Livro: Fabio Giambiagi... - Desenvolvimento Econômico... (2013) - Capítulo 4 - PARTE "A"
Livro: Fabio Giambiagi, Veloso, Pedro Cavalcanti and Pessoa - Desenvolvimento Econômico, Uma Perspectiva Brasileira (2013)
Pgs. 110-128...
"CAPÍTULO 4: "O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL PRÉ-1945"
90 - Também texto de André Villela. Começa já com uma tabela de estimativa de renda per capita baseada nos estudos de Angus Maddison (o tal "crescimento moderno" só começa a dar as caras lá pelo fim do Império, com os primeiros surtos de industrialização e as ferrovias):
91 - Parênteses: num rodapé, ele deixa claro que há contestações aos números de Maddison, mas não chega a apresentar a polêmica. Para uma crítica contundente e outra mais sóbria aos números produzidos por Maddison ao longo de décadas, ver, respectivamente, Clark (2009) e Federico (2002). Também há polêmica sobre os números dos EUA entre 1700-1820: ...Cabe notar que essas estimativas do comportamento da renda per capita americana na época colonial indicam um crescimento mais lento do que aquele estimado por Angus Maddison para o período 1700-1820, cujos resultados aparecem na Tabela 4.1. Contudo, elas são as mais aceitas pela literatura especializada. Para detalhes, ver McCusker (1999).
92 - Durante a maior parte da história da humanidade houve crescimento econômico do tipo extensivo, que era absorvido pelo aumento populacional, daí resultando um produto per capita estagnado ou, no máximo, crescendo muito lentamente. Os recursos naturais meio que guiavam o tamanho do crescimento. Somente a partir da Revolução Industrial abriu-se a possibilidade de as economias romperem em definitivo as barreiras que limitavam historicamente a expansão da renda per capita.
93 - Na América do Norte britânica observou-se crescimento sobretudo extensivo, por sua vez assegurado por uma oferta infinitamente elástica de terras de alta qualidade e recursos naturais, permitindo o constante alargamento da fronteira produtiva. A tal crescimento extensivo é provável que tenham se somado, nas 13 colônias, ganhos de eficiência (crescimento do tipo intensivo) associados à especialização (por exemplo, nos casos da produção de tabaco – o principal item de exportação colonial – e nas atividades portuárias e comerciais).
94 - ...o aumento populacional nas Américas não esbarrava na “fixidez” do fator terra, implícita no modelo de Malthus (e característica da Europa) e que fazia com que a pressão demográfica resultasse em retornos decrescentes no uso da terra e, assim, em crises de subsistência.
95 - Conforme notado por Celso Furtado, durante a primeira metade do século XVII, quando o Brasil se firmou como o principal exportador mundial de uma especiaria – o açúcar –, é bem provável que a renda per capita da pequena população colonial (estimada entre 100-200 mil indivíduos) estivesse entre as mais elevadas do mundo. Não obstante, com a queda dos preços do açúcar a partir de meados do século XVII, à qual se somou a expansão da população colonial, a renda per capita cairia e se estabeleceria em um patamar baixo. Para estimativas da renda colonial durante o ciclo do açúcar, ver Furtado (1970), Capítulos 8 e 9. (...) De toda forma... Note-se que as taxas de crescimento do PIB per capita no Brasil da ordem de 0,3% a.a. entre 1700-1890, estimadas por Maddison (ver Tabela 4.1), ainda que baixas para os padrões modernos, a rigor não são estritamente compatíveis com a estagnação comumente associada ao regime malthusiano.
96 - A relevante expansão populacional brasileira - cerca de 2% ao ano, alta para o período - deve ter sido puxada pela ampla oferta de terras. Demorava a chegar o rendimento decrescente malthusiano que geraria crises de subsistência.
97 - Acemoglu et al. (2001): há evidências estatísticas de forte correlação positiva entre a incidência de doenças e a capacidade de colonizadores europeus se estabelecerem em outras regiões do mundo. Mais do que isso: afirmaram que, em regiões onde os europeus puderam se estabelecer em maior número – e o fizeram –, trouxeram consigo instituições “boas” (regime legal, corpos políticos deliberativos, direitos de propriedade bem assegurados), que favoreceram o desenvolvimento de longo prazo daquelas economias. Tais instituições originais, sustentam os autores, estão na base de instituições atuais de algumas das regiões mais prósperas do mundo (essencialmente, Estados Unidos, Canadá e Australásia) e ajudam a explicar o desempenho excepcional das economias dessas ex-colônias europeias ao longo dos últimos 200 anos. Em trabalhos posteriores, a questão das doenças foi "minimizada", mas o resultado era igual: ...Sua resposta, de forma sucinta, é que as áreas mais ricas e densamente povoadas do globo em 1500 (China, Império Mogul ou o Império Asteca) atraíram estilos de colonização ou semicolonização europeia de caráter mais predatório. Em contrapartida, regiões pobres e pouco povoadas das Américas à época da chegada dos europeus (por exemplo, a futura Argentina e os Estados Unidos) exigiram uma quantidade muito maior de insumos de capital e trabalho europeu, e terminaram por desenvolver instituições mais favoráveis ao crescimento econômico de longo prazo.
98 - Também acho: Curiosamente, porém, nem Acemoglu e coautores nem Engerman e Sokoloff, embora trabalhem com a noção de “colônias de povoamento”, fazem qualquer referência a Caio Prado Júnior, que a emprega de forma explícita em sua Formação do Brasil contemporâneo – colônia. Em contraposição a esse tipo de colônia, situada em zonas temperadas, o autor brasileiro designa como colônias de “exploração” aquelas situadas em regiões tropicais (como na América portuguesa e Caribe), cujo objetivo precípuo foi a produção e exportação de gêneros que complementassem a economia europeia – e em benefício desta última. Em grande medida, portanto, Caio Prado já antecipara o argumento desses autores neoinstitucionalistas, ligando dotação de fatores (clima tropical ou temperado), tipo de colônia (de exploração ou povoamento) e desempenho econômico de longo prazo.
99 - Qual seria o erro de Caio Prado? O exagero, segundo o autor. As economias coloniais escravistas e primário-exportadoras eram desiguais, por certo, mas ricas, ao contrário do que o pessimismo pradiano poderia levar a crer. Isso para a época, claro. Dá a entender que a situação dos "homens livres" era, na média, confortável ou até superior aos iguais das metrópoles. (...) Mesmo entre as 13 colônias continentais, as que apresentavam maiores exportações e riqueza (entre homens livres) per capita eram as localizadas no sul, tipicamente organizadas para a produção escravista de artigos de exportação, como o Brasil e as Índias Ocidentais. Ademais, coloca que o mercado interno colonial era bem relevante. Muitos homens livres, sem escravos. (...) Recentemente, essa crítica ao paradigma tradicional ganhou uma nova versão, ainda mais radical, em que se propõe a própria revisão daquilo que até agora parecia ser consensual, isto é, o caráter de polo dinâmico, durante o período colonial, desempenhado pelo setor exportador. Em particular, Jorge Caldeira argumenta que o mercado interno colonial seria o motor daquela economia.
100 - Conclusões de Villela: O trabalho escravo, por exemplo, não era sempre menos produtivo do que o trabalho livre, ao contrário. Para atividades repetitivas e extenuantes, que se prestavam à organização da força de trabalho em grupos disciplinados e monitorados, trabalhando em longas jornadas, ele se mostrava até mais eficiente. O mesmo se pode dizer dos outros dois elementos. A grande propriedade não é, essencialmente, ruim do ponto de vista de sua eficiência. A depender da cultura (como no caso do açúcar, por exemplo), é até provável que a exploração em grandes extensões de terra permita o aproveitamento de economias de escala.
101 - Progresso técnico no modo de produção colonial brasileiro era lento e, em determinado ponto, insuficiente, mas não inexistente: O progresso técnico não estava, contudo, totalmente ausente, conforme se verifica no caso da introdução da chamada “moenda de entrosas” (ou engenho “de três paus”) no início do século XVII no Brasil. Ao reduzir os custos de capital na etapa da moagem de cana, essa importante inovação permitiu, entre outras coisas, o aumento do número de engenhos, a redução da escala produtiva da unidade fabril e a desconcentração espacial da produção açucareira na colônia. Para detalhes, ver Castro (1980).
102 - Vilella crê que Jorge Caldeira exagera em sentido contrário. Por exemplo: É difícil concordar com Caldeira quando, em outra obra, afirma que em 1800 o Brasil era “possivelmente a maior economia das Américas”. Com efeito, diante de uma população em 1798 estimada em três milhões de habitantes (há autores que falam em “mais de dois e menos de três milhões”), ao passo que, à mesma época, os Estados Unidos contavam com 5,3 milhões de habitantes, a afirmação de Caldeira implica assumir que a renda per capita brasileira ao final do período colonial era o dobro da americana, o que é pouco provável. A citação encontra-se em Caldeira (1999), p. 7. Para a estimativa de três milhões de habitantes na América portuguesa em 1798, ver Marcilio (1999). A estimativa mais conservadora da população brasileira em 1800 é de Alden (1999).
103 - ...E mais: ...De fato, custa acreditar que o comércio interno de escravos, manufaturados e alimentos ressaltado por Caldeira tenha sido tão pujante como ele afirma. Certamente não envolveu uma integração de mercado semelhante à que se verificou, por exemplo, nas 13 colônias britânicas, dadas a topografia e a rede de rios navegáveis comparativamente muito mais favoráveis dessa região. Some-se a isso a escolaridade média muito baixa da população da América portuguesa (em contraste, por exemplo, com a alfabetização de 2/3 dos homens brancos na Nova Inglaterra em meados do século XVIII) e tem-se mais um aspecto que militava fortemente contra a mercantilização da economia no Brasil Colônia. (...) A ideia aqui é que maior grau de alfabetização facilita a comunicação (correspondência comercial), estabelecimento de contratos, domínio de noções de contabilidade etc., que são elementos que contribuem para maior mercantilização das atividades econômicas.). Por fim, a virtual ausência de indícios de urbanização no interior da colônia antes do Ciclo do Ouro seria evidência adicional do baixo grau de divisão do trabalho e especialização econômica à época.
104 - Coloca que a produtividade agrícola no setor de alimentos era sofrível. Técnicas e instrumentos atrasados.
105 - As pequenas exceções do mundo pré-industrial eram Holanda, Inglaterra e EUA: No caso das duas economias europeias, séculos de crescentes avanços na agricultura, maior urbanização, divisão do trabalho, mercantilização da economia, desenvolvimento manufatureiro, progresso técnico, maior consumo energético etc. possibilitaram aumentos médios da renda per capita estimados em 0,15% a 0,25% a.a. Dispondo de condições geográficas mais favoráveis que a Inglaterra ou a Holanda, as 13 colônias conseguiram crescer extensivamente e ainda apresentar ganhos de eficiência na agricultura e em serviços.
106 - Brasil Império: como se nota na Tabela 4.1, estima-se que a taxa de crescimento do PIB per capita entre 1820 e 1890 tenha sido da ordem de 0,3% a.a., denotando um quadro de lento crescimento não muito diferente daquele que prevaleceu no período 1700-1820. (...) Houve mudança notável, contudo, na taxa de crescimento demográfico, que, de pouco menos de 0,5% a.a. durante o período colonial, subiu para 1,65% entre 1820 e 1890. (...) O Segundo Império, até pela estabilidade política, teve desenvolvimento um pouco melhor que as primeiras décadas. Há ainda que se destacar a diferença entre uma economia cafeeira em expansão no Sudeste e os setores açucareiro e algodoeiro em crise no Nordeste do Império. Dado o peso demográfico dessa última região no total (cerca de 40%), tem-se de imediato uma das razões para o lento crescimento da renda por habitante no Brasil no século XIX.
107 - Por que o Brasil não se industrializou no Século XIX? ...Em primeiro lugar, há que se destacar que, diante de termos de troca que melhoraram (ou seja, os preços dos produtos agrícolas exportados pelo Brasil cresceram relativamente aos dos manufaturados importados pelo país) durante boa parte da segunda metade do século XIX, as atividades ligadas ao setor primário-exportador eram, em princípio, mais atraentes aos investidores. (...) A esse fato somaram-se inúmeras barreiras práticas ao início do processo de industrialização do Brasil à época, a exemplo da pouca disponibilidade de energia (carvão mineral), oferta limitada de capital, ausência de um mercado nacional integrado, baixos níveis médios de educação da população, para ficar em apenas alguns. Cita que Celso Furtado já citava alguns desses.
108 - Ao promover a transferência de recursos do setor primário da economia para o secundário e o terciário, auferem-se ganhos de eficiência alocativa, aos quais se somarão os ganhos de eficiência produtiva tornados possíveis pelo progresso técnico que caracteriza mais a indústria e o setor de serviços do que a agricultura (ao menos no século XIX).
109 - Menciona as determinantes do desenvolvimento:
110 - Geografia: chama a atenção o desempenho longe de extraordinário das exportações brasileiras no século XIX: em termos per capita, as vendas do Brasil no exterior (medidas em libras esterlinas correntes) cresceram, em média, 1,3% a.a entre a década de 1820 e a década de 1880. Olhando-se período ligeiramente diferente – 1850-1913, o que inclui o boom do café em São Paulo e da borracha amazônica –, chega-se a taxas um pouco superiores: 1,7% a.a. Tal resultado contrasta desfavoravelmente com o de outras ex-colônias da região, como a Argentina e o Chile, que, da metade do século às vésperas da Primeira Guerra Mundial, lograram expandir suas exportações per capita em 3% a.a em termos nominais. Menos exportações eram, por sua vez, menos importação de tecnologia que poderia aumentar produtividade. Praticamente não havia setor interno de bens de capital. Importar era tudo.
111 - Comércio: não havia um mercado interno integrado. E aqui, novamente, a geografia foi decisiva. A topografia do território brasileiro, marcada, entre outros obstáculos, pela escarpa da Serra do Mar separando uma estreita faixa litorânea do vasto interior, somada à virtual ausência de rios plenamente navegáveis nas regiões de maior adensamento populacional, dificultava enormemente o transporte de mercadorias e indivíduos. O resultado prático foi um encarecimento do custo de transportes, que ficaram por muito tempo dominados pela tecnologia das tropas de mulas e do carro de boi, limitando em muito a formação de mercados mais amplos. Diminuía-se o incentivo para aumentar os excedentes, os quais não tinham como escoar de forma barata. Resultado: produtividade aquém da possível. Isso seja na agricultura ou manufatura. Escala subótima.
(...)
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