Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo - Capítulos 14 e 15
Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo
Pgs. 120-126
"CAPÍTULO 14: "Os executivos americanos são caros demais"
120 - A tese aqui: A classe empresarial nos Estados Unidos obteve um tal poder econômico, político e ideológico, que tem sido capaz de manipular as forças que determinam a sua remuneração. CEO's ganham de trezentos a quatrocentos vezes mais que o trabalhador médio. Ganham cerca de dez vezes mais que os seus "antepassados dos anos sessenta", digamos, mais bem-sucedidos. E ganham até vinte vezes mais que gestores similares em outros países, a depender do país. A razão entre a remuneração do CEO e a do trabalhador típico nos Estados Unidos situava-se em torno de 30 a 40 para 1 nas décadas de 1960 e 1970. Coloca que tudo isso não tem a ver, ao contrário do que se pensa, com maior produtividade.
121 - EUA: a remuneração do trabalhador típico subiu a uma taxa de 0,2% ao ano entre 1983 e 1989, à taxa de 0,1% ao ano entre 1992 e 2000, e simplesmente não cresceu entre 2002 e 2007. (...) A renda familiar, em contraste com a remuneração do trabalhador individual, aumentou, mas isso só aconteceu porque cada vez mais os dois parceiros trabalham na família.
122 - O argumento do tamanho crescente da empresa. Quanto maior, mais o CEO faz diferença ao organizar tudo e mais recebe. Esse argumento encerra uma certa lógica, mas se o tamanho crescente da empresa é a principal explicação para a inflação do pagamento do CEO, por que isso aconteceu de repente na década de 1980, já que o tamanho das empresas americanas vem crescendo o tempo todo? Além disso, o mesmo argumento deveria se aplicar aos trabalhadores, pelo menos até certo ponto.
123 - ...Além do mais, se a crescente importância das decisões da alta administração é a principal razão para a inflação do salário do CEO, por que os CEOs no Japão e na Europa que administram empresas igualmente grandes recebem apenas uma fração da remuneração dos CEOs americanos? Se incluir as opções de compra de ações, a diferença fica enorme... podem facilmente ser de três a quatro vezes, e possivelmente de cinco a seis vezes, a sua remuneração sem as opções de ações, embora seja difícil determinar exatamente a magnitude envolvida. Isso significa que, se incluirmos as opções de ações, a remuneração dos CEOs japoneses (que inclui apenas um pequeno componente de opção de ações, quando inclui) poderia ser de apenas 5%, em vez de 25%, da remuneração dos CEOs americanos.
124 - Acrescenta que os CEO's não são punidos. Costumam ser "despejados" com gordas indenizações quando erram. A força da concorrência fará isso acabar? Será preciso um longo tempo para que esse processo elimine práticas erradas de remuneração de executivos (afinal de contas, isso vem acontecendo há décadas). A GM teria passado por décadas de gestão ruim bem remunerada, por exemplo. Afirma que a classe gestora empresarial ganhou enorme poder de classe. Enquanto a casa cai, há formas de ir agradando todo mundo: "Os pagamentos de dividendos elevados e em ascensão também mantêm os acionistas felizes".
125 - Quando os governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha injetaram quantias astronômicas do dinheiro dos contribuintes em instituições financeiras que estavam em dificuldades no outono de 2008, poucos dirigentes responsáveis pelo fracasso das suas instituições foram punidos. De fato, um pequeno número de CEOs perdeu o emprego (...). O fato de os contribuintes britânicos e americanos, que se tornaram os acionistas das instituições financeiras resgatadas, não poderem nem mesmo punir aqueles que são hoje seus funcionários, por apresentarem um mau desempenho, e obrigá-los a aceitar um plano salarial mais eficiente demonstra o grau de poder que a classe empresarial possui hoje nesses países. Eles sempre ganham, até quando perdem. Os trabalhadores pagam com o emprego ou a contínua pressão salarial, passando décadas quase sem ganhos reais, afirma. (que eu lembre, há certo cherry-picking nisso, pois há mais ganhos reais dos trabalhadores nas últimas décadas em forma de outros benefícios que não o salário, só que apenas para parte deles).
Pgs. 127-134
"CAPÍTULO 15: "As pessoas nos países pobres são mais empreendedoras do que as pessoas nos países ricos"
126 - Nos países pobres, as pessoas são obrigadas a inventar todo tipo de negócio para sobreviver. Não há empregos suficientes nos empreendimentos de qualidade, digamos. Nas ruas dos países pobres, você encontra homens, mulheres e crianças de todas as idades vendendo tudo o que é possível imaginar, além de coisas que você nem mesmo sabia que poderiam ser compradas. Em muitos países pobres, você pode comprar um lugar na fila para a seção de vistos da embaixada americana (que é vendido para você por profissionais que administram o serviço das filas), o serviço para que “tomem conta do seu carro” (o que quer dizer “impedir que o seu carro seja danificado”) nos locais de estacionamento, o direito de montar uma barraca de comida em uma esquina específica (talvez vendido pelo corrupto chefe de polícia da localidade) ou até mesmo um ponto onde você possa mendigar (vendido pelos gangsteres do local). (...) O que torna pobres os países pobres não é a ausência de uma energia empreendedora no nível pessoal, e sim a ausência de tecnologias produtivas e organizações sociais desenvolvidas, especialmente empresas modernas.
127 - ...De acordo com um estudo da OCDE, na maioria dos países em desenvolvimento de 30 a 50% da força de trabalho não agrícola trabalha por conta própria (o percentual tende a ser ainda maior na agricultura). Em alguns dos países mais pobres, a proporção de pessoas que trabalham como empresários individuais pode ser bem mais elevada: 66,9% em Gana, 75,4% em Bangladesh e espantosos 88,7% em Benin. Em contrapartida, apenas 12,8% da força de trabalho não agrícola nos países desenvolvidos trabalha por conta própria. Em alguns países, a relação não atinge nem mesmo um em dez: 6,7% na Noruega, 7,5% nos Estados Unidos e 8,6% na França. (...) A diferença é de 10 vezes, se compararmos Bangladesh com os Estados Unidos (7,5% versus 75,4%). E no caso mais extremo, a chance de alguém em Benin ser um empresário é treze vezes maior do que a chance equivalente de um norueguês fazer o mesmo (88,7% versus 6,7%).
128 - Pra piorar, a gestão é bem mais difícil. No caso dos empresários dos países pobres, as coisas dão errado o tempo todo. Cortes de energia atrapalham a agenda da produção. A alfândega não libera as peças sobressalentes necessárias para que uma máquina seja consertada, o que já tinha sofrido um atraso devido à autorização para comprar dólares americanos. Os insumos não são entregues na hora certa, e o caminhão de entrega enguiçou de novo — uma vez mais — por causa de buracos na estrada. E os insignificantes funcionários públicos locais modificam, e até mesmo inventam, regras o tempo todo a fim de obter propinas.
129 - Chang coloca que o microcrédito, superexaltado no início do século XXI, acabou se mostrando uma ilusão: Foi revelado que o Grameen Bank pôde cobrar inicialmente taxas de juros razoáveis apenas por causa dos subsídios que estava recebendo do governo de Bangladesh e de doadores internacionais (fato que foi abafado). Se não forem subsidiadas, as instituições de microfinanças precisam cobrar taxas de juros de, tipicamente, 40 a 50% ao ano pelos seus empréstimos, com as taxas atingindo patamares de 80 a 100% em países como o México.
130 - ...Com taxas de juros que chegam a 100%, poucos negócios podem lucrar o bastante para pagar os empréstimos, de modo que quase todos os empréstimos feitos pelas instituições de microfinanças (em alguns casos quase 90% deles) foram usados com a finalidade de consumption smoothing — pessoas tomando empréstimos para pagar o casamento da filha ou compensar uma queda temporária da renda devido à doença de um membro da família que trabalha. Em outras palavras, a maior parte do microcrédito não é usada para alimentar o empreendedorismo dos pobres, a suposta meta da prática, e sim para financiar o consumo.
131 - Os primeiros lucros fornecidos pela expansão do microcrédito podem ser interessantes, mas depois a coisa empena. O problema é que existe apenas um leque limitado de atividades (simples) às quais os pobres dos países em desenvolvimento podem se dedicar, devido às suas habilidades limitadas, à pequena variedade de tecnologias disponíveis e à reduzida quantidade de financiamento que eles podem mobilizar por meio das microfinanças. Portanto, você, um pecuarista croata, que comprou mais uma vaca leiteira por intermédio do microcrédito, continua apenas a vender leite enquanto observa o preço do leite despencar no mercado de leite local por causa dos trezentos outros pecuaristas como você que também estão vendendo uma maior quantidade de leite, porque se tornar um exportador de manteiga para a Alemanha ou de queijo para a Grã-Bretanha simplesmente não é possível com a tecnologia, a capacidade organizacional e o capital que você tem.
132 - A questão é que o que realmente torna ricos os países ricos é a capacidade deles de canalizar a energia empreendedora individual para o empreendedorismo coletivo. (...) Para começar, até mesmo indivíduos excepcionais como Edison e Gates só alcançaram êxito porque estavam respaldados por várias instituições coletivas: toda a infraestrutura científica que possibilitou que eles adquirissem o seu conhecimento e que também fizessem experiências com ele; as leis empresariais e outras leis comerciais que tornaram possível que eles subsequentemente criassem empresas com grandes e complexas organizações; o sistema educacional que forneceu cientistas, engenheiros, administradores e trabalhadores altamente treinados que compunham a mão de obra dessas companhias; o sistema financeiro que possibilitou que eles levantassem um grande capital quando desejaram se expandir; as leis de patente e de direitos autorais que protegeram as suas invenções; o mercado facilmente acessível para os seus produtos e assim por diante. Inclusive gestores profissionais cada vez mais substituem os heróis individuais carismáticos.
133 - ...Além disso, nos países ricos, os empreendimentos cooperam muito mais entre si do que o fazem os seus equivalentes nos países pobres, mesmo quando atuam em indústrias semelhantes. Por exemplo, os setores de laticínios em países como a Dinamarca, a Holanda e a Alemanha se tornaram o que são hoje apenas porque os seus pecuaristas se organizaram em cooperativas, com a ajuda do Estado, e investiram em conjunto em recursos de processamento (p. ex., máquinas de fazer creme) e no mercado internacional. Em contrapartida, os setores de laticínios dos países dos Bálcãs não conseguiram se desenvolver apesar de uma grande quantidade de microcrédito ter sido canalizada para eles, porque todos os seus pecuaristas leiteiros tentaram fazer tudo sozinhos.
134 - Tudo isso aí sem falar no toyotismo das grandes empresas atuais: A capacidade coletiva de construir e administrar organizações e instituições eficazes é hoje muito mais importante do que os impulsos ou até mesmo dos talentos dos membros individuais de uma nação na determinação da sua prosperidade. Enfim, Chang, como capitalista utópico que é, cre que a saída é o empreendorismo coletivo.
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