Livro: John Galbraith - O Pensamento Econômico em Perspectiva - Capítulo 4
Livro: John Galbraith - O Pensamento Econômico em Perspectiva
Pgs. 29-41
"CAPÍTULO 4: "Os mercadores e o Estado"
22 - Alexander Gray sobre o mercantilismo que tomou conta da Idade Moderna: “O mercantilismo foi tudo menos um 'sistema'; foi primordialmente um produto das mentes de estadistas, de altos funcionários públicos, e de líderes financeiros e comerciais da época”.
23 - Muda o cotidiano. As cidades crescem. Navios traziam produtos de terras cada vez mais remotas. Surgiam os bancos, primeiro na Itália e depois no norte da Europa. As casas de câmbio, onde moedas de diferentes países podiam ser pesadas e trocadas, tornaram-se um traço comum da vida comercial.
24 - ...já no século XV as cidades comerciais - Veneza, Florença, Bruges, cedendo lugar a Antuérpia, Amsterdam, Londres, e as cidades da Liga Hanseática - congregavam comunidades mercantis eminentes. Se toda a população estava envolvida no comércio, o mercador não era estigmatizado. E, vale acrescentar, estas eram comunidades de nível artístico e cultural mais elevado do que o das classes proprietárias mais antigas. Até hoje a arquitetura urbana comercial e residencial mais admirada continua sendo a dos mercadores.
25 - Além dos produtos exóticos das "novas terras", vieram os metais, especialmente a prata das colônias espanholas. ...E esta prata não estava à disposição dos europeus em lingotes e ornamentos, mas tinha que ser arrancada do solo como trabalho de dezenas e centenas de milhares de índios que entregavam suas vidas curtas e tenebrosas às minas de San Luís Potosi e Guanajuato no México e às suas equivalentes em outras partes da Nova Espanha. Entre 1531 e 1570, época que constituiu o pico da enxurrada, a prata representou de 85 a 97 por cento em peso dos tesouros que chegaram à Europa.
26 - A Espanha inflacionou os preços - primeiro nela mesma e depois em toda a Europa - com suas importações regadas a prata. Boa parte tinha a ver com gasto de guerras. Max Weber (1864-1920), o grande cientista social alemão, estimou que cerca de 70 por cento das receitas públicas da Espanha e cerca de dois terços das receitas dos outros países europeus eram empregados em guerra naquela época. (...) Jean Bodin (1530-1596), o grande teórico e estudioso da política, afirmou, ”Eu verifico que os altos preços que presenciamos hoje devem-se a quatro ou cinco causas. A principal e praticamente única (à qual ninguém se referiu até o momento) é a abundância de ouro e prata". E prossegue mencionando O monopólio como a segunda causa. Galbraith coloca que isso levava a certo espírito "bullish", digamos assim, na economia real. Ganhar-se-ia mais dinheiro no momento da venda que na compra, isso fosse ilusão ou não.
27 - Outro aspecto importante da Idade Moderna: Os séculos anteriores haviam presenciado o declínio dos barões feudais compulsivamente belicosos e o despontar da autoridade dos príncipes e das cidades. O Estado nacional não foi senão a última etapa de uma longa sequência de eventos.
28 - Ovo ou galinha? O Estado cultivou os mercadores para que servissem à sua autoridade maior? Ou seria um Estado forte o instrumento necessário do poder mercantil? (...). Seus interesses foram altamente beneficiados pela ordem interna e pela proteção externa - em oposição às antigas rivalidades e conflitos feudais. Galbraith coloca, porém, que não há resposta definitiva. Parece ver um meio termo.
29 - Na Idade Moderna, os mercadores passam a buscar ostensivamente a riqueza. Caía aos poucos o domínio da ética - Tomás e Aristóteles - sobre a economia. Galbraith, apoiado em outros, defende que o espírito mercantil/capitalista é mais velho que o puritanismo. Não foi mera decorrência deste. De toda forma... Os mercadores tinham a consciência tranquila. O protestantismo e o puritanismo podem ter ajudado mas, como sempre, a fé religiosa adaptou-se às circunstâncias e necessidades econômicas.
30 - Salários? Não eram importantes ainda. A manufatura de cada nação era basicamente uma atividade doméstica: marido, mulher e filhos transformavam em tecido as matérias-primas fornecidas a eles pelo mercador. Novamente aqui, nenhum salário era pago.
31 - Os mercadores da era mercantilista não gostavam da concorrência de preços; na realidade, são poucos os que a apreciam ainda hoje. Em contrapartida, acordos e acertos de preços entre os vendedores, concessões ou cartas-patentes de monopólio concedidos pela Coroa para algum produto determinado, monopólios comerciais em uma ou outra região do mundo, e a proibição da produção competitiva e da venda de mercadorias nas colônias do Novo Mundo, tudo isso serviu aos interesses mercantis.
32 - Metalismo e a lógica de que o que é bom na esfera privada é bom também para a nação: Há muito que se acredita que a insistência mercantilista no acúmulo de ouro e prata como uma questão de Estado tenha sido uma falácia de composição. Não é, contudo, claro que tenha sido efetivamente. Aqueles foram anos de guerra contínua, como já observei. Os metais preciosos compravam navios e material bélico, e eram essenciais para sustentar os soldados em campanhas militares. Menções ao ouro e a prata como os “tendões da guerra" são frequentes nos documentos da política mercantilista. Segue-se que Os governantes estavam certos ao associarem o poderio militar e nacional a políticas que traduziam ou pareciam trazer metais para dentro de suas fronteiras.
33 - Taxas e proibições de importações eram normais. Além das concessões de privilégios monopolísticos, que na Inglaterra elisabetana proliferaram-se em abundância abrangendo até artigos pouco essenciais como cartas de baralho. Galbraith coloca que até hoje os países são bastante preocupados com os saldos das balanças comerciais. Entretanto, assevera que e um jogo do qual nem todo mundo pode sair vitorioso.
34 - A Idade Moderna também assistiu aos primórdios da grande empresa moderna: No princípio, esta era meramente uma associação temporária de pessoas que reuniam seus esforços e seu capital num empreendimento ou viagem comum, assegurando para si preços sem concorrência na compra e venda dos produtos resultantes. (...) Até que, com a Companhia Muscovy em 1555 e a Companhia Holandesa das Indias Orientais em 1602, o capital envolvido (...) passou a constituir um esteio permanente de operações. Cita as iniciativas semelhantes das outras potências. Cada uma delas também precisava resistir, pela força armada ou pela ameaça desta, às incursões de outros monopólios nacionais similarmente dotados. A grande empresa moderna nasceu como um instrumento de comércio, mas também - e em igual medida - de guerra.
35 - ...O auge desse processo foram as farras especulativas, razão posterior dos "Buble Acts" e da repulsa de Adam Smith em relação às sociedades anônimas com responsabilidade limitada: Por vollta de 1700, surgiu um outro e ainda mais espetacular antecendente da tendência empresarial moderna: os explosivos e absolutamente insensatos booms nos mercados de ações de Paris e de Londres. Em Paris, sob os auspícios (e, de outro prisma, por causa do gênio) de John Law, houve a extraordinária inflação das ações da Mississippi Company (a Compagnie d'Occident), que havia sido criada para operar nas supostamente ricas - mas, infelizmente, totalmente imaginárias - minas de ouro da Louisiana. Em Londres, houve a South Sears Company e diversas outras empresas, inclusive uma criada para explorar uma fonte energética até então subutilizada, a saber, o moto contínuo giratório. Para não falarmos de outra, muito celebrada na história da especulação por sua reticência, que iria "levar a cabo um empreendimento altamente lucrativo que ninguém deve saber qual é".
36 - Por fim, coloca que não havia lá muita produção intelectual mercantilista, digamos assim. Galbraith se diverte: ...o que alivia o tédio da expressão intelectual mercantilista é o seu apelo manifesto, e às vezes emotivo ou mesmo lacrimoso, ao interesse individual, ou em prol dele. Montchrétien, numa passagem com uma bela sonoridade moderna, lembra os seus leitores dos “ternos gemidos das mulheres e dos gritos dilacerantes dos filhos daqueles cujo trabalho sofreu coma concorrência estrangeira".
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