Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo - Capítulos 12 e 13
Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo
Pgs. 105-112
"CAPÍTULO 12: "Os governos são capazes de fazer boas escolhas"
100 - Tentativas de desenvolvimento pela mão do Estado por volta dos anos sessenta: Na época, inúmeros países em desenvolvimento construíram rodovias que permaneceram vazias e siderúrgicas que só sobreviveram à custa de gigantescos subsídios do governo e proteção tarifária. Expressões como “elefante branco” ou “castelo no deserto” foram inventadas nesse período para descrever esses projetos.
101 - Conta que o plano da siderúrgica coreana parecia maluco em 1965. Na época, a Coreia era um dos países mais pobres do mundo, e sobrevivia baseada na exportação de recursos naturais (p. ex., peixe, minério de tungstênio) ou de produtos fabricados com mão de obra intensiva (p. ex., perucas feitas com cabelo humano, roupas baratas). (...) O que era ainda pior, a Coreia nem mesmo produzia as matérias-primas necessárias. A Suécia desenvolveu naturalmente uma indústria do ferro e do aço porque ela tem uma grande quantidade de depósitos de minério de ferro. A importação tinha que vir de muito longe. É compreensível que o governo coreano estivesse tendo dificuldade em convencer os possíveis doadores e financiadores das vantagens do seu plano, embora propusesse subsidiar a usina siderúrgica de todas as maneiras possíveis — infraestrutura gratuita (portos, rodovias, ferrovias), descontos tributários, depreciação acelerada dos bens de capital (para que a carga tributária fosse minimizada nos primeiros anos), tarifas de serviços públicos reduzidas e milhares de outras coisas. Por fim, um ex-militar sem tanta experiência seria o dirigente estatal da Posco. Naturalmente, o Banco Mundial recomendou aos outros possíveis doadores que não apoiassem o projeto, e cada um deles se retirou oficialmente da negociação em abril de 1969. Financiou-se com as indenizações japonesas pela guerra.
102 - ...Na década de 1990, era uma das principais siderúrgicas do mundo. Foi privatizada em 2001, não pelo seu mau desempenho e sim por razões políticas, e hoje é o quarto maior produtor de aço do mundo (em quantidade de produção).
103 - ...Curiosamente, muitos dos empreendimentos promovidos dessa maneira pelo governo se revelaram grandes exemplos de sucesso. Na década de 1960, o Grupo LG, o gigante da eletrônica, foi proibido pelo governo de ingressar na indústria têxtil que desejava e obrigado a entrar na indústria de cabos elétricos. Ironicamente, a empresa de cabos tornou-se a base do seu negócio em eletrônica, pelo qual a LG é hoje famosa (você saberia se tivesse desejado comprar o último modelo do celular Chocolate). Na década de 1970, o governo coreano exerceu uma enorme pressão sobre o Sr. Chung Ju-Yung, o lendário fundador do Grupo Hyundai, famoso pelo seu apetite por empreendimentos arriscados, para que fundasse uma empresa de construção naval. Dizem que até mesmo Chung hesitou inicialmente diante da ideia, mas cedeu quando o General Park Chung-Jee, o então ditador do país e mentor do milagre econômico da Coreia, ameaçou pessoalmente levar à falência o seu grupo empresarial. Hoje, a empresa de construção naval Hyundai é uma das maiores do mundo na sua especialidade. (...) A teoria nos diz que o capitalismo funciona melhor quando as pessoas têm liberdade para cuidar dos seus negócios sem nenhuma interferência do governo.
104 - ...Os governos seriam propensos a escolher perdedores. Eles provavelmente aprovarão projetos do tipo elefante branco que têm uma alta visibilidade e um simbolismo político, independentemente da sua viabilidade econômica. Os problemas seriam: metas erradas (prestígio em vez do lucro) e os incentivos errados (não arcar pessoalmente com as consequências das decisões tomadas). O próprio Chang cita exemplos famosos de fracasso, mesmo em países desenvolvidos (Ex: Concorde).
105 - ...Porém, a Coréia está longe de ser o único caso de sucesso. Não foram apenas os governos do Leste Asiático que fizeram boas escolhas. Na segunda metade do século XX, o governo de países como a França, a Finlândia, a Noruega e a Áustria moldaram e conduziram o desenvolvimento industrial com grande sucesso por meio da proteção, de subsídios e de investimentos de empresas estatais. Mesmo os EUA estão no bolo, coloca. As indústrias de computador, de semicondutores, de aeronaves, da internet e de biotecnologia foram desenvolvidas graças à P&D subsidiada pelo governo americano.
106 - Como o governo pode decidir melhor que o mercado? Uma maneira óbvia para um governo garantir o acesso a informações vantajosas é criar uma empresa estatal e administrá-la ele mesmo. Países como Cingapura, França, Áustria, Noruega e Finlândia recorreram intensamente a essa solução. Em segundo lugar, o governo pode exigir legalmente que empresas e indústrias que recebem apoio governamental informem regularmente alguns aspectos essenciais dos seus negócios. O governo coreano fez isso meticulosamente nos anos 1970.
107 - Há uns "métodos diferentões": Em um ponto intermediário entre os dois extremos da exigência legal e as redes pessoais, os japoneses desenvolveram os “conselhos deliberativos”, nos quais as autoridades do governo e os líderes empresariais trocam regularmente informações por meio de canais formais, na presença de observadores pertencentes a entidades externas como as do mundo acadêmico ou da mídia.
108 - Quando quiseram ingressar na indústria têxtil na década de 1960, os dirigentes da LG estavam fazendo a coisa certa para a sua empresa, mas ao obrigá-los a entrar na indústria de cabos elétricos, o que possibilitou que a LG se tornasse uma empresa de eletrônica, o governo coreano estava cuidando dos interesses nacionais da Coreia — e dos interesses da LG a longo prazo — de uma maneira melhor. Em outras palavras, o fato de o governo escolher vencedores pode prejudicar alguns interesses comerciais, mas pode produzir um resultado melhor a partir do ponto de vista social.
109 - Algumas tentativas do governo de escolher vencedores fracassaram até mesmo em países que são famosos pela sua competência nessa área, como o Japão, a França e a Coreia. (...) Nos anos 1960, o governo japonês tentou em vão promover a incorporação da Honda, que ele considerava pequena e fraca demais, pela Nissan, porém mais tarde foi constatado que a Honda era uma empresa muito mais bem-sucedida do que a Nissan. (...) Na realidade, exatamente da mesma maneira pela qual nem mesmo os governos que têm o melhor histórico de escolher vencedores conseguem fazer isso o tempo todo, nem mesmo as empresas mais bem-sucedidas tomam as decisões certas o tempo todo; pense no desastroso sistema Windows Vista da Microsoft (com o qual infelizmente estou escrevendo este livro) e o embaraçoso fracasso da Nokia com o aparelho de celular/console de video game N-Gage.
110 - O milagre taiwanês foi engendrado pelo Partido Nacionalista do governo, que fora sinônimo de corrupção e incompetência até ser forçado a se mudar para Taiwan depois de perder a China continental para os comunistas em 1949. Na década de 1950, o governo coreano era notoriamente incompetente em gestão econômica, a ponto de o país ser descrito como um poço sem fundo pela USAID, a agência de ajuda econômica do governo americano. No final do século XIX e início do século XX, o governo francês era famoso pela sua relutância e incapacidade em escolher vencedores, mas ele se tornou o campeão de escolhas acertadas na Europa depois da Segunda Guerra Mundial.
Pgs. 113-119
"CAPÍTULO 13: "Tornar as pessoas ricas mais ricas não faz com que todo mundo fique rico"
111 - Coloca que Stálin adotou as ideias industrializantes de Preobrazenskij - apropriação do superávit agrícola - após toda a marginalização do mesmo pelo próprio grupo stalinista-bukharinista. A curto prazo, isso refrearia os padrões de vida, especialmente dos camponeses, mas a longo prazo deixaria todo mundo em melhor situação, porque maximizaria os investimentos e, portanto, o crescimento potencial da economia. (...) As terras confiscadas aos kulaks foram transformadas em fazendas estatais (sovkhoz), enquanto os pequenos fazendeiros foram obrigados a ingressar em cooperativas ou fazendas coletivas (kolkhoz), com uma participação acionária nominal. (...) Stalin não seguiu exatamente as recomendações de Preobrazhensky. Na realidade ele foi brando na zona rural e não espremeu os camponeses ao máximo. Em vez disso, impôs salários mais baixos que o de subsistência aos operários industriais, o que por sua vez obrigou as mulheres urbanas a ingressar na força de trabalho industrial para assegurar a sobrevivência da família.
112 - ...Um colapso na produção agrícola se seguiu à expressiva redução do número de animais de tração, em parte por eles terem sidos mortos pelos próprios donos que previam um confisco e em parte devido à escassez de grãos para alimentá-los graças às remessas forçadas de grãos para as cidades. Esse colapso agrícola resultou na grave crise de inanição de 1932-1933 na qual milhões de pessoas pereceram. Chang coloca que, entretanto, a base industrial acabou sendo montada e permitiu a resistência na segunda guerra mundial. Diz mais: há semelhança entre o que Stálin fez e o que se defende, hoje, no liberalismo. (Aumentar a parcela dos "ricos/investidores" para gerar investimentos).
113 - Ao contrário dos economistas liberais de hoje, os economistas clássicos não viam a economia capitalista como sendo formada por pessoas. Eles acreditavam que as pessoas pertenciam a diferentes classes — capitalistas, trabalhadores e proprietários de terras — e se comportavam de uma maneira diferente de acordo com a sua classe. A mais importante diferença de comportamento interclasse era considerada como sendo o fato que os capitalistas investiam (praticamente) toda a sua renda ao passo que as outras classes — a classe trabalhadora e a classe dos proprietários de terra — a consumiam. Quanto aos proprietários, Ricardo criticava, mas Malthus defendia o consumo adicional que esses traziam.
114 - Início do sufrágio universal no Ocidente: ...a temida tributação excessiva dos ricos e a resultante destruição do capitalismo não aconteceu. Nas décadas que se seguiram à introdução do sufrágio universal masculino, a tributação sobre os ricos e os gastos sociais não aumentaram muito. Desse modo, afinal de contas, os pobres não eram tão impacientes. Seria uma coisa mais dos meados do Século XX.
115 - Anos noventa e contenção do bem-estar social: ...o seu crescimento tem sido moderado, apesar da pressão estrutural para o aumento dos gastos com o bem-estar social devido ao envelhecimento da população, o que aumenta a necessidade de pensões, auxílio-invalidez, cuidados com a saúde e outros gastos voltados para os idosos.
116 - Reformas liberalizantes nos anos oitenta: Houve redução tributária para os ricos — os impostos das faixas superiores de renda foram reduzidos. A desregulamentação financeira criou enormes oportunidades para ganhos especulativos bem como para contracheques astronômicos para os alto-executivos e financistas. A desregulamentação em outras áreas também possibilitou que as empresas tivessem lucros maiores, em grande parte porque elas tiveram mais liberdade para explorar os seus poderes de monopólio, poluir mais livremente o meio ambiente e demitir mais rapidamente os trabalhadores.
117 - Desigualdade no mundo: De acordo com o Relatório sobre o Mundo do Trabalho da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 2008, das vinte economias avançadas para as quais havia informações disponíveis, a desigualdade da renda cresceu em dezesseis países entre 1990 e 2000, e dos quatro restantes, apenas a Suíça experimentou uma queda significativa. (...) entre 1979 e 2006 (o último ano para o qual existem dados disponíveis), as pessoas cujos rendimentos estão incluídos na faixa de 1% mais elevada dos Estados Unidos mais do que duplicaram a sua parcela da renda nacional, indo de 10% para 22,9%. Aquelas cujos rendimentos estão na faixa superior de 0,1% tiveram um desempenho ainda melhor, aumentando a sua participação em mais de três vezes, de 3,5% em 1979 para 11,6% em 2006. Os executivos que provocaram a crise de 2008 agradecem. (...) A desigualdade da renda subiu nesse mesmo período em 41 do total de 65 países (países em desenvolvimento e países anteriormente socialistas) incluídos na pesquisa da OIT anteriormente mencionada. Embora a proporção de países que tenham experimentado uma crescente desigualdade entre eles tenha sido menor do que nos países ricos, muitos desses países já tinham uma desigualdade muito elevada, de modo que o impacto do aumento da desigualdade foi ainda pior do que nos países ricos.
118 - ...Apesar de todo esse esforço em prol dos ricos, a taxa de investimento não aumentou e o crescimento per capita até diminuiu (não traz dados, porém, sobre produtividade nem PTF, que são o que mais importa). Na realidade, apesar da crescente desigualdade desde a década de 1980, o investimento como um coeficiente da produção nacional caiu em todas as economias do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália, França e Canadá) e na maioria dos países em desenvolvimento. Pior: o pouco crescimento gerado não foi distribuído. Os 10% superiores da população americana se apossaram de 91% do crescimento da renda entre 1989 e 2006, enquanto o 1% superior se apropriou de 59%. Chang lembra que o efeito multiplicador é maior se o consumo a ser incentivado for o dos mais pobres e não o dos ricos. Sair de recessões e tal. Além disso, uma maior igualdade de renda poderá promover a paz social ao reduzir as greves industriais e a criminalidade, o que poderá, por sua vez, incentivar o investimento, já que reduz o perigo de distúrbios no processo de produção e, portanto, no processo de geração da riqueza.
119 - ...Ademais, o "gotejamento" para os mais pobres depende fortemente do Estado de Bem-Estar Social: ...antes dos impostos e transferências, a distribuição da renda é na realidade mais desigual na Bélgica e na Alemanha do que nos Estados Unidos, enquanto na Suécia e na Holanda ela é mais ou menos a mesma que nos Estados Unidos. Em outras palavras, precisamos da bomba elétrica do estado do bem-estar social para fazer com que a água que está em cima goteje para baixo (trickle-down) em uma quantidade significativa.
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