Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010) - Capítulo 8

                                                                                                             

Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010)



Pgs. 215-255


"CAPÍTULO 8: "Rompendo com a Ruptura: O Governo Lula (2003-2010)"


222 -  Texto também de Fabio Giambiagi. Coloca que os temores contra o PT eram fundamentados. Ao menos antes da eleição. Exemplifica. A economista Maria da Conceição Tavares, ex-deputada federal do PT e na época conselheira de Lula, escreveu em julho de 2000 artigo defendendo a ideia de que “está mais do que na hora de submeter à população um plebiscito nacional sobre a dívida externa que esclareça os prejuízos decorrentes de manter essa situação de submissão às regras do FMI que mantêm o país prisioneiro do capital financeiro internacional” (Folha de S. Paulo, 02/07/2000). Cita ainda o apoio de Mercadante e do partido ao plebiscito da CNBB contra os "especuladores da dívida interna". Traz, também, frase de Mantega contra os superávits fiscais: “A meta de superávits primários de 3% (do PIB) de 2001 a 2004, contida na última LDO, é exagerada e suicida para uma economia que precisa de investimentos” (Valor Econômico, 10/05/2001). O próprio Lula criticava as metas. Em agosto de 2002, dois meses antes da disputa presidencial, o mesmo Mantega afirmava que o superávit primário de 3,75% do PIB definido para 2003 “(...) é um obstáculo para o país aumentar seus gastos sociais. Por isso vamos reabrir a discussão do superávit primário com o FMI. Se nós baixarmos nossos gastos com juros, o superávit pode ser menor” (O Globo, 24/08/2002).


223 - ...No plano econômico de 2001 estava o seguinte: "...Renegociação da dívida externa (p. 5). (...) Limitação, na forma de um percentual-teto das receitas, da disponibilidade de recursos destinados ao pagamento de juros da dívida pública. Era o documento "ruptura necessária". Outra fonte de sustos: "...o documento, cuja página de apresentação era assinada pelo próprio Lula, propunha aumentar o gasto público, assistencial e previdenciário mediante medidas que, somando as citadas com outras propostas, representavam uma variação do gasto da ordem de 5% do PIB em relação à situação da época.".


224 - Aponta dois possíveis fatores que tenham levado o PT a se moderar: A dramaticidade da crise argentina de 2001-2002, que deixou claros os problemas que poderiam resultar de uma paralisia completa dos empréstimos ao Brasil. (...) A própria seriedade da situação externa do país no final de 2002, indicando que, sem a recuperação do crédito externo e o acesso aos recursos do FMI, havia riscos de Lula ter de assumir em 2003 com uma situação gravíssima, dólar pressionado, inflação ascendente e o país correndo risco de insolvência.


225 - ...A Carta ao Povo Brasileiro já apareceu falando em preservar superávit primário. Em agosto veio a “Nota sobre o Acordo com o FMI”, pela qual o partido prometeu respeitar o acordo com o FMI negociado no final do governo FHC.


226 - Um editor do Financial Times pediu "a Lula" (carta na revista dias depois da eleição) um superávit primário de 6% a fim de evitar moratória!


227 - Em que pesem as sucessivas elevações da taxa de juros Selic a partir de outubro de 2002 — quando, em aproximadamente 60 dias, a taxa nominal definida pelo Banco Central passou de 18% para 25% a.a. — um número crescente de analistas entendia que essa reação, além de tardia, tinha sido insuficiente, face à intensidade da alta de preços que estava se verificando, e defendia novas rodadas de aperto da política monetária. (...) A inflação mensal média, medida pelo IPCA, que tinha sido de 0,6% ao mês nos primeiros nove meses de 2002, tinha alcançado 2,1% ao mês no último trimestre de 2002 e foi de 2,3% em janeiro de 2003, não obstante as pressões sazonais de outubro/janeiro não serem particularmente fortes, em geral. Em outras palavras, o quadro inflacionário era crítico no início de 2003.


228 - Para uma dívida inicial de 55% do PIB — sem base monetária — similar à que existia no final de 2002 no Brasil, e uma senhoriagem de 0,4% do PIB, consistente com uma inflação baixa, o conjunto de resultados do superávit primário, para valores realistas das taxas de juros e de crescimento da economia, é dado pelo quadro a seguir



229 - O governo também firmou compromisso anunciando a meta de inflação de 5,5% em 2004 (em 2005 seria 4,5%, o que o BC de Meirelles passou a perseguir). Ademais, ordenou corte de gastos e primário de 4,25%. 

 

230 - O ano de 2002, em particular, foi marcado pela crise argentina, com claro efeito de contágio sobre o Brasil. Além da desconfiança em relação a um eventual governo do PT, portanto, o ambiente externo encontrava-se deteriorado há alguns anos pela sucessão de crises financeiras em mercados emergentes.


231 - Resultado das políticas ortodoxas de início de mandato (incluindo renovação do acordo com o FMI até final de 2004, recursos que acabaram não sendo usados): Nesse contexto — e ajudada pelos excelentes resultados mensais da Balança Comercial — a taxa de câmbio recuou para menos de R$3,00 no segundo trimestre. Enquanto isso, o risco-país (medido pelo C-Bond) desabava para menos de 800 pontos, praticamente o mesmo nível de um ano antes, “devolvendo” em sua totalidade o que em 2002 o mercado denominava de “efeito Lula”. Outro fator para a melhora acentuada do câmbio: ...Para isso, contribuiu não apenas a política econômica como também a abundância conjuntural de liquidez internacional, face às baixíssimas taxas de juros vigentes nos Estados Unidos, na época em torno de 1% a.a. A especulação passava a jogar a favor do Real agora. Com a perspectiva de que o mercado de câmbio revertesse em parte a desvalorização de 2002, isto é, tendo pela frente a possibilidade de um importante ganho de capital medido em dólares, houve uma grande entrada de recursos que, por sua vez, contribuiu para fazer cair a cotação do dólar.


232 - Só a partir do segundo semestre de 2003 — e depois de uma queda mais acentuada da inflação — o BC se viu à vontade para seguir com convicção uma política de redução das taxas de juros.


233 - A contrapartida da queda da inflação foi a elevação da taxa de juros real Selic — usando o IPCA como deflator — de 6% em 2002, para 13% em 2003. Na sequência desse processo, a atividade econômica sofreu as consequências e o desempenho do PIB ficou comprometido em 2003.


234 - Para fechar a lua-de-mel com o mercado, foi enviada a proposta de reforma da previdência (e uma tributária, só que visando mais garantir a manutenção das receitas e corrigir uma coisa ou outra de eficiência), com medidas que afetavam o funcionalismo público: taxação, através de alíquota contributiva, dos servidores inativos, com a mesma alíquota dos ativos, ressalvado um limite mínimo de isenção; aplicação de um redutor para as novas pensões acima de um certo piso de isenção; antecipação, para todos os funcionários da ativa (inclusive aqueles já empregados), da idade mínima para aposentadoria integral, de 60 anos para os homens e 55 para as mulheres, prevista apenas para os novos entrantes na Emenda Constitucional no 20, de 1998; e definição do mesmo teto de benefícios do INSS para os benefícios dos novos entrantes, com a possibilidade de criação de fundos de pensão para a complementação da aposentadoria a partir desse limite.


235 - Os juros altos, em tese, cumpriam seu papel de derrubar a inflação. ...a taxa de juros real média em 2003-2004, medida pela Selic, mostrou-se similar à do segundo Governo FHC. ..., no período 1999-2002 ela caiu para 10% a.a., subindo para 13% a.a. em 2003 e cedendo para 8% em 2004.


236 - ...O BC claramente se comportava de forma autônoma, tendo inclusive elevado os juros em vários momentos distintos do período Lula - altas inclusive preventivas em alguns casos:



237 - A taxa de juros real do Brasil cedeu ao longo dos anos. Porém, como ela continuou sendo alta e os juros internacionais caíram muito no período, o diferencial de juros em favor do Brasil se manteve como um poderoso fator de estímulo para o ingresso de capitais no país. Houve apreciação real gerada pela melhora dos termos de troca e pela abundância de recursos à disposição no mercado internacional.



238 - Em que pese a obtenção de superávits primários relativamente robustos, o rigor da política monetária se traduziu em despesas expressivas com o pagamento de juros, em um primeiro momento. Quadro fiscal completo:



239 - Mantega assume em 2006. A taxa de variação real do gasto público teve um aumento expressivo em relação à média dos dois primeiros anos de Governo, com ênfase nos aumentos do funcionalismo, especialmente no segundo Governo Lula. (Como o crescimento do PIB também sofreu uma aceleração, a despesa feita especificamente com pessoal, medida como proporção do PIB, em 2008 era ainda similar à de 2004. Em 2009, porém, com a estagnação da economia naquele ano, a relação entre a despesa com pessoal e o PIB aumentou muito. No caso da despesa total, depois de 2003 houve uma tendência de aumento, em geral, ao longo dos anos.)


240 - ...Outras mudanças: o primário diminuiu um pouco; a parte dos investimentos que não contava em relação ao superávit, cresceu; aumento substancial da importância do BNDES; divergências retóricas, inclusive referentes à condução do BC. A isso veio se somar, especificamente em 2009 e 2010, o uso relativamente extenso de mecanismos diversos próprios da chamada “contabilidade creativa”, com a adoção de criterios pouco usuais de contabilização de fontes de receita. O destaque nesse sentido coube à capitalização da Petrobras em 2010, que engordou o superávit primário em quase 1% do PIB naquele ano, como aparece na rubrica de “ajuste metodológico” da Tabela 8.1.


241 - Sobre o endividamento brasileiro, o fato é que, com a apreciação cambial nominal verificada a partir do final de 2002, incidente sobre uma dívida pública no início ainda fortemente indexada à taxa de câmbio e com o aumento inicial do superávit primário, houve um processo duradouro de redução da relação Dívida líquida do setor público/PIB.



242 - Brasil como credor líquido em função das reservas: Anteriormente, uma desvalorização (apreciação) cambial fazia a dívida pública aumentar (diminuir). Na nova situação, porém, o fenômeno passava a ter o efeito oposto, em face da citada posição externa líquida credora. Uma crise externa, que em várias ocasiões nos anos de 1990/começo da década de 2000 tinha causado problemas de Balanço de Pagamentos e, via câmbio, pressionado a relação Dívida pública/PIB, passava agora a gerar efeito fiscal de sentido exatamente contrário. Ou seja, a desvalorização cambial, em 2008, reduziu inicialmente a dívida pública! Já com o câmbio voltando a se apreciar em 2009, a dívida líquida do setor público aumentou, pela redução do valor em R$ das reservas internacionais, que são um ativo que é descontado da dívida bruta para chegar ao conceito de dívida líquida.


243 - PIB: No quinquênio 2004-2008, especificamente, a taxa média de crescimento do PIB foi de 4,8%, mas na média dos oito anos 2003-2010, devido às baixas taxas de 2003 e 2009, ele ficou em 4,0%. (...). Ao mesmo tempo, o maior otimismo com a evolução futura da economia causou uma intensificação da demanda por emprego, gerando uma queda importante das taxas de desemprego, de 12% em 2002 para 7% em 2010, acompanhada de uma importante elevação dos níveis de formalização da economia.



244 - Metodologia do cálculo do desemprego: não podemos comparar a taxa de desemprego do governo Lula com a do governo anterior, porque a pesquisa original foi abandonada no final de 2002 e a nova pesquisa começou apenas naquele ano. A comparação só pode ser feita com 2002, quando começou a ser apurada a nova pesquisa.


245 - Contas externas depois que o real reverteu a desvalorização de 2002: ...De qualquer forma, a partir de meados da década, a maior parte dos superávits no Balanço de Pagamentos do país — responsáveis pelo aumento das reservas — originaram-se da evolução da conta de capitais e não dos resultados da conta corrente. Sobre a apreciação, enquanto o crescimento mundial puxava o quantum das exportações, esteve tudo certo. Entre 2002 e 2007 as exportações cresceram a uma média anual de mais de 9% — apesar da apreciação real observada. A subida de preço das commodities, em dólar, compensava a apreciação. Era o preço, mais que a quantidade, que gerava superávits externos tão grandes.


246 - ...Cabe chamar a atenção para a perda de participação dos manufaturados na pauta de exportações do país: essa rubrica, que em 1970 respondia por apenas 15% das exportações totais e em 1985 já tinha alcançado 55% do total, manteve-se aproximadamente nesse nível, com algumas oscilações, até 2002, porém caindo para 39% do total em 2010.


247 - A situação começaria a mudar mais pro fim da década: a combinação de apreciação cambial, maior crescimento do PIB e forte predomínio da absorção doméstica gerou uma tendência gradual à deterioração da posição externa do país, expressa pelo resultado em conta-corrente. A partir de meados da década, os fluxos externos se deterioraram e o país passou a piorar o seu saldo em transações correntes, como mostra o Gráfico 8.5. Nem a balança comercial superavitária segurava mais:



248 - Poupança cedeu ao aumento de gastos do governo e famílias: ..a poupança doméstica, que tinha aumentado de apenas 12,1% do PIB em 1999, para 18,5% do PIB em 2004, voltou a ceder até 16,5% do PIB em 2010.




249 - Metas de inflação: Nos cinco anos 2005/2010 nos quais a taxa-meta foi estabelecida em 4,5%, a taxa efetiva de variação do IPCA foi de 4,9%, indicando um grau de eficiência elevado da política monetária. O câmbio deu toda uma ajuda porém. Não só ele, mas também uma taxa de juros real, em média, ainda bastante elevada, embora com tendência de queda. Curiosamente, Mantega era um crítico do sistema de metas. A seu ver, a coisa engessaria a política de juros ao ponto de dispensar um presidente do BC, bastando o modelo.



250 - Um símbolo do cenário externo positivo foi o impulso que o crescimento da China trouxe às exportações brasileiras.



251 - A combinação de aumentos reais do salário mínimo, injeção de recursos nos programas sociais — com destaque para o Bolsa Família — e forte crescimento do emprego, no contexto de uma economia em crescimento, com inflação relativamente baixa e melhora na distribuição de renda, explica a elevada popularidade de Lula.


252 - Critica a suposta ausência de mentalidade reformista (Previdência e taxa de investimento/poupança meio que ficaram intactas). Por fim, não usa a expressão, mas coloca Lula meio que como um populista pragmático.


253 - A concessão do "grau de investimento": denota um país cuja economia é considerada relativamente equilibrada e que respeita os chamados “fundamentos macroeconômicos”, sugerindo um baixo grau de exposição ao risco para os investidores que aplicam seus recursos nessa economia. Além disso, a regulação financeira de diversos países impõe limites ao investimento de suas instituições financeiras em ativos estrangeiros de países não classificados como “investment grade”.


254 - Por fim, há um gigante apêndice estatístico nas últimas páginas do livro. Há dado de tudo quanto é coisa. Recomendo.



FIM


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