Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010) - Capítulo 7

                                                                                                            

Livro: Fabio Giambiagi... - Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010)



Pgs. 183-214


"CAPÍTULO 7: "Estabilização, Reformas e Desequilíbrios Macroeconômicos: Os Anos FHC (1995-2002)"


185 - O texto aqui é do próprio Fábio Giambiagi. Dá o cenário de 1994: a economia se encontrava em claro processo de superaquecimento, o que trazia à memória o fantasma do Plano Cruzado, em que um boom de consumo mal administrado tinha provocado o colapso da estabilidade: no quarto trimestre de 1994, a expansão do PIB em relação ao mesmo período do ano anterior tinha sido de 11%. (...) estava em curso a crise do México, na qual a situação do balanço de pagamentos (BP) de final de 1994 levou a uma drástica desvalorização — com efeitos sérios sobre o currency board argentino —, o que começava a alimentar a suspeita de que regimes de câmbio rígido poderiam não acabar bem e de que o Brasil pudesse ser o próximo país a ser afetado por uma crise similar.


186 - ...Duas outras dificuldades, uma delas vinda do câmbio "superapreciado" (foi a época do dólar a R$ 0,84): O Plano Real tinha sido lançado em junho de 1994 com US$43 bilhões de reservas internacionais, que, já em dezembro, tinham caído para US$39 bilhões. Em março de 1995 as reservas já estavam em US$34 bilhões, e continuaram a diminuir até US$32 bilhões em abril, antes de começarem a se recuperar em função da reação oficial. (...) Finalmente, a inflação mantinha certa resistência à queda, cabendo citar que, nos primeiros 12 meses do Plano Real (julho 1994-junho 1995) a variação dos preços medida pelo INPC foi de 33%. Como o país era assombrado por todos os planos passados, havia um forte temor de insucesso.


187 - ...Medidas de março de 1995: Uma desvalorização controlada, da ordem de 6% em relação à taxa de câmbio da época, após o que o Banco Central passou a administrar um esquema de microdesvalorizações, através de movimentos ínfimos de uma banda cambial com piso e teto muito próximos. (...) Uma alta da taxa de juros nominal, que — expressa em termos mensais — passou de 3,3% em fevereiro para 4,3% em março, aumentando o custo de carregar divisas. A âncora de juros ia assumindo maior importância frente a cambial, a fim de evitar a rápida deterioração das contas externas. A política monetária era, agora, a salvadora da pátria.


188 - ...Logo ficou claro — fato facilitado pela rápida recomposição da liquidez internacional poucos meses depois da crise mexicana — que o governo estava firmemente empenhado em defender a nova política cambial e que não contemplava novas desvalorizações. Assim, atraídos pela rentabilidade elevada das aplicações em moeda local, os investidores retornaram ao país e as reservas internacionais fecharam 1995 em US$52 bilhões. Ao mesmo tempo, a inflação começou a ceder e daí em diante a taxa anual caiu ao longo de quatro anos consecutivos.


189 - ...Ou seja, o choque de juros e o retorno da liquidez internacional foram fundamentais. Na ausência de algum desses fatores, o plano muito possivelmente fracassaria, avalia Giambiagi. Porém, obviamente os juros tiveram impacto ruim sobre o resto da economia. O grande carry over de 1994 — ano que se encerrou com todos os indicadores muito acima da média anual — garantiu um bom desempenho dos resultados anuais de 1995, mas o clima que se viveu nesse último ano foi de crise, devido à trajetória das variáveis ao longo dos meses. (...) Um script similar seria observado anos depois, com a reação oficial diante das crises da Ásia no segundo semestre de 1997 e da Rússia, em agosto de 1998. Em ambos os casos, a terapia incluiu uma forte dosagem de ortodoxia monetária.


190 - O desequilíbrio externo era patente, pois a flexibilização nominal da âncora cambial não impediu a forte apreciação do câmbio real (gráfico mais abaixo): Nos três anos entre 1995-1997 as importações em dólar cresceram a uma taxa média de 21,8% a.a. — com destaque para o crescimento de 51% em 1995 — enquanto as vendas ao exterior cresceram apenas 6,8% a.a., em que pese o fato de esses terem sido anos de grande expansão do comércio internacional e nos quais a economia mundial cresceu 4,3% a.a..



191 - Déficit externo: Como estes eram financiados com novo endividamento externo e com a entrada de capitais na forma de investimento direto estrangeiro (IDE), a acumulação de estoques de passivos externos — dívida ou estoque de capital no país — implicava pagamentos crescentes de juros e de lucros e dividendos. O resultado é que o déficit de serviços e rendas praticamente dobrou no primeiro governo FHC. (...) A dívida externa líquida crescia.



192 - Apreciação: A taxa de câmbio real (medida pela relação Índice de taxa de câmbio nominal x IPC-EUA/IPCA), partindo de um nível 100 em junho de 1994 — vésperas do Plano Real, pois a nova moeda foi lançada em 1o de julho — tinha diminuído para um índice de 68 no auge da apreciação real do câmbio, em julho de 1996.



193 - Havia, no início do Real, o temor de uma repetição dos efeitos da desvalorização mexicana, concebida para ser “moderada” e que acabou fugindo ao controle e gerando uma inflação de mais de 50% em 1995.


194 - O melhor momento para uma desvalorização maior teria sido em 1995, quando o nível de atividade, em termos dessazonalizados, estava caindo rapidamente, e um câmbio mais desvalorizado enfrentaria uma pressão de demanda muito baixa. Na época, porém, o governo entendeu que a memória da indexação ainda estava muito presente e que a inflação ainda era alta, o que desaconselharia passos mais ousados na linha de uma desvalorização mais intensa. Pouco depois, a janela de oportunidade se fechou, pois entre o terceiro trimestre de 1995 e o mesmo período de 1996 o PIB cresceu mais de 6%, o que tornaria arriscado soltar o câmbio nesse contexto, apesar do quadro externo relativamente benigno. A partir daí, quando as circunstâncias voltaram a ser favoráveis do ponto de vista estritamente econômico, o cenário político tinha mudado: em 1997, estava sendo discutida a emenda propondo a reeleição do Presidente da República e, em 1998, haveria eleições gerais. Enquanto os ajustes cambiais não vinham, esperava-se que o cenário externo continuasse simpático ao neoliberalismo à brasileira, digamos assim. Na expectativa dos formuladores de política econômica, FHC seria reeleito e no segundo mandato seriam feitos gradualmente os ajustes requeridos.


195 - Área fiscal. O principal fator de deterioração nem foram os juros reais.  Quase ¾ da piora do resultado operacional das Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) entre as médias de 1991-1994 e 1995-1998 foram causados pela deterioração do resultado primário (Tabela 7.2):




196 - O peso dos juros ao longo do tempo decorreu, por um lado, da taxa de juros real — que, deflacionando a taxa de juros básica (Selic) pelo IPCA, foi de 22%, em média, nos quatro anos 1995-1998 — e, por outro, do fato de que as taxas de juros incidiam no começo do Plano Real sobre uma dívida pública equivalente a 30% do PIB e passaram depois a ser aplicadas a uma dívida progressivamente crescente. Teria faltado a ajuda da política fiscal. A monetária se virou só.


197 - O alívio com a venda da Telebrás, quando as reservas bateram US$ 74 bi e renovaram a esperança de que a liquidez internacional ainda sustentasse mais um pouco o desequilíbrio externo, foi dinamitado meses depois pela crise da moratória russa e a percepção de que o Brasil poderia ser o "próximo". A Rússia era um país com elevado déficit externo e onde as autoridades tinham se comprometido a não desvalorizar a moeda. Os estrangeiros sacavam os dólares antes que houvesse alguma mudança cambial ou controle de capitais. Taxas de juros na lua não eram mais suficientes. Veio finalmente o ajuste fiscal e o socorro do FMI. O Fundo coordenou os esforços de apoio ao Brasil, mediante a organização de um pacote de ajuda externa, somando US$42 bilhões. Desses, US$18 bilhões seriam do FMI e o restante de outros organismos multilaterais e de diversos governos, entre eles os dos Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Itália, a Alemanha, a França, o Japão e a Espanha.


198 - O regime de metas de inflação surge em 1999 aqui, por intermédio do novo presidente do BC Armínio Fraga. Era uma nova âncora, substituindo a cambial.


199 - A desvalorização cambial não explodiu a inflação. Vários motivos, como a desindexação dos novos tempos. Outros: A desvalorização ocorreu em um momento de “vale” da produção industrial: no primeiro trimestre de 1999, esta estava 3% abaixo do primeiro trimestre de 1998 que, por sua vez, era 3% inferior ao primeiro trimestre de 1995, gerando uma contração de demanda que diminuiu muito a chance de repasse do câmbio aos preços. (...) A baixa inflação mensal inicial — variação do IPCA de 0,7% em janeiro e 1,1% em fevereiro — apesar da megadesvalorização ocorrida — diminuiu muito o temor de uma grande propagação dos aumentos de preços. (...) Taxa de juros reais alta, na casa dos 15%. (...) O cumprimento sucessivo das metas fiscais acertadas com o FMI criou uma confiança crescente de que a economia seria mantida sob controle. (...) O aumento do salário mínimo em maio de 1999, de menos de 5% nominais, quando muitos analistas ainda projetavam taxas de inflação da ordem de 20%, teve um papel crucial nas negociações salariais da época, balizando reajustes baixos. (...)  A definição, em junho, de uma meta de inflação de 8% para o ano completou o ciclo de medidas para ajustar a economia a uma inflação superior à de 1998, porém, inferior a dois dígitos.


200 - Já no último trimestre de 1999, ano "perdido", o crescimento tinha voltado. O Brasil cresceria 4% em 2000.


201 - Crise do apagão em 2001: A rigor, as raízes dessa crise tinham sido plantadas em anos anteriores, devido ao fato de o governo ter programado uma privatização completa das usinas hidrelétricas, que acabou não ocorrendo. Prevendo que as empresas seriam privatizadas, o governo não ampliou os investimentos, esperando que o setor privado o fizesse. As condições climáticas também não ajudaram. Veio o racionamento, que durou até início de 2002.


202 - ...Como sequela, porém, ficaram dois trimestres consecutivos de queda do PIB em termos dessazonalizados durante 2001; uma série de demandas das empresas de energia, cujo faturamento caiu seriamente e ficaram com dívidas elevadas; tarifas mais caras para ressarcir as empresas; e um modelo setorial inconcluso, pela inviabilidade política de continuar com a privatização, ao mesmo tempo em que as restrições fiscais continuavam dificultando o aumento dos investimentos das empresas estatais de geração ligadas à Eletrobrás — Furnas, Chesf e Eletronorte.



203 - Em 2001, a economia foi prejudicada por uma combinação de eventos, incluindo a crise de energia, o “contágio” argentino — que diminuiu a entrada de capitais — e os atentados terroristas de 11 de setembro, que abalaram fortemente os mercados mundiais. Nesse contexto, o risco-país voltou a aumentar, refletindo uma menor disponibilidade de capitais para o país e afetando os juros domésticos.




204 - O lado positivo de FHC II acabou sendo a melhora das contas externas sem perder a mão da inflação e o ajuste fiscal difícil de realizar. Entretanto, o crescimento e investimento permaneceu fraco, os juros se mantiveram altos e o endividamento continuava avançando.


205 - Giambiagi elogia, ainda, as reformas da Era FHC como um todo:



206 - A mudança no tratamento do capital estrangeiro também exigiu Emenda Constitucional. A medida, por um lado, abriu os setores de mineração e energia à possibilidade de exploração por parte do capital estrangeiro. Por outro, mudou o conceito de empresa nacional, permitindo que firmas com sede no exterior passassem a dispor do mesmo tratamento que as empresas constituídas por brasileiros. Ambas contribuíram para a elevação dos investimentos estrangeiros a partir de 1995.


207 - Elogia o PROER: linha especial de assistência financeira destinada a permitir reorganizações societárias no sistema, o que, com um custo fiscal relativamente baixo (estimado em 1 a 2% do PIB). As outras medidas de reformulação do sistema financeiro: (2) privatizou a maioria dos bancos estaduais, mediante negociações com os governadores; (3) facilitou a entrada de bancos estrangeiros no mercado brasileiro, procurando ampliar a concorrência no setor; (4) favoreceu um processo de conglomeração no setor, que deixou o mercado com menos instituições, porém relativamente mais fortes; (5) ampliou os requisitos de capital para a constituição de bancos; e (6) melhorou substancialmente o acompanhamento e monitoramento do nível de risco do sistema por parte do Banco Central.


208 - As reformas previdenciárias envolveram idade mínima para aposentadoria de servidores e a criação do fator previdenciário para todos, desestimulando aposentadorias precoces. Instituiu-se, ainda, a regra dos "80% maiores salários de contribuição a partir de julho de 1994".


209 - Entre as medidas sociais do governo, cita a expansão do LOAS, as Bolsas, o Auxílio-Gás e o PETI.


210 - A privatização foi precedida por anos de descaso parcial com a saúde das estatais. Em 1980, as empresas estatais investiam 4,5% do PIB. Dez anos depois, essa variável tinha diminuído para apenas 1,9% do PIB.


211 - Além das questões ideológicas, havia a necessidade de atrair capitais estrangeiros, com políticas vistas como “corretas” por estes. O Plano Real com câmbio fixo trazia um desequilíbrio externo. Entre os benefícios, cita a ajuda na questão de conter a explosão da dívida; o alívio nas contas estaduais, que passaram de déficit a leve superávit; melhora na eficiência das empresas (há um bom exagero nisso, como li no outro livro dele). No geral, conclui: ...politicamente, a desestatização não foi nem um caso de sucesso, como na Inglaterra de Margaret Thatcher, nem um fracasso como, por exemplo, era em geral a avaliação da privatização no final dos anos de 1990 na Argentina. A própria crise do apagão teria sido indevidamente associada às distribuidoras privatizadas, quando tinha muito mais a ver com as geradoras, coloca.


212 - Enfim, crê que as reformas e resolução do problema da inflação abriram caminho para bonança seguinte. Fala-se por vezes das “décadas perdidas” de 1980 e 1990, mas a expressão não chega a fazer jus aos fatos. Primeiro, porque enquanto na década de 1980 a renda per capita no Brasil caiu -0,6% a.a., entre 1990 e 2000 ela aumentou 0,9% a.a. (Em compensação, eu diria que o cenário internacional, no geral, foi pior na era dos juros altos de Volcker que nos anos 90)


213 - No primeiro governo FHC, a estabilização associada ao Plano Real marcou uma revolução comportamental no setor privado, pois com a possibilidade de comparar preços (algo impossível quando a inflação é de 2 ou 3% por dia útil) a soberania do consumidor passou a obrigar a uma disputa entre as firmas, que potencializou os benefícios da competição introduzida pela concorrência dos importados. 


214 - Dívida líquida do setor público:



215 - Em cada FHC, a dívida cresceu por motivo bem diverso: No primeiro, a dívida aumentou por razões fiscais, pelas NFSP elevadas. Enquanto isso, no segundo governo, devido ao forte ajuste primário, a dívida de origem fiscal se manteve relativamente estável e o aumento do total se explica pela variação dos ajustes patrimoniais de 21% do PIB entre 1998 e 2002, por causa dos efeitos cambiais e do reconhecimento de dívidas antigas — ou “esqueletos”.


216 - Coloca que o desequilíbrio externo tendia a ser resolvido com a flutuação do câmbio livre e manutenção dos superávits fiscais e juros. Se o cenário externo ajudasse então (houve uma queda acumulada de 17% do preço médio das exportações brasileiras entre 1998 e 2002)... Porém, imperou certo pessimismo durante 2002.


217 - Além da desvalorização cambial que reduziu poder de compra dos salários, os efeitos do baixo crescimento pesaram na impopularidade do governo. Porém... O desempenho relativo da economia brasileira no período não chegou a ser ruim. Cabe citar que, conforme a Cepal, enquanto entre 1995 e 1998 o conjunto dos demais países da América do Sul — excetuando o Brasil — teve um crescimento acumulado de 17%, nos quatro anos seguintes (1999-2002) ele sofreu uma redução total de 3%. Já o Brasil, no segundo governo FHC, cresceu um total de 9%, o que, embora fosse ligeiramente inferior aos 10% do primeiro mandato, representou um resultado bastante superior ao da região. Entretanto, após oito anos de estabilização, em 2002, o Brasil nunca tinha conseguido ter dois anos consecutivos com um crescimento anual de mais de 3%, e a média de expansão do PIB nos dois governos Cardoso tinha sido de apenas 2,3% a.a. Foi esse desempenho negativo que foi condenado pelo eleitorado em 2002.


218 - Quanto ao desemprego em FHC, avalia-se que a piora foi mesmo no primeiro mandato. Taxa saiu de 5,1 para 7,6%. Porém, no segundo mandato, o cálculo mudou e não teve como comparar. Como as estatísticas de criação de emprego mostram um resultado razoável, o autor acredita que tenha diminuído.



219 - (Vejo que o crescimento do PIB foi puxado pelo mero aumento da PIA e PEA. Não sei onde o pessoal vê ganho de produtividade nesse período. Só se foi no longo prazo).


220 - Mesmo com os superávits fiscais de FHC II (Era do tripé), pode-se dizer que o ajuste foi pela ponta da receita. A despesa primária total do governo central passou de 17% do PIB em 1994, para 18% do PIB em 1998 e 20% do PIB em 2002.


221 - Cita como uma das heranças positivas: a reinserção do Brasil no mundo, através da obtenção de fluxos de IDE de, na média, quase US$20 bilhões/ano nos oito anos, com perspectivas concretas de continuar a serem expressivos nos anos seguintes.


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