Livro: Fernando Carvalho ... and Sicsu - Economia Monetária e Financeira - Capítulo 24

                                                                                                                                        

Livro: Fernando Carvalho, Luiz Fernando De Paula and Joao Sicsu - Economia Monetária e Financeira (2007)



Pgs. 364-382


"CAPÍTULO 24: "MOEDA, CÂMBIO E POLÍTICA ECONÔMICA EM UMA ECONOMIA ABERTA"


341 - BP (balanço de pagamentos) = soma do saldo em transações correntes (TC) com o saldo da conta de capital (K) na economia. O saldo global do balanço de pagamentos é igual à variação das reservas (R).


342 -  Ao comprar moeda estrangeira no mercado, para incorporar às suas reservas, o Banco Central entrega moeda doméstica em pagamento – e toda vez que moeda doméstica sai dos cofres (ou das contas) do Banco Central para o público, há uma expansão da base monetária. Por outro lado, sempre que o Banco Central vende dólares no mercado de câmbio, ele está retirando moeda doméstica de circulação e, portanto, está havendo uma contração da base monetária.


343 - ...No que se refere ao passivo, as fontes de recursos são agrupadas em duas categorias: a base monetária (B), que corresponde à criação primária de moeda pelo Banco Central e os recursos não monetários (RNM), que englobam, grosso modo, os empréstimos tomados pelo Banco Central no país (por exemplo, via colocação de títulos de emissão própria) e no exterior. Quanto às contas do ativo, por força de sua função legal, o Banco Central emprega seus recursos de duas maneira básicas: na compra de moeda estrangeira (reservas internacionais, RR$) e na concessão de crédito doméstico (CD), seja ao governo (carteira de títulos do Tesouro), seja ao setor financeiro (redesconto e outros empréstimos às instituições financeiras).


344 - A variação da base monetária será a variação das reservas mais a variação do crédito doméstico líquido (CDL, o que o BC "emprestou" menos o que ele tomou de empréstimo por aí...). A variação do CDL, que é uma variável exógena ao sistema econômico, na medida em que depende de uma decisão da autoridade monetária sobre o volume de crédito por ela concedido.


345 - Transações correntes (TC): é usual destacar três variáveis explicativas principais: a taxa de câmbio real, o nível de renda interno e o nível de renda (ou a demanda) mundial.


346 - Sobre as importações, serão determinantes, além da taxa de câmbio, o nível de renda interno e a propensão a importar.


347 - Começam a análise pelas economias sem mobilidade de capital (ou quase sem), como foi o caso para grande parte das economias entre as décadas de 1930 e 1950 e para boa parte da América Latina ao longo de quase toda a década de 1980, quando a região sofreu a chamada “crise da dívida externa”.


348 - ...Câmbio fixo: Não havendo financiamento externo, ou bem as transações correntes estarão equilibradas, ou bem as reservas estarão variando (ver equação 1). Um déficit persistente na BP seria fatal em algum prazo.


349 - Equilíbrio externo (do câmbio): Na representação do modelo IS/LM/BP da Figura 24.1, a reta vertical BP corresponde ao nível de renda YEE para o qual as transações correntes do balanço de pagamentos estão em equilíbrio:



350 - ...O movimento ali no gráfico: ...como as transações correntes variam inversamente com o produto e a renda (dado que expansão do produto leva a um aumento das importações), para qualquer nível de equilíbrio da renda situado fora da reta BP, haverá desequilíbrio externo. (Acho que está pressupondo aqui que o aumento de renda não se deu em razão de aumento das exportações...)


351 - Nesse esquema, política monetária expansionista, por exemplo, se torna inútil. Mantendo o câmbio fixo, o BC terá que comprar moeda local devido a maior demanda por importações. Assim, irá deteriorar reservas ao mesmo tempo em que retira moeda local de circulação - o que implica aumento dos juros, o que leva à retração - podendo anular o efeito da expansão inicial. Ao final do processo, a tentativa de estimular a economia com a política monetária terá se mostrado inócua, deixando apenas, como saldo, um nível de reservas internacionais mais baixo do que no início.


352 - ...Solução? Para que o crescimento inicial dos níveis de renda e emprego, associados à política monetária expansionista, fosse mantido, seria necessário que o Banco Central realizasse uma política de esterilização dos efeitos monetários do balanço de pagamentos. Ou seja, para que o nível da renda de equilíbrio fosse mantido em Q, o Banco Central deveria expandir o crédito doméstico líquido para compensar os efeitos da redução das reservas sobre a base monetária. Isto poderia ser feito, por exemplo, com uma injeção de moeda na economia por meio da compra de títulos públicos em poder do mercado, no montante equivalente à retirada de moeda realizada por ocasião da venda das divisas ao público. Porém, as reservas continuarão secando...


353 - ...Assim sendo, o uso desse tipo de política poderia ser, quando muito, transitório, e mais cedo ou mais tarde a economia retornaria à situação original de equilíbrio nos três mercados (de bens, monetário e de câmbio) representado pelo ponto P.


354 - Na situação reversa, a política monetária contracionista, com a consequente esterilização, gera acúmulo de reservas. Pode se manter no longo prazo. O problema neste caso é que equilíbrio interno (pleno emprego e fechamento do hiato não razoável) e externo podem nunca casar. O jeito seria mexer no câmbio! O efeito de uma desvalorização cambial seria, tudo o mais constante (inclusive a renda), promover um aumento das exportações e uma redução das importações, levando assim a um deslocamento para a direita da reta BP (ver equação 5). (...) A desvalorização da taxa de câmbio, ao promover uma expansão do componente externo da demanda agregada (X–M), faz também com que a reta IS se desloque para a direita, porém menos do que a BP. No novo ponto de equilíbrio (Q), haverá um superávit do balanço de pagamentos, resultando num aumento de reservas e, portanto, na expansão da base monetária. Com isso, a reta LM se deslocará para a direita, até que um novo equilíbrio seja alcançado no ponto R. Neste ponto terá sido alcançado o equilíbrio nos três mercados, no nível do pleno emprego.



355 - Câmbio fixo sem mobilidade de capitais: a política fiscal também fica "presa/condicionada". Padece dos mesmos problemas apontados para a eficácia da política monetária.


356 - Nos modelos de câmbio de flutuação livre não há nada disso. Política monetária e fiscal são eficazes, levando a "meros" ajustamentos de mercado da taxa de câmbio. O BP se equilibra "automaticamente", digamos, depois de algum tempo.


357 - Passam a analisar modelo com mobilidade perfeita de capitais (situação que é referida frequentemente como correspondendo ao modelo Mundell-Fleming propriamente dito)A curva representativa do equilíbrio do balanço de pagamentos em uma economia com perfeita mobilidade de capitais é uma reta horizontal, ao nível da taxa de juros internacional (i*), conforme mostra a Figura 24.4 a seguir. A razão deste formato é que, com mobilidade plena de capitais, o balanço de pagamentos tem uma sensibilidade infinita em relação à diferença entre os retornos oferecidos pelos ativos financeiros internos e externos.



358 - No regime de câmbio fixo e mobilidade, a política monetária também fica amarrada. Os juros caem abaixo do "nível internacional" e os capitais "fogem", pressionando os juros a voltarem pro equilíbrio. Com a negativa do BC a fazer isso, as reservas vão secando até que a "chantagem" funcione. A economia também não seria estimulada nessa hipótese expansionista, pois a fuga de capitais levaria à contração da base monetária (podendo anular o efeito inicial), já que o BC, no câmbio fixo, tem que comprar com moeda local os dólares que o "pessoal fujão" demanda. Poderia tentar esterilizar, mas a secagem de reservas seria ainda mais "fulminante". ...Ao final do processo, o saldo deixado pela tentativa frustrada de estimular a economia via política monetária teria sido a redução do estoque de reservas internacionais em mãos do Banco Central.


359 - ...Na real, as esterilizações, em qualquer dos sentidos, nessa conjuntura aí é ainda mais impossível. Não interrompe os vazamentos, já que a conta capital adiciona descontrole.


360 - Robert Mundell usou a expressão “trindade impossível” para se referir a essa implicação do modelo que leva seu nome, a saber: o fato de que não é possível conciliar perfeita mobilidade de capitais com a adoção de uma taxa de câmbio fixa e políticas monetárias independentes. (...) Ou bem se abre mão da autonomia no uso da política monetária doméstica, aceitando que a taxa de juros do país simplesmente siga a internacional, ou se restringe a mobilidade de capitais, para que se possa usar políticas de esterilização com alguma eficácia (pelo menos no curto prazo) ou, finalmente, mantém-se a livre mobilidade dos capitais e pratica-se uma política monetária independente, mas adota-se o câmbio flutuante. Colocam que por isso que Bretton Woods estava fadado a fracassar. Queriam as três coisas.


361 - A tentativa de preservar a autonomia da política monetária no contexto da economia globalizada, e respeitadas as restrições acima, tem reforçado dois tipos de proposição: controle de capitais e a adoção do câmbio flutuante. Prazos mínimos de permanência (quarentenas...)... Impostos de fricção (Tobin)... As formas de controle são variáveis.


362 - Na flutuação pura, as reservas ficam quietas. Consequentemente, a variação na oferta monetária é atribuível apenas ao seu componente exógeno, isto é, ao crédito doméstico líquido.


363 - Expansão monetária na economia aberta com mobilidade: a taxa de juros baixa gera fuga de capital. Entretanto, a balança comercial (exportações líquida) irá melhorar, ainda que não o suficiente para equilibrar o BP. A desvalorização cambial só tende a cessar quando a taxa de juros voltar ao normal/novo-equilíbrio. Enquanto isso, o produtos estará aumentando graças aos estímulos. O segredo do impacto superexpansionista da política monetária reside no fato de que a economia cresce inicialmente empurrada pela queda dos juros para logo em seguida receber um impulso adicional dado pela desvalorização cambial – através de seu efeito sobre as exportações líquidas do país. Assim, o deslocamento para a direita da curva LM induzirá um deslocamento também para a direita da curva IS. E a taxa de câmbio funcionará como mecanismo de transmissão do impulso monetárioTambém como resultado do ajuste realizado, ao final do processo a taxa de câmbio estará num nível mais elevado e o balanço de pagamentos, embora tão equilibrado como no início do processo, agora apresentará uma composição distinta da inicial: um saldo mais favorável em transações correntes e um ingresso líquido de capitais menor. Enfim, a política monetária poderá aquecer ou esfriar a economia se quiser.



364 -  Parênteses: Esta proposição é completada pelo outro resultado do modelo – que não exploramos aqui – de que a política fiscal, por contraste, é supereficaz em um regime de câmbio fixo e impotente em um regime de câmbio flutuante.


365 - Economia aberta com mobilidade finita de capital: A curva BP tem agora um formato inclinado para a direita, indicando que, se por um lado a taxa de juros afeta positivamente o balanço de pagamentos (Figura 24.6), por outro é possível abrir uma diferença entre as taxas de juros doméstica e internacional sem gerar um movimento avassalador de capitais em direção ao mercado com taxas de juros mais elevadas. Isto se deve ao fato de que os ativos financeiros domésticos e externos não são substitutos perfeitos.



366 - ...Na Figura 24.6, considere o caso de uma política monetária contracionista com câmbio fixo. O efeito primeiro seria mover a economia para o ponto Q, onde o nível de renda seria mais baixo, a taxa de juros mais alta e o balanço de pagamentos estaria numa posição superavitária. A expansão das reservas resultante do saldo positivo do balanço de pagamentos tenderia a promover uma expansão da base monetária, levando a LM de volta à posição inicial. O resultado seria semelhante ao obtido para uma economia sem mobilidade de capitais.


367 - ...Uma diferença em relação ao caso da economia sem mobilidade de capitais surge, porém, quando se considera a possibilidade de combinar a política monetária acima com a política fiscal. Praticando um mix adequado das duas políticas, seria possível alcançar o equilíbrio interno (pleno emprego não inflacionário) e externo. Para tanto seria necessário promover, simultaneamente, uma contração monetária e um expansionismo fiscal, de forma a atingir uma situação como a ilustrada pelo ponto R. Nela, a economia teria alcançado um nível mais elevado de renda (chegando ao pleno emprego), a taxa de juros estaria mais elevada e o balanço de pagamentos estaria em equilíbrio. Porém o equilíbrio externo teria sido alcançado com um déficit em conta-corrente maior e uma entrada de capitais maior (impulsionada pela taxa de juros mais alta) do que o observado no ponto inicial (P). Note também que o mix de política econômica só foi possível porque, ao contrário do caso da perfeita mobilidade de capitais, neste é possível colocar a taxa de juros acima da internacional.


368 - ...como o balanço de pagamentos estará sendo equilibrado com um déficit em conta-corrente maior (lembre-se que o câmbio apreciou) e com uma entrada líquida de capitais mais elevada (porque a taxa de juros subiu), a economia estará se endividando. Durante o governo Reagan, o dólar apreciou-se fortemente até 1985, por conta de um mix monetário e fiscal deste gênero.


369 - Problemas do modelo: não leva em conta as expectativas e os ajustamentos são automáticos. Tipo: câmbio sobe, exportação aumenta. Não há rigidez (e no mundo real haverá alguma). Necessária criar um modelo que contemple a expectativa quando á valorização futura do ativo monetário. Não é apenas a taxa vigente de juros/câmbio que importa, mas o que ocorrerá durante todo um determinado prazo de aplicação. Enfim, não é apenas o movimento da economia real - importadores e exportadores trocando moedas - que importa. Após, dá uns exemplos matemáticos de algo que faço na minha cabeça sempre, digamos.


370 - De fato: O economista Alan Walters, ex-assessor da primeira-ministra Margareth Tatcher, criticou, na década de 1980, o sistema de taxas de câmbio fixas na Europa porque esta regra, em vez de produzir convergência entre as situações das economias da região, produzia divergência. A razão por ele apontada era que um país, que por qualquer razão tivesse de início taxas de inflação mais altas do que as dos demais, seria obrigado (pelas forças do mercado de capitais internacional) a operar com as mesmas taxas de juros nominais, e portanto com taxas de juros reais mais baixas do que as dos parceiros. Taxas de juros reais mais baixas reforçariam, por sua vez, a inflação doméstica superior à da região e portanto juros reais ainda mais baixos, conduzindo portanto a uma divergência crescente ... até que a manutenção da paridade se tornasse inviável e ocorresse um ataque especulativo.


371 - Cita outro diferencial nos juros que cada país tem que oferecer aos investidores externos: o risco-país. Nada impede que um país resolva implementar controles de capital numa situação de tensão. (Não ficou claro, pra mim, porém, se a expectativa de diferencial de inflação entre as moedas entra no conceito ou não de risco país).


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