Livro: Dalto et al. - Teoria Monetária Moderna - MMT - Capítulos 4 e 5
Livro: Teoria Monetária Moderna – MMT: a chave para uma economia a serviço das pessoas (2020)
Pgs. 91-114
"CAPÍTULO 4: "OS IMPACTOS DA POLÍTICA FISCAL EM ECONOMIAS MONETARIAMENTE SOBERANAS"
39 - O impacto da tributação é de reduzir a quantidade de reservas disponíveis no sistema bancário. O inverso da moeda: ...gastos do Governo ampliam a quantidade de reservas disponíveis no sistema bancário. (...) No caso de déficit orçamentário do Governo, o efeito reserva positivo predomina e há acréscimo de reservas no sistema bancário. Da mesma forma, em caso de superávit orçamentário, o efeito reserva negativo predomina e há redução da quantidade de reservas. (...) caso não haja operações compensatórias, gastos do Governo têm efeito reserva positivo e tributos têm efeito reserva negativo.
40 - As reservas na conta do Tesouro não são contabilizadas em nenhum agregado monetário, pois não são moeda em poder do público. Na realidade, o retorno das reservas ao seu emissor original (o Governo) significa a destruição contábil da moeda que antes estava em poder do público geral.
41 - O aumento das reservas bancárias tende a pressionar as taxas de juros, no mercado interbancário, para baixo.
42 - Instrumento de política monetária para delimitar a taxa de juros: O Banco Central do Brasil, por exemplo, detinha, em outubro de 2018, aproximadamente R$ 1,7 trilhão em títulos da dívida pública emitidos pelo Tesouro Nacional.
43 - ...Então, o aumento de gastos do governo, por exemplo, pode gerar "reservas em excessos" que são "drenadas" pela venda de título público ao banco, o qual tem agora um ativo que paga juros no lugar da reserva. Trata-se de absorver as reservas excessivas que causam desvio da meta de política monetária.
44 - E injeção de liquidez por escassez de reservas em política fiscal contracionista? A injeção de reservas pelo Banco Central pode ser realizada de duas maneiras: executando uma operação de mercado aberto ou realizando empréstimos na janela de desconto. (...) O Banco Central dos EUA (Federal Reserve ), por exemplo, prefere que os bancos emprestem uns aos outros. Enfim, FED prefere comprar título da dívida. Nesse processo de expansionismo: O resultado final da operação de mercado aberto é que o ativo e o passivo do Banco Central crescem em R$ 100, enquanto na carteira de ativos do BB há uma troca de títulos da dívida pública por reservas. As reservas adicionais injetadas no sistema bancário podem ser emprestadas pelo BB aos demais bancos no mercado interbancário, dissipando assim a pressão sobre a taxa de juros.
45 - Na janela de desconto, o Banco Central disponibiliza canal de crédito aos bancos que precisam de reservas, porém, a uma taxa punitiva um pouco acima do cobrado no interbancário. Estabelece-se na janela de desconto, portanto, um teto para a taxa de juros do interbancário.
46 - O Banco Central atua passivamente em relação à quantidade de reservas, pois precisa acomodar a demanda dos bancos por mais ou menos reservas, dada a taxa de juros por ele estabelecida.
47 - ...Quando um déficit orçamentário do Governo cria reservas excessivas no sistema, parte dos próprios bancos a iniciativa de adquirir ativos mais rentáveis que as reservas, o que é feito por meio da compra de títulos da dívida pública que remuneram uma taxa de juros. Da mesma forma, quando a tributação gera escassez de reservas, os bancos precisam vender parte dos seus títulos da dívida pública, para levantar reservas e fazer frente a suas necessidades.
48 - Déficit "de um" como superávit "do outro": Na constatação de equivalência entre os balanços do setor privado e do setor público não há teoria econômica, mas, sim, simples identidade contábil.
49 - ...Este trecho aqui: "...Esse raciocínio também se aplica no caso de o Governo realizar superávit orçamentário. Como há mais reservas debitadas do que reservas creditadas, a poupança privada sofre redução. Para que o Governo possa estar em superávit, o setor privado precisa aceitar a posição de contrapartida, ou seja, estar em déficit. Caso famílias e firmas não aceitem a posição deficitária, procurarão ajustar os respectivos balanços por meio da redução dos próprios gastos (consumo e investimento). Como consequência, há uma diminuição da atividade econômica e da arrecadação tributária (...)" ...A meu ver: contabilmente é verdade, mas economicamente há muito mais coisa aí, seja comportamento da inflação ou apreciação ou depreciação de ativos privados, como os próprio títulos da dívida pública. O governo contracionista pode até aumentar a riqueza privada por efeitos de marcação a mercado. No cenário que imaginaram aí, a contração do governo levaria a uma contração de tudo. Também pode ser. E aí realmente é ruim.
50 - Ativos do setor privado: é comum que as reservas sejam mantidas no balanço do sistema bancário somente na medida em que sejam indispensavelmente necessárias (para compensações bancárias, depósito compulsório e qualquer tipo de pagamento ao Governo). Dentre as opções de ativos financeiros, muitas firmas, famílias e bancos optam por comprar ativos financeiros privados, como títulos de dívida privada, ações de empresas entre outros.
51 - E o impacto do dinheiro em espécie?: Para obter o dinheiro demandado pelo correntista que decide sacar dinheiro em espécie, o banco troca suas reservas por papel-moeda, fornecido pelo Banco Central. A preferência por manter parte significativa da carteira de ativos sob forma de dinheiro em espécie não costuma ser relevante nos países que têm sistemas bancários avançados. Algumas situações específicas podem ampliar o uso do dinheiro em espécie, como o desenvolvimento incipiente do sistema bancário doméstico ou um ambiente de alta inflação. Porém, comumente, a utilização de dinheiro em espécie fica limitada ao uso para pequenas transações (ou atividades ilegais).
52 - A quantidade de reservas adicionadas ao sistema bancário pelo déficit orçamentário que são transformadas em títulos da dívida pública ou em dinheiro em espécie, depende, basicamente, das preferências privadas de composição da carteira de ativos.
53 - Imposto "não financia" o Estado, mas... A tributação pode exercer um importante papel redistributivo.
54 - Curiosamente, com isso eu concordo (e creio que até Marcos Lisboa concorde rs): De nenhuma maneira, os tributos cobrados dos mais ricos são necessários para possibilitar a realização de gastos que beneficiem os mais pobres, ou seja, os gastos que o Governo deseja realizar para beneficiar os mais pobres podem ocorrer a despeito de mudanças na tributação. Minha questão é que a drenagem muito possivelmente será necessária e aí volta o problema. Drenagem como? de quem?
55 - Gastos do governo e mobilização de recursos reais (fechar hiato): ...Isso não significa que o Governo sempre deva tomar a iniciativa de alocar recursos reais, porém, em uma economia com muitos recursos ociosos – por exemplo, com uma elevada taxa de desemprego -, a capacidade do Governo de empregar recursos pode ter papel transformador.
56 - Menciona os chamados "estabilizadores automáticos" da política fiscal. Seguro-desemprego... Menor arrecadação... Com esse desenho, o orçamento do Governo Federal tem saldos negativos (déficits) em períodos de recessão ou baixo crescimento econômico, permitindo saldo positivo ao setor privado. (...) Assim, o déficit do Governo auxilia na retomada da atividade econômica e do emprego.
Pgs. 115-142
"CAPÍTULO 5: "SOBERANIA MONETÁRIA, REGIMES CAMBIAIS E POLÍTICA MACROECONÔMICA"
57 - Possíveis vantagens do câmbio fixo ou mesmo renúncia de um país à soberania monetária: a maior aceitação de sua moeda em circuitos internacionais, controle inflacionário, até reduzir a incerteza proveniente da variação cambial.
58 - O padrão ouro foi a mais disseminada (grande parte dos países operavam nele) e mais duradoura (aproximadamente um século) experiência de regime cambial fixo. (...) Em pouco se diferencia o padrão ouro (e dólar-ouro) de um regime de câmbio fixo contemporâneo, com exceção de que a promessa de conversão seria feita em relação ao metal precioso e hoje é feita, na maioria dos casos, em relação à moeda reserva do sistema, o dólar. E haja reserva internacional para eliminar desconfianças e ataques especulativos!
59 - Para acumular as reservas cambiais essenciais ao funcionamento estável do regime de câmbio fixo, duas opções se colocam: obter superávit em transações correntes ou tomar emprestado no exterior. (...) Caso as reservas cambiais sejam utilizadas para pagar importações de máquinas e equipamentos que incrementem a estrutura produtiva – ampliando a capacidade de exportação e/ou reduzindo a necessidade de importação – do país, por exemplo, o acesso ao crédito externo pode ser considerado benéfico.
60 - Desvalorizações são uma saída possível para crises do câmbio fixo, mas podem ter consequências perversas de ampliação da desconfiança, gerando nova corrida ou aposta especulativa.
61 - Argumentamos que com regras flexíveis de conversão a soberania monetária é completamente restabelecida.
62 - Lembra que a China, com suas enormes reservas, fez funcionar bem o câmbio fixo. Já a Argentina...
63 - A Teoria Monetária Moderna desaconselha os países que não são capazes de gerar volumosos e permanentes superávits em transações correntes – que são a grande maioria – a adotarem estratégias individuais de fixar o câmbio. Ela quer evitar, ao máximo, a necessidade de alguma austeridade, digamos assim. Ter que frear as importações ou algo do tipo. Ou subir juros pra parar câmbio.
64 - Menciona o sistema de "bandas cambiais", que prevaleceu no Brasil até 1999. Não há promessa de conversão em uma taxa fixa, mas havia limites que levavam o BC a intervir.
65 - O regime de câmbio fixo em que a taxa de conversão não flutua é algo ainda mais rígido. Foi o caso da Argentina. O currency board, por sua vez, consiste de uma forma mais rígida de câmbio fixo, na qual o Governo garante a conversibilidade a uma taxa fixa de câmbio ao se comprometer a emitir moeda doméstica somente na medida em que haja entrada de moeda estrangeira. Para ilustrar, imagine que um país adota um currency board com paridade de 1 para 1 com a moeda de reserva internacional. Nesse caso, para que o país emita $1 de sua própria moeda é necessário que haja entrada de $1 da moeda estrangeira. Assim, a paridade cambial e a conversibilidade estão sempre garantidas, apesar de uma perda severa da soberania monetária e da autonomia para realização de políticas monetária e fiscal. Falta flexibilidade para lidar com situações internas.
66 - E a dolarização completa (sem emissão de qualquer moeda nacional)? Em outras palavras, a capacidade de atuar como emprestador de última instância, em casos de crise, fica limitada às reservas acumuladas e ao acesso do Governo a empréstimos no exterior. Não há sequer possibilidade de alteração de uma taxa fixa, já que não há moeda nacional.
67 - Durante o Século XIX, por exemplo, existiram a união monetária latina e a união monetária escandinava, nas quais diversos países compartilhavam uma única moeda, mas elas não se consolidaram em experiências duradouras.
68 - União monetária do Euro: Os bancos centrais nacionais mantiveram a função de operar a compensação entre bancos privados e entre esses e o Tesouro do país. (...) De maneira mais direta, houve uma separação entre a política fiscal e a moeda e, para evitar que o mercado privado force a taxa de juros de títulos emitidos por países “mais fracos”, foram criadas normas rígidas para impedir o crescimento do endividamento dos governos.
69 - As intervenções no mercado de câmbio podem se dar não diretamente por vendas ou compras de moeda estrangeira. Cada vez mais comum, inclusive no caso brasileiro, são intervenções com os swaps cambiais, que são derivativos em que as partes (geralmente o Banco Central e as instituições financeiras) trocam remunerações (juros contra câmbio) que não envolvem diretamente a troca de divisas. Esse tipo de operação torna “operações cambiais” totalmente denominadas em moeda nacional ao não envolver trocas físicas de moeda estrangeira. Para mais detalhes sobre o funcionamento do mercado de câmbio e derivativos cambiais, ver Rossi (2016).
70 - Dólar não é a única moeda forte. Outras moedas nacionais também encontram demanda internacional, embora menor, que permite aos países emissores manterem posição deficitária em transações correntes. Moedas fracas partem de outra realidade: Em caso de déficits em transações correntes que não podem ser pagos com a moeda doméstica porque ela não é aceita fora do país, há necessidade de se tomar moeda estrangeira emprestada ou de se atrair capital estrangeiro.
71 - Situação do Brasil: A demanda por reais no mercado de câmbio ... não é suficiente para sustentar o déficit em transações correntes do país. Consequentemente, o país precisa atrair fluxos de entrada de capital estrangeiro sob variadas formas, inclusive o investimento direto estrangeiro. Caso não seja possível atrair capital estrangeiro, o Governo pode se ver forçado a realizar um ajuste recessivo na economia (por meio de desvalorizações cambiais, aumento da taxa de juros e redução dos gastos públicos) para reduzir o tamanho do déficit ou equilibrar as transações correntes.
72 - A Teoria Monetária Moderna recomenda que os países emitam dívida externa em moeda nacional preferencialmente.
73 - Na maioria dos casos, é preferível que o Governo emita títulos de dívida denominados na moeda doméstica para atrair demanda de investidores estrangeiros a uma taxa determinada pelo Banco Central do que emitir dívida denominada em moeda estrangeira a uma taxa de juros fora de seu controle. Como resultado da emissão de dívida em moeda estrangeira, o Governo acaba assumindo um risco de inadimplência que não precisaria correr.
74 - Modelo de economia aberta da MMT: os déficits públicos (G – T > 0) e os superávits em conta corrente (CAB > 0) são fontes de renda para o setor privado doméstico que, obrigatoriamente, estará, no agregado, acumulando (S > I). O oposto também é verdadeiro: superávits do setor público (G – T < 0) e déficits em conta corrente (CAB < 0) impossibilitam o setor privado doméstico de acumular ativos financeiros.
75 - Colocam que austeridade restringe a política econômica e não é sustentável no longo prazo, eis que, em muitos casos, impediria o setor privado de acumular ativos e poderia até pressionar dívida privada. (Não faz análise aqui de possíveis apreciações e depreciações de ativos...)
76 - Situação insustentável de alguns países: ...cronicamente deficitários no setor externo e com metas fiscais superavitárias só poderiam obter resultados privados estruturalmente negativos, o que eleva a fragilidade financeira da economia.
77 - Algumas objeções podem surgir em relação ao modelo proposto. Um possível argumento contrário é de que o déficit governamental, ao elevar a demanda agregada e, consequentemente, o nível de importações, acabaria por pressionar, também, o saldo em transações correntes e isso implicaria uma restrição para a política econômica autônoma. Entretanto, as consequências de possíveis déficits em transações correntes decorrentes de uma política fiscal expansionista dependem do regime cambial adotado.
78 - A solução dos autores parece ser, resumidamente, a substituição de importações ou talvez limitação das mesmas: ...consiste na utilização plena da soberania monetária do país para promover reformas estruturais de modo a reduzir a necessidade de importações ao mesmo tempo em que se amplie a capacidade de exportações. Além disso, seria importante utilizar as escassas divisas de maneira estratégica com vistas a importar, principalmente, bens que sejam essenciais para a mudança estrutural requerida para o relaxamento da restrição externa.
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