez, transformar o desequilíbrio fiscal do governo federal em uma crise fiscal permanente, caso não fosse alterada a dependência da receita em relação à tarifa. Ampliar a base do imposto de consumo foi a única saída.


81 - A depressão econômica já durava dois anos. BB é ampliado em 1915 para tentar contornar a crise de liquidez e crédito. 


82 - E a industrialização advinda da I Guerra? Com as largas margens de ociosidade existentes no início da guerra, as restrições à importação causaram notável recuperação da produção industrial doméstica a partir de 1915. Deve ser enfatizado, entretanto, que a tese clássica, de que as restrições ao suprimento externo impostas pela guerra tiveram impacto dramático sobre a industrialização brasileira, já foi corretamente qualificada por vários autores. O comportamento das importações de bens de capital para a indústria durante a guerra e a capacidade de oferta ainda extremamente limitada dos produtores domésticos de equipamento indicam não ter havido grande expansão da capacidade produtiva da indústria brasileira neste período.


83 - O desempenho da economia brasileira nos primeiros três anos que se seguem ao armistício de 1918 foi profundamente influenciado pelo rápido mas violento movimento de auge e recessão então experimentado pelas principais economias aliadas. O ano de 1919 viu grande superávit comercial, já que as resposta das importações demora/demorou mais, mesmo com a apreciação da moeda nacional (resultante da flexibilização monetária nos países europeus no imediato pós-guerra, com abandonos do padrão-ouro). A pauta de exportação estava mais diversificada e, por sorte, os vários produtos exportados estavam com preços em alta. O rápido boom nos países centrais teve, entretanto, vida curta. A adoção de políticas monetárias restritivas nos dois principais centros financeiros internacionais, em resposta à persistência de fortes pressões inflacionárias após o fim da guerra, precipitou o início de violenta recessão, nos Estados Unidos e Reino Unido, e queda vertiginosa dos preços internacionais a partir de meados de 1920. (...) provocando súbita reversão da balança comercial em meados de 1920, o que, além de ter efeito fortemente recessivo, causaria grande depreciação cambial a partir do segundo semestre desse ano.


84 - Temia-se que a forte pressão de depreciação cambial levasse à inflação e que as empresas importadoras se sufocassem. Ademais, havia problemas de crédito, com os bancos receosos. O governo teve que entrar provendo liquidez. Ao atender aos reclamos imediatos do setor privado e à antiga reivindicação de criação de um emprestador “automático” de última instância, o governo federal conseguiu esvaziar a demanda corporativa da institucionalização da defesa do café e implementar, ainda que de forma reconhecidamente provisória e incompleta, um instrumento considerado fundamental para maior estabilidade de sistema bancário. Também houve compra de café (como sempre).


85 - Em meados de 1921 o governo começava a enfrentar dificuldades no financiamento de seu crescente desequilíbrio fiscal. Embora a falta de dados sobre operações internas de crédito do governo federal impeça uma avaliação adequada das fontes de financiamento do déficit, desde o início de 1921 o Tesouro aumentava rapidamente sua dívida de curto prazo com o Banco do Brasil. Isso, por sua vez, tinha consequências para a viabilidade do esquema de defesa do café já que o crescimento dos empréstimos do Tesouro afetava a capacidade do Banco em financiar as grandes operações da valorização sem recurso maciço à Carteira de Redesconto. As negociações por crédito externo para aliviar essas contas aí só foi ter sucesso completo lá por 1922. Completava-se com sucesso mais um episódio de defesa do café, e o financiamento externo conseguido na undécima hora trazia ainda o benefício de fornecer ao Banco do Brasil munição suficiente para frear o colapso cambial iniciado no segundo trimestre de 1920. Só não resolveu o "fiscal". Na prática, o BB monetizava o déficit, ao que entendi. Houve grande expansionismo monetário. E a hora não era ruim, pois havia impacto deflacionário lá fora, com forte queda dos preços internacionais, o que podia prejudicar exportadores e indústria nacional que competia com importações.


86 - Apesar dos graves problemas financeiros enfrentados em seus últimos meses, o governo Epitácio Pessoa seria concluído já em clima de franca recuperação econômica. Em fins de 1922, voltava a crescer o preço internacional do café, havia clara reversão da tendência à queda das exportações e do déficit comercial, verificava-se rápida retomada do crescimento da produção industrial. Os programas de obras públicas e o crédito mais folgado sustentavam altos níveis de atividade na construção civil. As causas da impressionante reversão cíclica de 1922 não derivam, todavia, da adoção consciente de medidas estabilizadoras pelo governo em resposta ao choque externo e à recessão de 1920-1921. Elas resultaram tanto dos efeitos anticíclicos da política de valorização, que não eram diretamente colimados pelas autoridades quando de sua adoção, quanto da propagação dos efeitos da violenta depreciação cambial de 1920-1921 através de mecanismos estabilizadores inerentes à economia primário-exportadora brasileira.


87 - Governo Artur Bernardes: apesar da preocupação com o fiscal e buscar alguma apreciação cambial, o BB continuou a ter munição para comprar/estocar os excedentes de café, agora às custas (do estoque) dos fazendeiros, ao que entendi.  O dilema de política econômica era (...) que a sustentação dos preços poderia tomar necessário o abandono da política monetária restritiva. Isso dependeria não só do comportamento do mercado internacional do café mas também, crucialmente, das condições domésticas de crédito, que determinavam a capacidade do sistema bancário privado de cumprir seu papel no financiamento da retenção dos estoques. Em 1923, o bicho pegou nesse sentido e o BB teve que emitir notas, levando à depreciação cambial. A ideia, para contornar isso aí, foi recorrer novamente ao crédito externo e evitar depreciação pela emissão monetária. Não deu certo. Inglaterra estava virada para seus próprios planos.


88 - O fracasso da estratégia de estabilização não recessiva com base no endividamento externo, após vários meses de negociações, impunha urgente redefinição de políticas. A posição externa continuava vulnerável, uma vez que o substancial crescimento das exportações em 1924, causado pelo comportamento favorável dos preços do café, fora anulado pelo aumento paralelo das importações, estimulado pela recuperação doméstica e, na ausência de novos empréstimos externos, a taxa de câmbio permanecera 50% abaixo da taxa de estabilização planejada pelo governo. A aceleração inflacionária que acompanhou a recuperação, além de contribuir para as dificuldades de ajuste externo, erodia rapidamente os salários reais, começando a criar tensões preocupantes nos centros urbanos.


89 - Bernardes resolveria ir, da metade ao fim do governo, pelo caminho do ajuste ortodoxo interno e externo. Contração monetária e austeridade fiscal. Para obter crédito externo a fim de dar segurança ao programa, o Brasil tinha que abrir mão da política de sustentação dos preços do café (exigência dos banqueiros internacionais, já que isso implicava vulnerabilidade fiscal). O momento era propício. Com os preços elevados e o aumento da perspectiva de ganhos com a valorização, tornava-se politicamente muito mais fácil para o governo declarar terminado seu envolvimento com o esquema. Essa tarefa foi "empurrada" para o Estado de São Paulo, através do banco estadual (que foi atrás de um banco britânico como suporte, por sinal). Resultado da política duplamente contracionista: produção estagnou e investimento caiu. A taxa de câmbio, porém, teve forte apreciação. Custo de vida chegou a cair 10%.


90 - O governo Washington Luiz vai marcar outra virada. Desde fins de 1925, cresciam os protestos de industriais – especialmente os da indústria têxtil e exportadores contra os efeitos deflacionários da contração de moeda e da apreciação cambial, enquanto desapareciam as razões objetivas que informaram a opção pelo ajuste recessivo em fins de 1924. (...) Assim, tão logo assume o governo, Washington Luís envia ao Congresso um projeto de reforma monetária propondo o retomo ao padrão-ouro à taxa de aproximadamente 6 pence, cerca de 23% abaixo da taxa média do terceiro trimestre de 1926, justificada por ele como refletindo a taxa média do período 1921-1926.


91 - Relaxamento das restrições de crédito ocorreu e o expansionismo estava de volta. Cenário externo também ajudava. A consolidação financeira da valorização paulista teve impacto extremamente favorável sobre os preços e, juntamente com a mudança de política monetária e cambial, permitiria rápida superação da estagnação que caracterizava o biênio anterior, já no primeiro ano do governo Washington Luís. A grande onda de investimentos estrangeiros reiniciada em 1926 mais do que compensou a redução do saldo em conta corrente, e o elevado superávit no balanço de pagamentos induziu rápida expansão das emissões da Caixa até meados de 1928.


92 - ...O produto real, que após estagnar em 1925 crescera 5,2% em 1926, cresce 10,8% em 1927 e 11,5% em 1928. Essa rápida recuperação, ao contrário da reversão cíclica de 1922-1923, tem lugar em condições de quase perfeita estabilidade de preços, garantida pela estabilidade cambial e pela existência de margens provavelmente amplas de capacidade ociosa na indústria, geradas pela estagnação da demanda que acompanhou os estágios finais do boom de investimentos iniciado em 1923. (...) A exuberante recuperação de 1927-1928 sustentava-se, entretanto, em bases frágeis, já que dependia crucialmente da manutenção das condições econômicas internacionais extremamente favoráveis verificadas desde 1926.


93 - ...As condições favoráveis de balanço de pagamentos que induziram a adoção do padrão-ouro podiam reverter-se abruptamente, a perda de reservas automaticamente submeteria a economia a violentas pressões deflacionárias. Entretanto, o potencial desestabilizador desse regime monetário era agora ampliado por seus efeitos sobre a viabilidade financeira do esquema de defesa do café, tal como organizado por São Paulo na segunda metade dos anos 1920 e, portanto, sobre as receitas de exportação.


94 - O financiamento dos estoques de café dependiam de fatores muito variáveis. Tamanho da safra/oferta; demanda mundial e, por fim, a liquidez doméstica. O quanto o setor privado estava disposto a financiar o acúmulo de excedentes. Entretanto, enquanto o Brasil estivesse sob o padrão-ouro, o segundo e o terceiro dos fatores apontados anteriormente, isto é, o estado da demanda mundial e as condições de crédito doméstico, deveriam estar correlacionados de modo perverso. Uma súbita deterioração da balança comercial originada da queda de demanda mundial de café deveria, no padrão-ouro, ter efeito contracionista sobre o crédito doméstico. Isto implicaria que, quando os requisitos financeiros da defesa dos preços do produto estivessem crescendo por causa do arrefecimento da demanda mundial, a propensão do setor privado brasileiro a emprestar à cafeicultura estaria diminuindo, aumentando, portanto, a necessidade de captação externa de recursos para repasse (...). Se o crédito externo secar então... Nunca é demais relembrar que a recuperação da posição externa brasileira a partir de 1926 deveu-se quase inteiramente ao surgimento de grande superávit em conta de capital. (...) Enfim, como já dá pra imaginar, em 1929 tudo isso ocorreu. E, mesmo antes, em 1928 já havia sinais de dificuldades na balança de pagamentos. O forte crescimento econômico implicou, nesse período pré-crise, grande aumento das importações. As exportações não estavam acompanhando. O BB tentava segurar as pontas. Porém...


95 - ...A luta pela definição da política de crédito do Banco do Brasil decidiu-se em favor da solução ortodoxa e, a partir de setembro de 1928, o banco implementaria drástica redução de empréstimos ao setor privado. Fala em redemoinho deflacionário a partir de então. O produto real estagnou aos níveis de 1928, e a produção industrial começou a declinar. As importações, que recuperavam-se à taxa de 15,9% em termos reais ao longo de 1928, começam a cair já no primeiro trimestre de 1929, apesar da reação defasada das importações de bens de capital em relação às flutuações de demanda.


96 - Pressão sobre o programa paulista de sustentação do preço do café: Condições meteorológicas favoráveis propiciaram uma segunda safra recorde em 1929, apenas dois anos depois que o recorde histórico de 1927 elevara os estoques da defesa a quase o montante de um ano de produção normal. Este aumento de estoques ampliara em muito o período de retenção dos cafés depositados nos reguladores – estimado em maio de 1929 em nada menos do que 16 meses –, aumentando os encargos financeiros dos agricultores em um período em que, com a ocorrência de uma safra pequena em 1928, a grande maioria deles já enfrentava sérios problemas de liquidez. (...) Em 11 de outubro, esgotam-se os recursos do Instituto e inicia-se o colapso dos preços do café. Governo estava firme na pretensão de manter a política monetária e cambial conservadora, digamos. Estabilidade cambial e sem ampliação do crédito.


97 - ...O colapso dos preços do café foi o golpe de misericórdia no equilíbrio do balanço de pagamentos. Mas, em impressionante semelhança com os eventos que antecederam o colapso do padrão-ouro de antes da guerra, o governo federal se tenha agarrado teimosamente à manutenção do padrão no pressuposto otimista de que seria possível obter um grande empréstimo de estabilização a curto prazo. O resultado foi aprofundar mais ainda a contração monetária ao longo de 1930, transformando a recessão iniciada no início de 1929 em uma crise de proporções sem precedentes, que acabaria por sepultar o regime.


98 - No balanço geral do período, coloca que a ortodoxia hardcore quase não teve períodos de reinado absoluto. Foram breves. Políticas de expansão creditícia ou déficit fiscal compuseram boa parte do período.


99 - Faz um balanço da forte posição dos cafeicultores no periodo: A preservação dessa posição foi garantida pela enorme importância da produção cafeeira paulista para o desempenho da economia, pelos mecanismos centralizadores de poder do sistema de controle político implantado durante o governo Campos Sales, e pela habilidade demonstrada pela oligarquia agrário-financeira paulista em incorporar os interesses da crescente burguesia industrial do estado a seus próprios canais de representação política.


100 - O poder de São Paulo não era absoluto: Vários exemplos, como os da eleição presidencial de 1910, quando São Paulo apoiou o candidato dissidente – que incluíra o suporte federal à defesa do café em sua plataforma eleitoral –, e perdeu, podem ser arrolados para ilustrar esse ponto, mas isso nos levaria para muito além da presente discussão. (...) Deve ser lembrado antes de mais nada que o governo federal (i) efetivamente negou apoio à valorização em situações críticas, como em 1906 e 1929; (ii) não promoveu a constituição efetiva de uma instituição federal permanentemente dedicada à valorização do café, como demandado por São Paulo na primeira metade dos anos 1920, tendo finalmente retornado sua responsabilidade informal pela defesa de preços ao governo paulista em fins de 1924, e (iii) somente interveio financiando a retenção de estoques esporadicamente em 1908, 1917, 1921 e, através do Banco do Brasil, em 1923-1924.


101 - Banqueiros londrinos e alguns grupos mais ortodoxos no que tange às finanças públicas se opuseram em diversas oportunidades aos interesses dos cafeicultores. Outro fator: a forte oposição do executivo norte-americano a esquemas de controle de oferta de produtos primários em meados dos anos 1920. Por vezes, buscava-se a estabilidade cambial (confiança internacional) em detrimentos dos interesses de valorização do café.


102 - O autor lembra que o café era, de fato, indispensável em muitos momentos para conter desequilíbrios externos perigosos. Por isso, mesmo as eventuais operações federais de valorização do café não podem ser apresentadas como evidência de que o apoio concedido pelo governo tenha sido motivado pela intenção de dar tratamento preferencial a este setor. (...) A posição monopolista do Brasil e sua dependência do produto exigiam medidas especiais. As intervenções do governo federal exerceram, de fato, uma influência estabilizadora benéfica, evitando desequilíbrios externos substanciais que certamente teriam tido graves consequências para o desempenho da economia.


103 - Política cambial: Deve ser lembrado que, durante a Primeira República, o Brasil experimentou dois tipos de regime cambial: taxas de câmbio flutuantes com emissão de moeda fiduciária gerenciada seja pelo Tesouro, seja pelo Banco do Brasil, e taxas de câmbio fixas em regime de padrão-ouro. Sob este último – adotado entre 1906 e 1914 e, novamente, entre 1927 e 1930 –, a política adotada na presença de desequilíbrios externos resumiu-se, em ambas ocasiões, a tentar manter a paridade sobrevalorizada enquanto o governo tentava sem sucesso obter assistência financeira externa para restaurar o equilíbrio de pagamentos. A contração monetária necessária para manter a paridade muitas vezes prejudicou fortemente os cafeicultores.


104 - Volta aos colapsos cambiais: ...Dessas situações de penúria cambial e grande dependência em relação aos banqueiros internacionais resultaram, com algumas diferenças de detalhe, as políticas monetária e fiscal extremamente restritivas seguidas pelos governos Campos Salles e Artur Bernardes. Esses interlúdios deflacionários – que, diferentemente dos colapsos cambiais que em última instância os motivaram, resultaram de opções deliberadas de política econômica – tinham ainda o objetivo explícito de promover substancial apreciação cambial e, portanto, dificilmente podem ser explicados a partir da visão tradicional.


105 - ...Estas duas ocasiões em que o governo federal deliberadamente implementou um mix monetário-fiscal restritivo foram, entretanto, seguidas por franca recuperação do valor da exportações e fases de grande crescimento do investimento mundial, recuperando-se rapidamente a capacidade de endividamento brasileiro. O súbito aumento da receita cambial, ocorrendo em circunstâncias em que o nível de importações encontrava-se deprimido, provocou as rápidas apreciações cambiais de 1905 e 1925-1926, alterando-se drasticamente, o quadro que havia motivado a adoção das políticas restritivas. A resposta do governo foi, em ambas as ocasiões, a adoção do padrão-ouro, medida que, por visar prevenir que os emergentes superávits externos provocassem a apreciação continuada do mil-réis, tem sido também apontada como resultante de pressões da cafeicultura. Coloca, porém, que isso foi bandeira de todas as classes, até porque... mantidas as condições favoráveis do balanço de pagamentos, a operação das regras do jogo do padrão-ouro garantiria o crescimento da base monetária – e, portanto, o abandono da política de dinheiro caro até então seguida –, o que não poderia deixar de contar com o aplauso de todo o setor privado doméstico. Era o padrão-ouro da conveniência, eis que o governo não tinha como esterilizar sem mexer na paridade. Por fim, os banqueiros internacionais também gostavam e se tornavam mais tendentes a realizar empréstimos aos entes.


106 - Lembra que a depreciação que a moeda sofreu entre 1889 e 1930 foi normal tendo em vista o grandes choques externos. (Acho que aqui deveriam ter trazido alguma econometria ou algo do tipo).


107 - O autor não defende que o pensamento ortodoxo fosse uma força maior que os cafeicultores. Ocorre que, em diversos momentos, estes últimos não tinham como pensar em termos corporativos. Meio que tinham que engolir o projeto de "salvação nacional", agradando os banqueiros internacionais, por exemplo. Certamente havia grupos domésticos também que se beneficiavam desses "momentos ortodoxos", mas o texto não quis entrar nessa pesquisa.


108 - O problema do "padrão-ouro de conveniência" (anotação 105 acima): Quando, eventualmente, os empréstimos estrangeiros e os preços de exportação entravam em colapso após um processo de vigoroso crescimento das importações ter ganho impulso (pelo crescimento econômico e da renda) e erodido substancialmente o superávit comercial, a brusca contração monetária que inevitavelmente se seguia tinha efeitos reais extremamente dolorosos, como testemunhado em 1913-1914 e 1929-1930. No câmbio flutuante o trauma era menor, pois a moeda depreciava.


109 - Por fim, critica o crescente endividamento externo e a dependência em relação ao café. Faltou diversificar.


110 - (Achei muito detalhe mal explicado, muitos dos quais nem anotei, mas é compreensível. O cara tentou falar de trinta anos de políticas econômicas e várias viradas em algumas poucas dezenas de página).


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