Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada - Capítulo 3 ("PARTE C")

                                                                                                                                                            

Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada



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Pgs. 163-185


"CAPÍTULO 3: "Instituições e desenvolvimento econômico: a "boa governança" na perspectiva histórica"


137 - E um Banco Central? Até que ponto é ou foi necessário? Já a partir do século XVIII, os bancos dominantes, como o Bank of England ou os grandes estabelecimentos bancários de Nova York, eram obrigados a fazer o papel de emprestador de último recurso em tempos de crise financeira. Logo, foi natural a ideia de criar uma instituição pra fazer isso de melhor forma. Muitos, porém, temia o risco moral (moral hazard) que isso geraria. O Bank of England só se tornou um banco central completo em 1844.


138 - O Riksbank sueco (fundado em 1688) foi, nominalmente, o primeiro banco central do mundo. Não obstante, só conseguiu funcionar propriamente como tal no meado do século XIX, pois lhe faltava, entre outras coisas, o monopólio da emissão de dinheiro, o qual só obteria em 1904.


139 - Chang analisa vários países. O banco central da Bélgica (Banque Nationale de Belgique), embora tardiamente fundado em 1851, foi um dos primeiros bancos centrais genuínos, com o monopólio da emissão monetária, que lhe foi conferido na época de sua criação (Dechesne, 1932, p.402) . Entre os onze países que examinamos nesta seção, somente os bancos centrais britânico (1844) e francês (1848) tiveram o monopólio da emissão monetária antes do belgaO alemão só foi criado em 1 871 e obteve o monopólio da emissão em 1905.


140 - EUA: Em 1863, o país finalmente adotou uma moeda única mediante o National Banking Act, mas o banco central ainda estava longe de ser criado (Garraty & Carnes, 2000, p. 154-5; Atack & Passel, 1994; Brogan, 1985, p. 266, 277). Mesmo no início do Século XX, o arremedo de banco central criado deixava milhares de bancos fora de sua jurisdição e era muito controlado por Wall Street. A mais expressiva evidência da história de Charles E. Mitchell, chefe do National City Bank e um dos diretores do Federal Reserve Bank de Nova York. Mitchell, na tentativa de minimizar o estrago em suas atividades especulativas nas vésperas da Grande Depressão, conseguiu pressionar o Federal Reserve Board para que revertesse a política de contenção monetária anunciada no começo de 1929 (Brogan, 1985, p. 525-6).



141 - Traz o debate sobre mercado de capitais desenvolvido: Naturalmente, muitos argumentam - como fez o famoso John Maynard Keynes na década de 1930 - que o capitalismo funciona melhor quando o mercado de capitais tem um papel secundário. Aliás, desde os anos 80 se discutem os méritos relativos dos sistemas financeiros dirigidos pelo mercado de capitais dos países anglo-americanos e os conduzidos pelos bancos, como no Japão e nos países da Europa Continental. No entanto, a ortodoxia continua insistindo em asseverar que um mercado de capitais em bom funcionamento é uma instituição-chave necessária ao desenvolvimento econômico - visão essa que ganhou força, recentemente, graças ao boom impulsionado pelo mercado de capitais dos Estados Unidos.


142 - Coloca que a regulamentação britânica do mercado de títulos foi meio frágil durante quase toda a história. Somente em 1986, com o Financial Service Act, o governo britânico instituiu um sistema abrangente de regulamentação de títulos (que entrou em vigor em 29 de abril de 1988). Essa lei exigiu a listagem oficial dos investimentos na bolsa de valores e a publicação de itens específicos antes de qualquer listagem; também estabeleceu responsabilidade penal para quem desse informação falsa ou enganosa e proibiu a todos de ter empresas de investimentos sem autorização explícita (ibidem, p.54-5). .


143 - ...Nos EUA, a coisa não ia muito diferente, salvo a proibição aos funcionários do Tesouro de especular com títulos. Conquanto o governo federal fizesse ameaças periódicas de introduzir regulamentações de títulos, isso ficou por conta dos Estados individuais ao longo do século XIX. Todavia, nem todos eles tinham leis regulando as transações com títulos (sendo o melhor exemplo a Pensilvânia, um dos Estados economicamente mais importantes na época), e as leis que porventura existiam eram fracas na teoria e ainda mais fracas na aplicação (Banner, 1998, p. 161-3, p. 170-1, 174-5, 281). Só por volta dos anos trinta sobreveio maior controle. 


144 - E o equilíbrio fiscal? Em geral, as finanças dos governos de muitos PADs - sobretudo as das administrações locais - viviam em grande dificuldade no período em questão. Um exemplo expressivo é a incapacidade de alguns Estados norte-americanos de saldar empréstimos britânicos em 1842Diante de sua inadimplência, os financistas ingleses trataram de pressionar o governo federal dos Estados Unidos para que assumisse as dívidas. Não deu certo. Guerras e incapacidade de tributar foram os pecados dos estados norte-americanos. Aliás, essa restrita capacidade burocrática é um dos motivos pelo qual as tarifas (os impostos mais fáceis de coletar) eram tão importantes como fonte de arrecadação dos PADs nos primeiros tempos, assim como para muitos dos países em desenvolvimento mais pobres de hoje.


145 - Inicialmente, recorreu-se ao imposto de renda como um tributo de emergência para financiar guerras. Em 1799, a Inglaterra instituiu um imposto de renda graduado para fazer face à guerra com a França, mas o abandonou no fim do conflito, em 1816. A Dinamarca lançou mão do mesmo expediente, como financiamento de emergência, durante a Guerra Revolucionária de 1789 e a Guerra Napoleônica de 1809. Os Estados Unidos o introduziram temporariamente durante a Guerra de Secessão, mas o abandonaram assim que ela terminou em 1872. (...) Em 1842, a Inglaterra foi o primeiro país a dar caráter permanente ao imposto de renda. Mas este enfrentou uma oposição feroz, que o considerava uma medida injusta e invasiva


146 - Embora posteriormente tenha ficado conhecida pela tendência a impor altas alíquotas de imposto de renda, a Suécia o instituiu tardiamente, em 1932.


147 - E as políticas de bem-estar? A provisão pública custo-eficaz de saúde e educação pode gerar melhoras na qualidade da força de trabalho, que, por sua vez, aumenta a eficiência e acelera o crescimento da produtividadeAs instituições de bem-estar social reduzem as tensões sociais e dão mais legitimidade ao sistema político, criando um ambiente mais estável para os investimentos a longo prazo. As estabilizações intersazonais do consumo, mediante dispositivos como o salário-desemprego, pode até mesmo contribuir para minimizar os efeitos dos ciclos econômicos. E assim por diante.


148 - ...Chang alerta, porém, que pode haver problemas nos mecanismos/desenhos e nos (des)incentivos sobre a população afetada. Ademais, tentar criar mais impostos para financiar um programa de bem-estar social, num contexto em que a legitimidade política não está firmemente estabelecida, pode levar a "greves de investimento" por parte dos ricos - ou até mesmo ao apoio a um retrocesso violento, como no caso do Chile de Allende.


149 - Ainda no início do Século XIX, os beneficiários de assistência social eram estigmatizados. Exemplifica: ...A Noruega e a Suécia instituíram o sufrágio universal masculino respectivamente em 1898 e 1918, mas só em 1918 e 1921, respectivamente, permitiu-se que os beneficiários da assistência pública passassem a votar (Pierson, 1998, p. 106-7).


150 - A relação entre sufrágio universal e Estado de Bem-Estar Social variava um tanto. ...Se, em países como a Nova Zelândia, houve um claro nexo entre a precoce ampliação do sufrágio e o desenvolvimento das instituições de bem-estar social, em casos como o da Alemanha, as instituições cresceram rapidamente num período de sufrágio relativamente limitado.



151 -  ...As primeiras instituições de bem-estar social da Alemanha já eram muito "modernas" no caráter (por exemplo, tinham cobertura universal) e, aparentemente, suscitaram grande admiração na esquerda francesa da época.


152 - ...Da tabela, percebe-se que em 1925, já havia uma ampla proteção em boa parte dos países.


153 - Em seguida, Chang traz a polêmica sobre trabalho infantil: Certos comentaristas afirmam que é insensato esperar uma rápida erradicação do trabalho infantil nos países em desenvolvimento de hoje, já que os PADs levaram séculos para chegar a tanto.


154 - ...Relata-se que, na década de 1820, as crianças inglesas trabalhavam entre 12,5 e dezesseis horas por dia. Entre 1840 e 1846, cerca de 20% da força de trabalho industrial da Alemanha era constituída de crianças com menos de quatorze anos de idade. Na Suécia, até 1837, podiam-se empregar meninos de cinco ou seis anos. (...) Nos Estados Unidos, o trabalho infantil se propagou no começo do século XIX: na década de 1820, cerca da metade dos operários da indústria têxtil do algodão tinham menos de dezesseis anos. (...) E mesmo em 1900, o número de crianças com menos de dezesseis anos que trabalhavam em tempo integral (1,7 milhão), nos Estados Unidos, era superior ao da totalidade dos membros da American Federation of Labour [Federação Americana do Trabalho], o principal sindicato do país (ibidem, p.229, 600).


155 - Argumentação cretina, como sempre, tinha pra todo gosto: Na controvérsia em torno ao Cotton Factories Regulation Act de 1819, que proibia o emprego de crianças menores de nove anos e reduzia a jornada de trabalho infantil, alguns membros da Câmara dos Lordes argumentaram que "o trabalho deve ser livre", ao passo que outros asseveraram que as crianças não eram "agentes livres". As legislações foram evoluindo bem aos poucos. O Factory Act de 1847 (o "Ten Hours Act") baixou para dez horas a jornada de trabalho das crianças com idade entre treze e dezoito anos. (...) mesmo o Factory and Workshop Act de 1 878 permitia que crianças maiores de dez anos trabalhassem até trinta horas semanais, sendo as condições ainda menos rigorosas nas fábricas não-têxteis (Hobsbawm, 1999, p. 103, 634-5, 636, n. 47).


156 - Narra, ainda, a breve história parecida de outros países. Muitas leis descumpridas e fracas.




157 - Quanto à jornada dos adultos: Nos Estados Unidos, até a tardia década de 1890, só um número reduzidíssimo de empregadores esclarecidos se dispunha a reduzir a jornada habitual de dez horas


158 - ...Muitos operários recém-imigrados trabalhavam até dezesseis horas por dia no século XIX (Cochram & Miller, 1 942, p.245) . Na Alemanha, a semana média foi de 75 horas entre 1850 e 1870, de 66 em 1890 e de 54 em 1914, ao passo que a jornada dos padeiros da Noruega, nas décadas de 1870 e 1880, geralmente chegava a dezesseis horas. Na Suécia, a média foi de onze-doze horas até a década de 1880 e, até o primeiro decênio do século XX, podia alcançar dezessete horas em algumas ocupações, principalmente na panificação. Morch (1982) estima que, em 1880, a semana de trabalho dinamarquesa era de cerca de setenta horas distribuídas em seis dias e meio.


(...)


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