Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada - Capítulo 3 ("PARTE B")

                                                                                                                                                           

Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada



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Pgs. 145-163


"CAPÍTULO 3: "Instituições e desenvolvimento econômico: a "boa governança" na perspectiva histórica"


117 - Começa relativizando que proteção à direito de propriedade leve sempre a mais desenvolvimento. Cita o clássico exemplo dos cercamentos e tantos outros. Provavelmente, o mais conhecido deles é o enclosure na Inglaterra, que mesmo desrespeitando o direito de propriedade comunitária vigente, ao cercar as terras comuns, contribuiu para o desenvolvimento da indústria da lã, pois promoveu a ovinocultura nos espaços confiscados. Para tomar outros exemplos, De Soto (2000) mostra que o reconhecimento do direito de posse, numa franca violação do direito dos proprietários existentes, foi decisivo para o desenvolvimento do Oeste norte-americano. Upham (2000) cita o famoso caso Sanderson, de 1868, quando a Suprema Corte da Pensilvânia anulou o direito vigente dos proprietários de terra de exigir o acesso à água limpa, favorecendo a indústria do carvão, que, na época, era uma das mais importantes do estado. Depois da Segunda Guerra Mundial, a reforma agrária no Japão, na Coréia e em Taiwan violou o direito de propriedade dos latifundiários, mas contribuiu para o subsequente desenvolvimento desses países. Muitos alegam que, no pós-guerra, a nacionalização de empresas industriais, em países como Áustria e França, contribuiu para o seu desenvolvimento industrial à medida que transferiu certas propriedades industriais de uma classe capitalista conservadora e indolente para administradores profissionais do setor público, com inclinação para a tecnologia moderna e os investimentos agressivos.


118 - Traz de volta o tema das patentes. As proteções vão surgindo especialmente entre fim do Século XVIII e início do Século XIX, mas de forma ainda muito deficiente. Sem contar as famosas exceções (Suiça etc.).


119 - Chang coloca que algumas análises precisam ir além das aparências. EUA do início do Século XIX tinham um sistema que sequer considerava originalidade entre os requisitos. Gente inescrupulosa se aproveitava disso para registrar invenções já há muito em uso. Segundo Cochran & Miller (1942, p.14), o fato de os Estados Unidos terem produzido 535 patentes por ano, entre 1820 e 1 830, enquanto a Inglaterra não gerava mais do que 145, deveu-se principalmente a diferenças em "escrúpulos". Compare-se com a argumentação de Sokoloff & Khan (2000, p5), segundo a qual foi graças ao "bom" sistema de patenteamento que, em 1810, os Estados Unidos excederam muito a Inglaterra em patenteamento per capita.


120 - Mais exceções: Ficou proibido patentear substâncias químicas até 1967 na Alemanha Ocidental, até 1968 nos países nórdicos, até 1976 no Japão, até 1978 na Suíça e até 1992 na Espanha. O mesmo valeu para os produtos farmacêutica até 1967 na Alemanha e na França, até 1979 na Itália, até 1992 na Espanha. Os produtos farmacêuticos também ficaram proibidos de ser patenteados no Canadá durante a década de 1990. Para mais detalhes, ver Patel (1 989, p. 980).


121 - Até 1888, quando se instituiu uma lei de proteção apenas às invenções mecânicas ("invenções que possam ser representadas por modelos mecânicos"), a Suíça não reconhecia nenhum DPI sobre invenções (Schiff, 1971, p. 85) . Só em 1907, em parte pela ameaça de sanções comerciais da Alemanha relacionadas com o uso, pela Suíça, de suas invenções químicas e farmacêuticas, aprovou-se uma lei de patente digna de tal nomeTodavia, mesmo esta tinha muitas exclusões, particularmente a recusa de conceder patentes a substâncias químicas (ao contrário dos processos químicos).


122 - Em 1883 houve a Convenção de Paris para proteger direitos de propriedade industrial. A convenção abrangeu não só as patentes, como também leis de marca registrada (o que possibilitou à Suíça e à Holanda assiná-la mesmo sem ter lei de patente). (...) Em 1886, firmou-se a Convenção de Berna sobre direito autoral ou copyright. (...) No entanto, como vimos no Capítulo 2 (seção 2.3.3), apesar da emergência de um regime internacional de DPI, mesmo os PADs mais desenvolvidos seguiam violando rotineiramente o DPI dos cidadãos dos outros em pleno século XX.


123 - Sobre governança empresarial, lembra a oposição dos primeiros teóricos capitalistas à responsabilidade limitada. Era um risco moral (moral hazard). Foi com base nisso que a Inglaterra, mediante o Bubble Act de 1720, proibiu a formação de novas sociedades de responsabilidade limitada, se bem que voltou a autorizá-la em 1825, com a revogação dessa lei. (...) Em muitos países europeus, as companhias de responsabilidade limitada - ou joint stock companies, como eram conhecidas nesse tempo - existiram desde o século XVI graças a licenças reais ad hoc (Kindleberger, 1984, p.196). Contudo, só no meado do século XIX ela passou a ser concedida como algo lógico ou natural, não como um privilégio. (...) A responsabilidade limitada generalizada foi introduzida pela primeira vez na Suécia, em 1844. Nos anos e décadas seguintes, outros países europeus foram adotando. Vendo os fatos, não parece ser algo tão determinante assim no desenvolvimento econômico: ...Na França, a responsabilidade limitada só se generalizou em 1867, mas, na Espanha, embora tenham começado a surgir já em 1848, as sociedades anônimas só se estabeleceram plenamente em 1951. É interessante observar que, em Portugal, a responsabilidade limitada generalizou-se cedo, em 1863, apesar do atraso econômico do na época.


124 - Sobre lei de Falências, inicia dispondo o seguinte: Posto que ainda não se tenha encerrado o debate sobre é a melhor lei de falência - a dos Estados Unidos, que favorece o devedor, a do Reino Unido, que beneficia o credor, ou a da França, que protege o empregado -, ninguém discorda de que uma lei de falência eficaz é desejável.


125 - No Reino Unido, a primeira Lei de Falência, aplicável aos mercadores com débitos de certa importância, foi introduzida em 1542, embora só se tenha consolidado com a legislação de 1571. Entretanto, a lei era muito rigorosa com os negociantes falidos, já que considerava que todo o seu patrimônio futuro podia ficar comprometido com as dívidas antigas. Com o passar do tempo e a necessidade de se incentivar a maior assunção dos riscos, a coisa foi sendo flexibilizada. Por exemplo, em 1705-1706, introduziram-se medidas, no Reino Unido, para permitir que os falidos cooperativados conservassem 5% dos ativos, chegando até a desonerar alguns de todos os débitos futuros se os credores consentissem (ibidem, p. 10-2). De toda forma, Chang diz que a lei não podia ser usada por todos (ao que entendi). Ficou como privilégio. Só em meados do Século XIX é que se generalizou. Também o "desencargo do ônus" passou a ser decidido pelos tribunais e não pelos credores.


126 - ...Nos Estados Unidos, as primeiras leis de falência tomaram por modelo a antiga lei inglesa (pró-credor) e administradas no âmbito estadual. No entanto, até o fim do século XIX, somente alguns Estados tinham leis de falência, e essas variavam de um para o outro. Caíam e surgiam leis novas o tempo todo. Era bagunça. Só em 1898 o Congresso conseguiu adotar uma lei de falência federal duradoura. As disposições incluíam o pagamento de todas as dívidas, a autorização da falência involuntária e da voluntária, a exclusão dos agricultores e assalariados da falência involuntária, a proteção de todas as propriedades isentas de embargo pela lei estadual e a concessão de um período de moratória para que os insolventes reorganizassem os negócios ou entrassem em acordo com os credores.


127 - Sobre transparência e auditoria, não há muito o que glorificar no passado também. Mesmo na nação pioneira. As regras eram frágeis/burláveis no Século XIX. Não obstante, até o Company Act de 1948, as normas da disclosure continuaram sendo precárias, coisa que transformou o mercado do fim da era vitoriana num verdadeiro "abacaxi" (Kennedy, 1987, apud Crafts, 2000).


128 - ...Só com o Federal Securities Act de 1933 foi que os Estados Unidos tornaram compulsória a disclosure completa de informações acerca da empresa, para os investidores, referentes às ofertas públicas de ações. Dá exemplos de países como Noruega e etc. Maioria das leis surgiram entre fim do Século XIX e início do XX.


129 - Sobre leis de defesa da concorrência, ficou um tanto mal explicado, mas vamos lá: Os Estados Unidos foram os pioneiros da "moderna" Lei de Concorrência. Instituíram o Sherman Antitrust Act em 1890, se bem que, cinco anos depois, ele foi mutilado pela Suprema Corte, no famoso caso do Truste do Açúcar. E o fato é que, até 1902, quando o presidente Theodore Roosevelt o aplicou contra o holding ferroviário de ]. P Morgan, a Northern Securities Company, o act foi usado principalmente contra os sindicatos, não contra os grandes conglomerados. Roosevelt criou o Bureau of Corporations em 1905 a fim de investigar as práticas viciosas das grandes empresas; esse birô foi promovido à Federal Trade Commission pelo Clayton Antitrust Act de 1914, que também proscreveu o uso da legislação antitruste contra os sindicatos (Brogan, 1 985. p.458, 464; Garraty & Carnes, 2000, p.518, 6 13-4, 622).


130 - Na Inglaterra, a coisa foi mais frouxa ainda. O Restrictive Practices Act de 1956 foi a primeira legislação verdadeiramente antitruste, no sentido de que partia do princípio - pela primeira vez - de que as práticas restritivas eram contrárias ao interesse público, a menos que os industrialistas provassem o contrário. A tática foi, então, aprofundar as fusões, já que não podia mais cartelizar livremente.


131 - Alemanha: ...O ponto culminante disso foi uma decisão da mais elevada corte do país, em 1897, segundo a qual os cartéis eram legais. Da Primeira Guerra Mundial em diante, a cartelização se difundiu, passando a ser o meio pelo qual o governo planejava as atividades econômicas. Na Era Hitler, dependia do que lhe desse na telha: Em 1933, o ministro de Assuntos Econômicos obteve o poder de anular qualquer cartel ou de impor a sua formação compulsória (Bruck, 1962, p.93, 96, 196-7, 222; Hannah, 1979...).


132 - Na Noruega, a primeira Lei do Truste foi introduzida em 1926, mas o conselho dela encarregado operava partindo do princípio de que devia monitorar o comportamento monopolista, mas não impedi-lo categoricamente. Posto que ulteriormente, em 1953, ela tenha sido substituída pela Lei do Preço e pela Lei da Concorrência, que tinha disposições um pouco mais rigorosas (por exemplo, as empresas passaram a ser obrigadas a notificar as fusões e aquisições importantes) , o efeito principal da lei antitruste norueguesa continuou sendo o de publicidade e controle, não tanto o da imposição de proibições diretas. A lei da concorrência dinamarquesa de 1955 (Lei dos Monopólios e das Práticas Restritivas) operava no mesmo princípio de "publicidade e controle"


133 - Passa a analisar a lentidão da formação do sistema financeiro em vários países avançados. Até mesmo na Inglaterra demorou. Na França, o desenvolvimento do sistema bancário foi ainda mais moroso, o uso dos títulos de crédito não se generalizou antes do meado do século XIX (ao passo que, na Grã-Bretanha, isso ocorrera no século XVIII), e, ainda em 1863, três quartos da população não tinham acesso ao sistema bancário. A Prússia contou apenas com um punhado de bancos até o século XVIII, e lá o primeiro banco de sociedade anônima só foi fundado em 1848. Na Suécia, os bancos não apareceram senão no fim do século XIX.


134 - ...Nos PADs, os bancos só se tornaram instituições profissionais de crédito no começo do século XX. Antes disso, eram as conexões pessoais que influenciavam as decisões de empréstimo dos bancos. Por exemplo, na maior parte do século XIX, os estabelecimentos emprestavam o grosso do dinheiro aos próprios diretores ou aos seus parentes e conhecidos (Lamoureux, 1994). Os bancos escoceses do século XVIII e os ingleses do XIX não passavam de associações de autoajuda de mercadores que precisavam de crédito; nada tinham de banco no sentido moderno (Munn, 1981; Cottrell, 1980).


135 - Nos EUA, Chang coloca que prevalecia certa bagunça bancária, sem qualquer controle. Isso significa que, mesmo no próspero período do governo Coolidge (1923-1929), nada menos que seiscentos bancos pediam falência todo ano (Broagan, 1985, p.523).


136 - Na Alemanha, a regulamentação direta dos bancos comerciais só foi introduzida em 1934, com a Lei de Controle de Crédito, ao passo que, na Bélgica, não foi instituída senão em 1935, com a criação da Comissão Bancária.



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