Livro: Fernando Carvalho ... and Sicsu - Economia Monetária e Financeira - Capítulo 22

                                                                                                                                     

Livro: Fernando Carvalho, Luiz Fernando De Paula and Joao Sicsu - Economia Monetária e Financeira (2007)



Pgs. 328-350


"CAPÍTULO 22: "INVESTIMENTO, POUPANÇA E FINANCIAMENTO"


293 - Neste capítulo analisamos duas teorias alternativas do financiamento. A primeira, de cunho neoclássico, é a teoria dos fundos emprestáveis. A essa teoria agregou-se recentemente a hipótese de mercados eficientes gerando o que poderíamos chamar visão convencional sobre a problemática do financiamento. A segunda teoria tem como origem o circuito financiamento-investimento-poupança-funding, uma estilização do processo de financiamento do investimento inicialmente desenvolvido por Keynes, e mais recentemente retomada pelos economistas pós-keynesianos.


294 - Taxa de juros e primórdios da teoria dos fundos emprestáveis (é algo simples em palavras e termos chatos): Como por hipótese todos os bens possuem utilidade marginal decrescente, o aumento da poupança hoje simultaneamente eleva a utilidade de consumir hoje (pois aumenta a escassez hoje) e reduz a utilidade de consumir amanhã (pois reduz a escassez no futuro). Neste sentido, o preço futuro demandado pelo poupador, e portanto a taxa de juros relevante ao poupador, deve inexoravelmente aumentar para estimular o aumento da oferta de poupança ou de capital.


295 - Nesse modelo neoclássico, a taxa de juros equilibraria poupança (s) e investimento (i):



296 - ...Neste ponto (o ponto E), a taxa de juros paga aos poupadores é idêntica à produtividade marginal do capital. Senão faria sentido investir um tanto mais ou um tanto menos em capital (papel) ou em produção de bens.



297 - Bancos e moedas precisam entrar no modelo neoclássico, daí surge Wicksell e a real teoria dos fundos emprestáveis.



298 - ...Depósitos e títulos de dívida ali em Famílias. A principal inovação, ao que entendi, é que não se trata mais apenas de preferências intertemporais dos poupadores: Contrariamente à versão do mercado de capitais apresentada na seção 22.1, os bancos podem interferir na quantidade de fundos emprestáveis disponíveis para o investimento, na medida em que podem criar depósitos e comprar ofertas excedentes de títulos financeiros.


299 - Aumento da taxa de juros não necessariamente deprime a demanda agregada. Pode ser resultado de um processo natural de aumento da rentabilidade dos investimentos em capital (revoluções tecnológicas, por exemplo): A contrapartida macroeconômica desse processo é fácil de ser compreendida: como o aumento de poupança (ΔS = S1 – S2) é idêntico à queda do consumo (ΔC = S1 – S2), o aumento da demanda agregada resultante do crescimento do investimento é compensado pela queda do consumo agregado. A demanda agregada nominal portanto não se modifica.



300 - ...E abaixo como a expansão de depósitos pode mudar a coisa...:



301 - ...Ao contrário da situação anterior, o crescimento do investimento não é compensado pela queda do consumo. ...Isto implica uma expansão da demanda agregada equivalente à diferença entre o investimento realizado e a poupança voluntária. O resultado seria, para Wicksell, um desequilíbrio permanente que levaria à retroalimentação da inflação: ...A parcela do produto disponível para consumo se reduzirá, gerando uma expansão dos preços à vista dos bens de consumo. No processo, a rentabilidade esperada dos bens de capital (seu preço futuro) tende a se elevar, na medida em que o retorno esperado do capital é fortemente influenciado pelas oscilações de preços à vista dos bens de consumo. Assim, o investimento tenderia a manter-se elevado, reproduzindo o excesso de demanda agregada em todo o período, enquanto prevalecer a diferença positiva entre taxa natural de juros e taxa de juros de mercado. (...) Tem tudo a ver com a chamada "hipótese da poupança prévia".


302 - ...A diferença entre o consumo desejado das famílias, em termos de bens, e o seu consumo efetivo representa o que Wicksell denominou poupança forçada.


303 - Outros autores alteram para possibilidades de falhas na intermediação: ...no modelo de Gurley e Shaw, a inexistência de instituições e mercados especializados na negociação de títulos financeiros com distintos vencimentos poderia gerar problemas na intermediação de poupança – ou seja, um nível de poupança e investimento inferior ao potencial. Isto significa que a eficiência do sistema financeiro passa também a ser condicionada ao desenvolvimento de instituições apropriadas para que os poupadores possam exercer sua demanda por diversificação, e para que os investidores possam ter acesso a fontes de financiamento de acordo com suas necessidades. Para estes autores, a falta de desenvolvimento financeiro seria um importante empecilho para o desenvolvimento econômico.


304 - ...Entretanto, a falha que costuma estar em foco (até por ser um problema mais geral, pegando mesmo mercados bem desenvolvidos) é a assimetria da informação (não as instituições). Pode gerar graves problemas: ...os emprestadores (diretos ou intermediários) têm dificuldades em discernir entre bons projetos (por exemplo, projetos de investimento rentáveis e com baixo risco de inadimplência) e maus projetos. Seleção adversa e risco moral surgem desses problemas...


305 - ...Para evitar os problemas advindos de seleção adversa e risco moral, a solução racional do emprestador é impor taxas de juros menores do que seria a taxa de juros de equilíbrio no mercado de capital e racionar crédito. Além de gerar um problema de distorção alocativa, também resulta em uma oferta de crédito menor do que a potencial.


306 - Keynesianos ("Circuito Financiamento-Investimento-Poupança-Funding") vs. Neoclássicos: Dentre os principais pontos a serem destacados nesta hierarquia, temos: (a) bancos, e não os poupadores, são fundamentais na determinação da oferta agregada de fontes de financiamento do investimento e, portanto, na transição entre uma escala mais baixa e uma mais alta de atividade; (b) a poupança é um resultado do processo de investimento, e não um pré-requisito para o investimento; (c) a alocação das poupanças geradas no processo de multiplicação da renda é importante no processo de administração dos problemas resultantes do crescente descasamento de vencimentos ao longo do crescimento econômico; e (d) é a preferência pela liquidez dos bancos e dos aplicadores em títulos, não a preferência intertemporal dos consumidores, que determina o volume e os prazos do financiamento do investimento.


307 - ...O processo multiplicador gera uma expansão do consumo agregado, e ceteris paribus do lucro das empresas – parte do qual pode ser utilizado para repagar empréstimos junto as bancos.


308 - Empréstimos/financiamentos e os diferentes vencimentos: Ao financiar a aquisição de um ativo de médio e longo prazos, tantos os bancos comerciais quanto os investidores produtivos estarão expostos aos riscos inerentes ao descasamento de vencimentos: caso os bancos possuam empréstimos de longo prazo (e captem, como de regra, a prazos mais reduzidos), estarão expostos, além de obviamente ao risco de inadimplência ou default, ao risco de liquidez e de juros; caso financiem a curto prazo, serão os investidores produtivos que estarão sujeitos a rolagens contínuas de seus financiamentos de curto prazo, estando portanto sujeitos a risco de taxas de juros (o que por sua vez amplia o risco de default para os bancos).


309 - ...Bancos e vulnerabilidade em tal contexto: ...Tal vulnerabilidade é tão maior quanto menor for o tamanho e profundidade de mercados interbancários e de títulos. Por exemplo, inexistindo um mercado interbancário amplo e/ou um mercado para títulos lastreados em empréstimos securitizados (securitização secundária), é praticamente nula a liquidez dos empréstimos em carteira dos bancos – o que torna central a janela de redesconto do Banco Central para evitar problemas de liquidez por parte dos bancos. O problema é que envolvem certo caráter punitivo (pesa no bolso do banco). 


310 - Assim, em períodos de forte investimento, o banco pode ofertar muito empréstimo de longo prazo e ampliar o descasamento de maturidades entre ativos e passivo, digamos assim, o que é um perigo. Bancos começarão a ficar mais restritivos antes que "dê merda". Passam a se incomodar com a própria alavancagem. Portanto, no caso de economias em crescimento, em que o financiamento se baseia em crédito bancário, o racionamento de crédito se dá não somente porque há assimetria de informações, mas também por ... outros motivos. Outro exemplo: ...os dados necessários para a análise de crédito não estão disponíveis aos bancos – como é o caso de novos clientes. (que o período de otimismo traz...). Acaba havendo certo racionamento de crédito. Este racionamento tende a favorecer empresas já consolidadas com garantias reais de valor mais elevado. Isto, por sua vez, pode implicar a exclusão de empresas novas e/ou pequenas e/ou projetos de investimento com retornos excessivamente longo e/ou incertos.


311 - A funcionalidade dos mercados de capitais no crescimento econômico está, portanto, associada, em grande medida, ao tamanho e desenvolvimento dos mercados primários – onde os ativos são emitidos e portanto os capitalistas podem obter funding. Por sua vez, o tamanho dos mercados primários está, em grande medida, associado ao grau de organização e volume de transações nos mercados secundários – já que estes possibilitam ao emissor a possibilidade de colocação de títulos com custos menores, e ao investidor (financeiro) a liquidez que mitiga o risco de perdas de capital. A existência de negociação diária em volumes significativos é fundamental para a liquidez dos mercados secundários, o que por sua vez requer uma ativa participação de investidores de curto prazo (especuladores).


312 - Colocam que Keynes deu bastante atenção à escolha entre ativos (moeda, bens de capital ou títulos/ações) e pouca à escolha de passivos. O tipo de financiamento. Como alguns ativos possuem receitas mais incertas, é importante sincronizar as coisas. Ter reservas. Daí a distinção que Minsky fará entre hedgers, mais precavidos nesse sentido, e especuladores, que arriscam mais visando maior retorno. Uma postura especulativa mais extrema é chamada por Minsky de “Ponzi”. O cara espera um refinanciamento contínuo e crescente pra pagar os anteriores. Finalmente, Minsky se vale dessa classificação de posturas para criar uma teoria das flutuações econômicas. Quanto maior for a predominância de agentes com balanços de especuladores e/ou Ponzi, mais frágil financeiramente esta economia será.


313 - Os dois lados da coisa: Se a existência de especuladores é essencial ao mercado, são os investidores (individuais e, principalmente, institucionais) de longo prazo que representam a “âncora” do mercado, que evitam volatilidade excessiva nos mercados. Um mercado onde a atividade de especulação de curto prazo predomina tende a inibir a atuação de investidores institucionais – especialmente aqueles mais avessos ao risco de capital, como por exemplo fundos de pensão e seguradoras.


314 - EUA, expansão das ferrovias e mercado de capitais: Além do fato de serem grandes empresas as emitentes iniciais, a economia norte-americana do século XIX possuía uma distribuição de renda melhor do que a maioria das economias em desenvolvimento contemporâneas. Some-se a isto o crescimento relativamente acelerado da economia, e temos um crescimento significativo e sustentado da demanda por ativos emitidos nestes mercados de capitais.


315 - Diferenças do modelo institucional de funding alemão em relação ao "anglo-saxão": No caso alemão, por questões culturais e históricas, a regulamentação da atividade financeira voltou-se, sempre, para o objetivo de propiciar condições de financiamento para o rápido crescimento econômico, ou mesmo reconstrução, nos períodos pós-guerras. Nessas condições, a atuação das instituições bancárias em qualquer área jamais foi vetada. Ao contrário, até a atuação dos bancos no setor não financeiro, através de participações ou mesmo do controle acionário, era – e ainda é – explicitamente permitida pelas autoridades locais. Essa regulamentação explica, em grande parte, a tendência do sistema financeiro alemão à concentração (nos dois sentidos acima mencionados) e à conglomeração, isto é, à formação de grandes corporações, lideradas por bancos universais, atuantes em diversos setores da economia. (...) O economista John Zysman, por exemplo, afirmou que sistemas tão distintos quanto o norte-americano – com base em mercados de capitais – e o alemão – com base em crédito – foram igualmente funcionais no crescimento destas economias no pós-guerra.


316 - A existência de investidores institucionais não só facilita a existência de mercados de capitais robustos, ela também estimula o aumento da profundidade e eficiência dos mercados de capitais. Isso, porém, não induz por si só a um crescimento da oferta de fundos de empréstimos para o financiamento do investimento. Este crescimento continua atrelado especialmente à renda e à capacidade de poupar das famílias e das empresas.


317 - Descasamento de ativos: a existência de mercados organizados de títulos de longo prazo (mercados de capitais, por exemplo) e investidores institucionais com perfil de aplicação de longo prazo poderia mitigar tal problema de descasamento de ativos. (...) Não é por questão distinta que na maioria das economias onde os mercados de capitais são pequenos, o financiamento do investimento se dá através de instituições bancárias universais capazes de captar recursos de longo prazo (o caso dos bancos universais alemães, por exemplo) ou de bancos públicos que utilizam funding com recursos fiscais ou parafiscais (no caso da maioria das economias em desenvolvimento). Estas são formas alternativas de evitar os problemas de descasamento de vencimentos que podem restringir a expansão dos financiamento de longo prazo no crescimento econômico. (Ou incentivar né? Pareceu fatalista quanto às falhas de governo)


318 - Qual será a alocação da poupança do país se torna uma questão importante: Quando a poupança é alocada em títulos de longo prazo de empresas, estas podem transformar seus passivos de curto prazo em ativos de longo prazo, repagando suas dívidas junto aos bancos. Da mesma forma que a expansão da oferta de financiamento amplia a vulnerabilidade financeira de bancos financiadores e empresas inversoras, o funding a reduz. (...) Esta alocação, por sua vez, depende em grande medida da existência de instituições especializadas em administração de risco (gerado por problemas de descasamento de vencimentos) e mercados especializados em títulos financeiros com distintos prazos. Neste sentido, a análise keynesiana ressalta a importância do contorno institucional através do qual o circuito financiamento-poupança-funding se realiza, e o fato de que o subdesenvolvimento de mecanismos de financiamento adequado pode gerar níveis de investimento e, consequentemente, poupança baixos, e um crescimento econômico financeiramente frágil.


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