Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada - Capítulo 2 ("PARTE B")

                                                                                                                                                      

Livro: Ha-Joon Chang - Chutando a Escada



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Pgs. 43-57


"CAPÍTULO 2: "Políticas de desenvolvimento econômico: perspectiva histórica das políticas industrial, comercial e tecnológica"


19 - Passa a analisar a reforma da legislação mercantil de 1721, promovida por Robert Walpole, o primeiro premiê britânico, no reinado de Jorge I (1724-1727). (...) Ao apresentar a nova lei, Walpole declarou mediante a fala do trono ao Parlamento: "é evidente que nada contribui mais para promover o bem-estar público do que a exportação de bens manufaturados e a importação de matéria-prima estrangeira". Dinamitou as tarifas de importação de matérias-primas a serem usadas na indústria. (...) em segundo, elevou-se o reembolso aduaneiro para as matérias-primas importadas pelas manufaturas de exportação - política já bem implantada no país desde o tempo de Guilherme e Maria. (...)  em terceiro, aboliu-se o imposto de exportação da maior parte dos manufaturados; quarto, elevou-se significativamente a tarifa aduaneira dos bens manufaturados; quinto, estenderam-se os subsídios à exportação ("subvenções") a novos itens, como os produtos de seda (1722) e a pólvora (1731), e aumentaram os já existentes subsídios à exportação do pano de vela e do açúcar refinado (em 1731 e 1733, respectivamente); e, por fim, introduziram-se regulamentações para controlar a qualidade dos produtos manufaturados, principalmente a dos têxteis, a fim de evitar que os produtores inescrupulosos prejudicassem a imagem dos produtos britânicos no mercado externo. (...) Tornamos a encontrar a versão moderna de tal política em países como o Japão e a Coréia no período do pós-guerra, quando as agências comerciais do Estado agiram não só como fontes de informação e canais de marketing, mas também como um controlador da qualidade dos produtos de exportação.


20 - A Inglaterra foi protecionista e utilizou tarifas altas até 1820 no mínimo. Em 1699, o WoodAct proibiu as exportações de produtos de lã provenientes das colônias, destruindo totalmente a indústria de lã irlandesa, na época. (...) Em 1700, impôs-se uma barreira à importação dos produtos de algodão da Índia (o morim), também de qualidade superior, debilitando aquele que, na época, era considerado o setor manufatureiro de algodão mais eficaz do mundo. (...) Duas gerações depois, em 1873, já se estimava que 40%-45% da exportação têxtil de algodão da Grã-Bretanha se destinava a esse país.


21 - Coloca que a adoção do livre-comércio pela Inglaterra - abolição das Corn Laws e diversas outras medidas depois, como tratados para abolição de tarifas com a França, por exemplo - teve mais a ver com estratégia internacional do que com convencimento teórico a respeito das virtudes do liberalismo econômico em qualquer situação. Exemplo: Em 1840, Browning aconselhou os Estados-membros da Zollverein alemã a plantar e vender trigo para comprar bens manufaturados britânicos (Landes, 1 998, p.521). A Inglaterra estava disposta a se abrir aos produtos agrícolas dos demais para poder "ficar" com a produção industrial no continente. (...) "Em 1848, a Grã-Bretanha tinha 1146 produtos tributáveis; em 1860, não mais que 48, dos quais doze eram tarifas sobre bens de luxo ou supérfluos. Tendo sido a mais complexa da Europa, agora a tarifação britânica cabia em meia página do Whitaker's Almanack" (Fielden, 1969, p.82).


22 - Lembra que o surgimento do "livre-mercado" nada tem de espontâneo. Cita, além do longo protecionismo sobre a manufatura algodoeira, a criação de mão-de-obra assalariada mediante a destruição da produção rural em pequena escala. O Estado teve que fazer muita coisa.


23 - A era do livre-comércio chegou ao fim quando a Grã-Bretanha finalmente reconheceu que tinha perdido a primazia manufatureira e reinstituiu tarifas em larga escala em 1932 (Bairoch, 1993, p.27-8).


24 - Passando aos EUA, parece meio revoltado com a análise de North sobre o desenvolvimento do país.  ...North (1965) não menciona senão uma vez a questão das tarifas e, assim mesmo, só para reduzi-la a um fator insignificante na explicação do desenvolvimento industrial do país. Sem se dar ao incômodo de fundamentar a questão e limitando-se a citar uma fonte secundária e altamente tendenciosa (o estudo clássico de F. Taussing, 1892), alega que "embora as tarifas se hajam tornado cada vez mais protecionistas a partir da Guerra de Secessão, é questionável afirmar que tenham influenciado a ponto de favorecer seriamente a expansão da manufatura" (North, 1965, p.649).


25 - A Grã-Bretanha estava longe de querer industrializar as colônias e se encarregou de implementar políticas que o impedissem (mais detalhes na seção 2.3). Na época da independência, os interesses do Sul agrário se opunham ao protecionismo, ao passo que os do Norte manufatureiro - representados, entre outros, por Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos (1789-1795) - o queriam. (Em nota de rodapé, menciona que obviamente havia muitas exceções: Mesmo sendo um senhor de escravos sulista, Jefferson era decididamente favorável à proteção à indústria nascente. Em contraste, embora natural da parte nortista e manufatureira do país, Benjamin Franklin não era partidário da proteção à indústria nascente. Ainda assim, este acabou apoiando a causa por considerar que a Europa meio que competia com dumping social, digamos assim). Hamilton teria argumentado a favor da proteção à indústria nascente antes mesmo de List tornar famosa essa tese. Mesmo escritos mais antigos que Hamilton, de outros autores, flertavam com o argumento. Por fim... List só se converteu ao argumento da indústria nascente e passou a advogar o livre-comércio depois de um período de exílio nos Estados Unidos (1825-1830).


26 - Tarifas e até proibição de importações faziam parte do receituário de Hamilton, a fim de que o Estado acabasse "arcando" com prejuízo inicial, de certa forma. É interessante observar a grande semelhança entre essa visão e a adotada por Walpole.


27 - Muitas tarifas sofreram aumento em 1792, ainda que continuassem bem aquém das recomendações de Hamilton, que preconizava um sistema abrangente de proteção e subsídio à indústria nascente. Até a guerra de 1812 com a Grã-Bretanha, o nível médio das tarifas ficou em torno dos 12,5%; a partir de então todas elas dobraram, se bem que para enfrentar as crescentes despesas de guerra (Garraty & Carnes, 2000, p.153-5, 210; Bairoch, 1993, p.33). (...)  A política sofreu uma mudança significativa em 1816, quando, como observa List (Capítulo 1), uma nova lei determinou a manutenção do nível das tarifas próximo do aplicado em tempo de guerra, conseqüência da considerável influência política das indústrias nascentes, que haviam crescido graças à proteção "natural" propiciada pela guerra com a Grã-Bretanha.


28 - Chang narra sucessão de anos de tensão entre estados sulistas, insatisfeitos com o protecionismo industrial, e do Norte. Conciliação foi necessária. Bairoch descreve o período de 1846 a 1861 como de "protecionismo moderado" (Garraty & Carnes, p.335; Bairoch, 1993, p.34-5; Luthin, 1994, p.611). Tarifas mais baixas (ou menos altas, na verdade).


29 - A tarifa foi tão ou mais causa da guerra de Secessão quanto a questão da escravidão.


30 - O Partido Republicano só se formou em 1856, a partir da aliança entre os interesses manufatureiros do Norte e os pequenos agricultores do Oeste. Lincoln era um entusiasta do protecionismo, mas evitava dividir o partido recém-criado mais do que já estavam sobre o assunto. Embora eleito pelos estados protecionistas, era cauteloso. Mais: Embora fosse incontestavelmente antiescravista, nunca advogou a abolição com firmeza; considerava os negros uma raça inferior e se opunha a que se lhes outorgasse o direito de voto. Diante disso, com a sua eleição, o Sul tinha mais a temer no tocante à frente das tarifas do que no referente à questão da escravidão. Aliás, no início da Guerra de Secessão, Lincoln sinalizou claramente a sua disposição a tolerar o trabalho servil nos Estados do Sul em nome da unidade nacional. No outono de 1862, decretou a abolição da escravatura mais como uma estratégia para ganhar a guerra do que por convicção moral (Garraty & Carnes, 2000, p.391-2, 414-5; Foner, 1998, p.92).


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