Livro: Fernando Carvalho ... and Sicsu - Economia Monetária e Financeira - Capítulo 23
Livro: Fernando Carvalho, Luiz Fernando De Paula and Joao Sicsu - Economia Monetária e Financeira (2007)
Pgs. 351-363
"CAPÍTULO 23: "REGIMES CAMBIAIS"
319 - No que segue, apresentaremos um leque de regimes cambiais relevantes, começando pelos dois tipos puros extremos: a flutuação pura e a paridade fixa imutável.
320 - Terminologia: uma elevação da taxa de câmbio corresponde a um aumento do preço da moeda estrangeira e, portanto, a uma desvalorização da moeda doméstica.
321 - Começam simulando que ninguém usa dólar da vida como reserva de valor. Os agentes econômicos só compram dólares para fazer pagamentos ao exterior – por exemplo, para importar um bem ou serviço. Tudo se restringe a demanda por importações de bens e serviços e de remessas financeiras ao exterior para fins de amortizações de dívidas etc. Usa "E" para taxa de câmbio (deve ser de "exchange"). Exemplo utilizado: Admitamos, por exemplo, que uma redução na tarifa de importações tenha provocado um deslocamento de DUS$ para a direita, conforme ilustrado na Figura 23.1, pela passagem de D0 US$ para D1 US$. Isto provocaria um excesso da demanda sobre a oferta de moeda estrangeira igual a OM2 US$ – OM0 US$. A pressão do excesso de demanda acabaria por levar a um aumento da taxa de câmbio de E0 para E1, e da quantidade de moeda estrangeira demandada e ofertada para M1 US$.
322 - ...Note que ao fazermos a oferta e a demanda de divisas depender apenas da taxa de câmbio, consideramos como invariáveis um conjunto de fatores – tais como o nível da demanda doméstica, as tarifas e subsídios, a produtividade, as taxas de juros domésticas etc. – que estão, no mundo real, mudando a todo instante. Na representação da Figura 23.1, mudanças nessas variáveis seriam responsáveis por deslocamentos de uma ou de ambas as curvas.
323 - Em certo sentido, portanto, num regime de flutuação pura não há desequilíbrio – se não que apenas latente – do balanço de pagamentos. (...) A segunda característica é que, na medida em que o Banco Central não intervém no mercado, ele não precisa dispor de reservas internacionais. No regime de câmbio fixo, é tudo ao contrário.
324 - Câmbio fixo e ajustamento dos desequilíbrios externos: ...o ajustamento deveria ocorrer fundamentalmente pelo primeiro caminho (forçar de algum jeito a redução da demanda doméstica e/ou incentivar exportações), exceto no caso de uma economia dotada de alta flexibilidade de preços e salários. Neste último caso, reduções de preços e salários nos setores produtores de bens transacionáveis também poderiam constituir um caminho de correção de um déficit no balanço de pagamentos.
325 - Casos intermediários: Entre estes podemos distinguir os regimes de câmbio fixo ajustável, o de crawling peg (ou regime de minidesvalorizações), as bandas cambiais, o sistema de zonas-alvo e a flutuação suja sem metas cambiais.
326 - Entre as experiências de câmbio fixo com propósito permanente, podemos destacar o padrão-ouro internacional (1873-1913; 1925-1931) e os experimentos de conselho da moeda (currency board) em países como Argentina (desde 1991), Hong Kong (desde 1983) e Estônia (desde 1993). Mais recentemente temos o caso da criação do euro, resultado de uma união monetária, em 1999, através do estabelecimento de paridades irrevogáveis entre 11 moedas europeias.
327 - ...Colocam que a estabilidade cambial do primeiro padrão-ouro ajudou bastante no comércio internacional. Entretanto, a tentativa de reedição da experiência do padrão-ouro nos anos 20 foi entretanto malsucedida, tendo sido particularmente traumática para a Inglaterra, que sofreu um forte processo recessivo na segunda metade da década e acabou por abandonar aquele regime, pondo fim à ordem monetária até então por ela defendida, a partir de 1931. Culpam o seguinte problema: ...Na ausência de convergência das políticas macroeconômicas, os países poderiam ter taxas de inflação muito diferentes, o que levaria a uma perda de competitividade daqueles cujos preços subissem a um ritmo mais elevado. Políticas de juros muito distintas também melaria tudo.
328 - No currency board, o balanço de pagamentos é rei. Determina qual será a ação do BC passivo: comprar ou vender moeda estrangeira. Três regras principais caracterizam os regimes baseados em conselhos da moeda: a paridade fixa permanente entre a moeda nacional e uma moeda estrangeira (em geral, o dólar ou o marco alemão), a constituição prévia de um lastro em divisas para o estoque da base monetária e a determinação de que o Banco Central só pode emitir moeda para comprar reservas internacionais (o que garante a manutenção do lastro).
329 - Importação de credibilidade: No caso mais extremo, pode-se evoluir para a dolarização, por meio da substituição completa da moeda doméstica pela moeda estrangeira, como se verificou no Equador no ano 2000. Perdem, porém, a política monetária e cambial independente.
330 - A paridade fixa argentina implicava uma apreciação real da moeda local em razão dos diferenciais de inflação, o que gerava desequilíbrios externos, demandando reservas.
331 - Ademais, um movimento cambial bom para o momento dos EUA podia ser ruim para o momento argentino (às vezes até por políticas fiscais diferentes, creio, vide os EUA superavitários fiscais da Era Clinton): Como a moeda Argentina estava atrelada ao dólar mediante uma paridade fixa de 1 para1, sofreu uma forte apreciação diante das moedas europeias e ao iene nos anos de 1998-99 – exatamente num período em que a Argentina estava incorrendo em elevados déficits comerciais, que exigiam a desvalorização cambial como mecanismo de correção, conforme mostra o Gráfico 23.1.
332 - Antes de adotar um currency, é bom prestar atenção às heterogeneidades entre as economias: Os países europeus que em janeiro de 1999 aderiram à moeda comum – o euro – começaram alguns anos antes um processo de harmonização de suas políticas cambiais, monetárias e fiscais, e para isso estabeleceram, no âmbito do Tratado de Maastricht, de dezembro de 1991, metas comuns a serem atingidas em termos de déficits, dívidas públicas e taxas de inflação. Ademais, os ganhos no aumento da circulação sem custos no caso europeu era um fator positivo significativo na conta. A unificação poderia trazer ganhos de produtividade.
333 - Milton Friedman: o câmbio (livre) reflete os fundamentos da economia. Assim, uma apreciação cambial resultaria seja de uma expansão monetária mais lenta do que a do resto do mundo, seja de uma elevação da produtividade acima da dos parceiros comerciais. Em ambos os casos, a mudança cambial seria bem-vinda por promover uma adaptação necessária à nova situação. (...) A experiência mundial com a flutuação mostrou um quadro bem diferente do antevisto por Friedman, embora também não tenha confirmado as previsões mais pessimistas de seus opositores. Não foi um balé, mas também não foi um caos. A especulação da liberdade cambial não estabilizou tanto quanto Friedman dizia. Citam os anos 80, mas não foram os únicos problemáticos... A década de 1990 também mostrou grandes mudanças cambiais, dificilmente justificáveis por fundamentos econômicos.
334 - A volatilidade alta exigiu momentos de coordenação. Os principais acordos neste sentido foram o acordo do Plaza, em 1985, para promover a queda do dólar, e o do Louvre, em 1987, para deter a queda do dólar.
335 - Alguns criticam os regimes intermediários. Seriam os mais sujeitos a ataques especulativos.
336 - As principais características da ordem de Bretton Woods foram: padrão-dólar, com todas as moedas mantendo uma paridade fixa com a moeda norte-americana, e esta com o ouro. A defesa das paridades pelos bancos centrais era feita mediante a compra e venda de moeda nacional com dólares. Os Estados Unidos (e também a Grã-Bretanha) intervinham no mercado privado de ouro (até 1968) para manter a cotação do dólar em ouro no nível da paridade oficial. Os bancos centrais do mundo podiam, além disso, solicitar ao governo dos Estados Unidos a conversão de seus estoques de dólar em ouro. O câmbio era fixo, porém ajustável. Assim o ajustamento de balanços de pagamentos poderia ser feito por desvalorizações cambiais (acertadas com o FMI, sempre que superassem 10%) quando os desequilíbrios fossem considerados fundamentais, isto é, quando não pudessem ser corrigidos por intermédio das demais políticas macroeconômicas, sem um afastamento importante e permanente do equilíbrio interno. As reservas e empréstimos do FMI seriam usados para financiar desequilíbrios temporários.
337 - ...A decisão do presidente Nixon de suprimir a conversibilidade oficial do dólar em ouro marcou o fim da era de Bretton Woods. Depois de uma transição curta (agosto de 1971 ao início de 1973) em que a ordem monetária anterior foi substituída por um padrão-dólar não-ancorado no ouro, as relações monetárias internacionais passaram a se basear num regime de flutuação cambial, ora pura, ora (mais frequentemente) suja.
338 - Sistema de minidesvalorizações cambiais: ...por trás de um mesmo sistema formal de pequenas desvalorizações periódicas, podem se encontrar dois tipos de política cambial bastante distintos. O primeiro deles corresponde às minidesvalorizações passivas, em que as mudanças na taxa de câmbio, por parte das autoridades, apenas refletem, passivamente, a inflação passada. Neste caso, o objetivo da política é apenas acomodar o câmbio de forma a permitir uma convivência pacífica da economia com a inflação alta. O segundo caso corresponde ao sistema de minidesvalorizações ativas, em que variações da taxa de câmbio em geral se dão por magnitudes constantes, desvinculadas da inflação passada. O objetivo desta política é usar a taxa de câmbio como uma âncora para a estabilização progressiva dos preços domésticos. Para tanto, pode-se adotar o procedimento de fazer um anúncio explícito das desvalorizações futuras (como, por exemplo, as tablitas empregadas nos países do Cone Sul, em finais da década de 1970 e início da de 1980) ou simplesmente fazer a política sem anunciá-la, como no caso brasileiro de 1996 a 1998.
339 - Bandas de flutuação é um passo além na flexibilidade: Nele, o Banco Central tem obrigação de intervir apenas quando a taxa de mercado atinge as extremidades da banda.
340 - ...Uma experiência importante com o regime de bandas foi a do Sistema Monetário Europeu antes da introdução do euro. Quando o SME foi criado, em 1979, as bandas eram relativamente estreitas – de 2,25% para cima e para baixo (sendo a paridade central ajustável) – exceto para a Itália e para os dois países que aderiram tardiamente – a Inglaterra e a Espanha – com uma banda de 6% para cima e para baixo. Depois da crise cambial que atingiu o SME em 1992, decidiu-se elevar (em 1993) a amplitude das bandas para 15%, tanto no sentido ascendente quanto descendente, ou seja, o intervalo de flutuação subiu para 30%, o que contribuiu para evitar novos ataques especulativos. A experiência é consistente com a hipótese de que quanto mais ampla a banda, menores os riscos de ataques especulativos. É verdade, contudo, que à medida que a amplitude da banda cresce, mais este sistema perde sua identidade como arranjo intermediário e mais se assemelha à flutuação propriamente dita.
.
Comentários
Postar um comentário