Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo - Capítulos 1 e 2
Livro: Ha-Joon Chang - 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo
Pgs. 1-15
"INTRODUÇÃO"
1 - Ficha do livro: 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo / Ha-Joo Chang; tradução Claudia Gerpe Duarte. — São Paulo : Cultrix, 2013.
2 - Começou meio errado já, com alarmismo exagerado: Na ocasião em que escrevo estas linhas (março de 2010), enquanto algumas pessoas declaram o final da recessão, uma recuperação constante não está de modo algum garantida. Na ausência de reformas financeiras, as estratégias monetárias e fiscais pouco rígidas conduziram a novas bolhas financeiras, enquanto a economia real está exaurida de dinheiro. Se essas bolhas estourarem, a economia global poderá cair em outra recessão (double-dip), [“duplo mergulho”, numa tradução livre].
3 - Coloca que, desde as políticas dos anos 70 em diante, houve crescimento lento e desigualdade mascarados pela expansão do crédito. Menciona "salários estagnados" desde então nos EUA (e isso é uma meia-verdade).
Pgs. 16-22
"CAPÍTULO 1: "Não existe algo como um livre mercado"
4 - O livre mercado não existe. Todo mercado tem algumas regras e limites que restringem a liberdade de escolha. (...) Não é possível definir objetivamente o quanto um mercado é “livre”. Essa é uma definição política.
5 - Mão-de-obra livre pra escolher já envolveu amplo trabalho infantil, por exemplo. A enorme controvérsia do início do Século XIX: Em 1819, um novo projeto de lei para regulamentar a mão de obra infantil entrou em pauta no Parlamento inglês. A regulamentação proposta era incrivelmente “leve” de acordo com os padrões atuais. Ela proibiria o trabalho de crianças pequenas, ou seja, aquelas com menos de 9 anos de idade. As crianças mais velhas (com idades entre 10 e 16 anos) continuariam a ter permissão para trabalhar, mas com as horas de trabalho restringidas a doze horas por dia (isso mesmo, eles estavam realmente sendo gentis com as crianças). As novas regras só se aplicavam às fábricas de algodão, que reconhecidamente eram extremamente perigosas para a saúde dos trabalhadores. (...) muitas pessoas respeitáveis achavam que a regulamentação do trabalho infantil contrariava os princípios do livre mercado. O mesmo para a regulação ambiental anos mais tarde.
6 - Chamam de livre-mercado porque as regras se tornam invisíveis: Os votos eleitorais, os empregos do governo e as decisões judiciais não estão à venda, pelo menos abertamente, nas economias modernas, embora estivessem à venda, no passado, na maioria dos países. As vagas nas universidades normalmente não podem ser vendidas, embora em alguns países o dinheiro possa comprá-las, seja pagando (ilegalmente) as pessoas que fazem a seleção ou (legalmente) por meio de doações em dinheiro à instituição. Muitos países proíbem o comércio de armas de fogo e de bebidas alcoólicas. Em geral, os medicamentos precisam ser explicitamente licenciados pelo governo, com base na prova da sua segurança, antes que possam ser comercializados. Todas essas regulamentações são potencialmente polêmicas, como era a proibição de vender seres humanos (o tráfico de escravos) há um século e meio. (...) Muitos países só permitem que empresas com um capital acima de um determinado valor fundem um banco. Até mesmo a bolsa de valores, cuja fraca regulamentação foi uma das causas da recessão global de 2008, tem regras a respeito de quem pode negociar. Leis de zoneamento... Vendas na rua... Tudo isso é regulado.
7 - A imigração é em grande medida definida pela política. Desse modo, se você tem alguma dúvida residual a respeito do papel substantivo que o governo desempenha no livre mercado da economia, faça uma pausa para refletir que todos os nossos salários são, em essência, politicamente determinados. Nos países desenvolvidos, haveria queda dos salários. Taxas de juros também são determinadas politicamente, afirma. Ainda mais em tempos de QE.
8 - O amplo direito do consumidor na Grã-Bretanha "chocou" Chang. Os donos de lojas coreanos da década de 1980 provavelmente teriam considerado a exigência da “devolução incondicional” como uma regulamentação do governo injustamente opressiva que restringia a liberdade do mercado.
9 - Até o início do século XX, a semana de trabalho típica nos Estados Unidos era de cerca de sessenta horas. Na época (em 1905, para ser mais exato), esse era um país no qual a Suprema Corte declarou inconstitucional uma lei do estado de Nova York que limitava a dez por dia as horas de trabalho dos padeiros, alegando que ela “privava o padeiro da liberdade de trabalhar o quanto desejasse”.
10 - Os 700 bilhões de dólares de 2008 para sanear ativos tóxicos foi chamado de "socialismo" por um líder republicano que disse que os EUA estavam virando a França. O Presidente Bush, contudo, não encarava as coisas exatamente dessa maneira. Ele argumentou que, em vez de “socialista”, o plano era simplesmente uma continuação do sistema americano do livre empreendimento, que “repousa na convicção de que o governo federal deve interferir no mercado somente quando necessário”.
11 - Os americanos travaram uma guerra civil por causa do livre comércio de escravos (embora o livre comércio de mercadorias — ou a questão das tarifas — também fosse uma questão importante). O governo britânico travou a Guerra do Ópio contra a China para obter o livre comércio do ópio.
Pgs. 23-31
"CAPÍTULO 2: "A gestão das empresas não deve estar voltada para o interesse dos seus donos"
12 - Coloca que a maximização do interesse do acionista não deve ser a pedra angular das gestões. Os acionistas podem ser os donos das corporações mas, sendo os mais instáveis dos stakeholders, com frequência são aqueles que menos se importam com o futuro a longo prazo da empresa (a não ser que sejam tão grandes que não possam realmente vender as ações sem abalar seriamente o negócio). (...) A gestão da empresa voltada para os acionistas não raro reduz o seu potencial de crescimento a longo prazo. (Creio que ele está tratando mais das sociedades anônimas aqui?)
13 - Antes da invenção da companhia de responsabilidade limitada na Europa no século XVI — ou sociedade por ações, como era conhecida nos seus primeiros dias — os empresários tinham que arriscar tudo quando iniciavam um empreendimento. Podia até ir pra prisão se não pagasse suas dívidas. (...) Mesmo depois da invenção da responsabilidade limitada, até meados do século XIX era muito difícil utilizá-la na prática; os interessados precisavam de uma carta real para fundar uma companhia de responsabilidade limitada (ou uma carta do governo, no caso de uma república). Ada,m Smith era contra as "ltda.", por exemplo. (...) os países normalmente só concediam a responsabilidade limitada para empreendimentos excepcionalmente grandes e arriscados considerados de interesse nacional, como a Companhia Holandesa das Índias Orientais fundada em 1602 (e a sua arqui-inimiga, a Companhia Britânica das Índias Orientais) e a notória Companhia Britânica dos Mares do Sul, cuja bolha especulativa que a cercou em 1721 conferiu durante gerações uma má reputação às companhias de responsabilidade limitada.
14 - A mudança veio muito em razão das novidades tecnológicas: Muito poucas pessoas tinham uma fortuna grande o bastante para fundar sozinha uma siderúrgica ou uma ferrovia, de modo que, começando pela Suécia em 1844 e em seguida pela Grã-Bretanha em 1856, os países da Europa Ocidental e da América do Norte tornaram a responsabilidade limitada disponível de um modo geral — predominantemente nas décadas de 1860 e 1870. (...) Entretanto, a desconfiança com relação à responsabilidade limitada perdurava. Ainda no final do século XIX, algumas décadas depois da introdução da responsabilidade limitada generalizada, os pequenos empresários na Grã-Bretanha “os quais, sendo ativamente responsáveis por um negócio e também os seus proprietários, buscavam limitar a responsabilidade para as suas dívidas por meio do recurso da incorporação [responsabilidade limitada]” eram malvistos, de acordo com uma historiografia influente do empreendedorismo na Europa Ocidental.
15 - "Curiosamente", Marx percebeu a importância da coisa antes que muitos capitalistas. A sociedade por ações era “o maior desenvolvimento da produção capitalista”. Todos os males do sistema eram "efeitos colaterais" do progresso. A "irresponsabilidade" dos gestores nesse tipo de sistema não se confirmou. Inicialmente, por isso: Como grande parte da empresa era deles, eles iriam prejudicar a si mesmos se tomassem uma decisão excessivamente arriscada. E depois vieram os gestores profissionais. Schumpeter via essa ascensão com inevitável. Os heroicos empresários do início do capitalismo seriam substituídos por administradores burocráticos profissionais.
16 - ...Surgia o problema dos "incentivos". Argumentou-se que os gestores profissionais deveriam ser remunerados de acordo com o montante que são capazes de fornecer aos acionistas. (...) A ideia foi defendida não apenas pelos acionistas, mas também por muitos gestores profissionais, sendo o mais famoso deles Jack Welch, que foi durante muito tempo presidente do conselho de administração da General Electric (GE), a quem com frequência é atribuído o mérito de ter criado o termo “valor do acionista” em um discurso proferido em 1981. (Chang observa que, recentemente, o mesmo Welch chamou isso de "ideia mais idiota do mundo").
17 - ...Os lucros distribuídos como uma parcela do lucro corporativo total dos Estados Unidos permaneceram em 35 a 45% entre as décadas de 1950 e 1970, mas adquiriram uma tendência ascendente a partir do final da década de 1970 e hoje estão em torno de 60%. (...) O investimento como uma parcela da produção nacional dos Estados Unidos na realidade diminuiu, em vez de aumentar, de 20,5% na década de 1980 para 18,7% a partir de então (1990-2009).
18 - Farra dos acionistas: William Lazonick, o economista de negócios americano, estima que, se a GM não tivesse gasto os 20,4 bilhões de dólares que gastou em recompras de ações entre 1986 e 2002, e tivesse colocado o dinheiro no banco (com um retorno anual de 2,5% após os impostos), ela não teria tido nenhum problema para conseguir os 35 bilhões de dólares de que precisava para evitar a falência em 2009.
19 - Tudo isso prejudica a perspectiva a longo prazo da empresa. Reduzir empregos pode aumentar a produtividade a curto prazo, mas pode ter consequências negativas a longo prazo. (...) a crescente insegurança, oriunda da constante ameaça de demissões, desestimula os trabalhadores, fazendo com que não desejem investir na aquisição de habilidades específicas ligadas à empresa, desgastando o potencial produtivo da empresa. Os acionistas muitas vezes querem saber mesmo é de lucro rápido para poderem trocar de posição acionária logo depois.
20 - "Soluções": Em muitos países, o governo tem permanecido dono de uma quantidade considerável de ações nos empreendimentos essenciais — quer de uma maneira direta (p. ex., a Renault na França, a Volkswagen na Alemanha), quer indireta, quando os donos são bancos estatais (p. ex., França e Coreia) — e atuado como um acionista estável. Direito de voto para classes de ações distintas também é outra política em alguns casos de arrecadação adicional de capital sem poluir os incentivos (mas o Novo Mercado não vem em tendência contrária?). Chang parece colocar muita fé nos "stakeholders" de longo prazo como forma de encoleirar o capitalismo. Faltou apresentar dados empíricos. Critica os EUA e elogia o modelo japonês (não anotei aqui), mas, na real, quem está com produtividade estagnada há décadas é o segundo, em que pese o exemplo dado da GM.
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