Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 23 e 24
Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)
Pgs. 173-179
"CAPÍTULO 23: "A VISÃO DE FORA"
271 - Conseguiu convencer o Ministério da Educação de Israel a incluir "tomada de decisão" no currículo e montou equipe pra escrever livro. Tudo que podíamos enxergar era um plano razoável que devia produzir um livro em cerca de dois anos, conflitando com estatísticas que indicavam que outras equipes haviam fracassado ou levado um tempo absurdamente longo para completar sua missão. (...) As estatísticas que Seymour forneceu foram tratadas como taxas-base normalmente são — você toma nota e prontamente põe de lado. (...) Após alguns minutos de discussão sem rumo, respiramos fundo e seguimos em frente como se nada tivesse acontecido. O livro acabou sendo completado oito (!) anos depois. A essa altura, eu não vivia mais em Israel e já deixara havia muito tempo de ser parte da equipe, que completou a tarefa após inúmeras vicissitudes imprevisíveis. O entusiasmo inicial com a ideia no Ministério da Educação havia diminuído quando o texto foi entregue e o material nunca veio a ser utilizado.
272 - Por que as estimativas inicias para a tarefa eram tão otimistas? Estávamos fazendo um prognóstico baseado na informação diante de nós — WYSIATI —, mas os capítulos que escrevemos primeiro provavelmente eram mais fáceis que os demais, e nosso comprometimento com o projeto estava provavelmente em seu auge. (Havia dois capítulos já). (...) Os divórcios, as doenças, as crises de coordenadas com as burocracias que atrasavam o trabalho não tinham como ter sido antecipados.
273 - Visão de dentro e visão de fora. O mais intrigante é que, nas coletas individuais de estimativas que precederam a discussão grupal, o próprio Seymour, antes de ser indagado sobre grupos de referência, forneceu estimativa inicial otimista para a tarefa do livro didático. Para um psicólogo, a discrepância entre as duas avaliações de Seymour é chocante. Ele tinha na cabeça todo o conhecimento exigido para estimar as estatísticas de uma classe de referência apropriada, mas chegou à sua estimativa inicial sem nunca usar esse conhecimento.
274 - É digno de nota, contudo, que não achávamos que precisávamos de informação sobre outras equipes para fazer nossas estimativas. Meu pedido de uma visão de fora surpreendeu a todos, inclusive a mim! Esse é um padrão comum: pessoas que detêm informação sobre um caso individual raramente sentem necessidade de saber as estatísticas da classe à qual o caso pertence.
275 - Informação estatística “pálida” é rotineiramente descartada quando é incompatível com as impressões pessoais que a pessoa tem de um caso. Na competição com a visão de dentro, a visão de fora não tem a menor chance.
276 - Amos e eu cunhamos o termo falácia do planejamento para descrever planos e prognósticos que • estão irrealisticamente próximos de hipóteses superotimistas • podem ser melhorados com uma consulta às estatísticas de casos semelhantes.
277 - Um estudo de 2005 examinou projetos de ferrovia empreendidos no mundo todo entre 1969 e 1998. Em mais de 90% dos casos, o número de passageiros projetado para usar o sistema foi superestimado. Ainda que essa defasagem de passageiros tenha sido amplamente divulgada, os prognósticos não melhoraram ao longo desses trinta anos; em média, os planejadores superestimaram quantas pessoas usariam os novos projetos de ferrovias em 106%, e o excedente médio de custos foi de 45%. O acúmulo gradativo de evidência não levou os especialistas a se tornarem mais confiantes nela.
278 - ...Erros no orçamento inicial nem sempre são inocentes. Os autores de planos irrealistas com frequência são movidos pelo desejo de conseguir que o plano seja aprovado — por seus superiores ou por um cliente —, e aproveitando-se do fato de saberem que projetos raramente são abandonados inacabados meramente devido a custos extras ou prazos estourados. Em tais casos, a maior responsabilidade de evitar a falácia do planejamento recai sobre os tomadores de decisão que aprovam o plano. Se eles não reconhecem a necessidade de uma visão de fora, cometem uma falácia do planejamento. Ainda tem isto aqui (vencer uma licitação ou algo do tipo): As organizações enfrentam o desafio de controlar a tendência que os executivos competindo por recursos têm de apresentar planos excessivamente otimistas.
279 - O tratamento para a falácia do planejamento adquiriu atualmente um nome técnico, prognóstico com base na classe de referência (reference class forecasting), e Flyvbjerg o tem aplicado para projetos de transporte em diversos países. Enfim, cabe identificar a classe de referência e colher estatísticas.
280 - As pessoas muitas vezes (mas não sempre) assumem projetos arriscados porque ficam excessivamente otimistas em relação às probabilidades que enfrentam. Vou voltar a essa ideia diversas vezes neste livro — isso provavelmente ajuda a explicar por que as pessoas lutam na justiça, por que começam guerras e por que abrem pequenos negócios.
281 - Não houve qualquer tentativa posterior de fazer um planejamento racional pelo restante do tempo que passei como membro da equipe — uma omissão particularmente preocupante para uma equipe dedicada a ensinar racionalidade. Espero estar mais sensato hoje em dia, e adquiri um hábito de exercitar a visão de fora. Mas nunca vai ser a coisa natural a fazer.
Pgs. 180-187
"CAPÍTULO 24: "O MOTOR DO CAPITALISMO"
282 - Uma atitude otimista é em grade parte herdada, e é parte de uma disposição geral para o bem-estar, que também pode incluir uma preferência por enxergar o lado bom de tudo. Se lhe fosse concedido um único desejo para seu filho, considere seriamente desejar que ele ou ela seja uma pessoa otimista. Otimistas são normalmente pessoas alegres e felizes, e portanto populares; são pessoas resilientes e adaptáveis aos fracassos e dificuldades, suas chances de depressão clínica são reduzidas, seu sistema imune é mais forte, elas cuidam melhor da saúde, sentem-se mais saudáveis do que os demais e de fato têm probabilidade de viver mais. Um estudo sobre pessoas que ampliam sua expectativa de vida para além das previsões atuariais revelou que elas trabalham mais horas, são mais otimistas sobre sua renda futura, têm maior probabilidade de voltar para casar após o divórcio (o clássico “triunfo da esperança sobre a experiência”) e são mais propensas a apostar na compra de ações individuais. Claro que as bênçãos do otimismo se oferecem unicamente a indivíduos que são apenas medianamente propensos e que são capazes de “acentuar o positivo” sem perder o pé na realidade. Têm impacto desproporcionalmente grande em nossas vidas. Chegaram aonde chegaram procurando desafios e assumindo riscos. (...) Suas experiências de sucesso confirmaram a fé deles em seu próprio juízo e em sua capacidade de controlar eventos. Sua autoconfiança é reforçada pela admiração dos outros.
283 - Como interpretam errado os riscos, os empresários otimistas muitas vezes acreditam que são prudentes, mesmo quando não o são. Sua confiança no sucesso futuro sustenta um estado de espírito positivo que os ajuda a obter recursos junto a outras pessoas, eleva o moral de seus empregados e acentua suas perspectivas de triunfo. Quando agir é necessário, otimismo, mesmo da variedade moderadamente delirante, pode ser algo bom.
284 - As chances de que um pequeno negócio sobreviva por cinco anos nos Estados Unidos são de cerca de 35%. Mas os indivíduos que abrem esse tipo de negócio não acreditam que as estatísticas se apliquem a eles. Um estudo descobriu que os empresários americanos tendem a acreditar que estão numa linha de negócios promissora: sua estimativa média das chances de sucesso para “qualquer negócio como o seu” foi de 60% — quase o dobro do valor verdadeiro. O viés era ainda mais flagrante quando as pessoas avaliavam as chances de seu próprio empreendimento. Pelo menos 81% dos empresários punha suas próprias chances de sucesso em sete ou mais, numa escala de dez, e 33% disseram que suas chances de fracasso eram zero.
285 - Uma impressionante série de estudos feitos por Thomas Åstebro lança luz sobre o que acontece quando otimistas recebem más notícias. Ele extraiu seus dados de uma organização canadense — o Inventor’s Assistance Program (Programa de assistência ao inventor) — que cobra uma pequena taxa para suprir inventores com uma avaliação objetiva das perspectivas comerciais de sua ideia. As avaliações se apoiam em classificações cuidadosas de cada invenção com base em 37 critérios, incluindo necessidade do produto, custo de produção e tendência estimada de demanda. A análise resume suas classificações com notas por letras, na qual D e E preveem fracasso — previsão feita para mais de 70% das invenções que eles analisam. Os prognósticos de fracasso são notavelmente precisos: apenas cinco de 411 projetos que receberam a nota mais baixa conseguiram ser comercializados, e nenhum teve sucesso. Resultado do estudo com esse pessoal da nota baixa? 47% deles prosseguiu em seus esforços de desenvolvimento mesmo após terem sido informados de que seu projeto não tinha chance, e em média esses indivíduos persistentes (ou obstinados) dobraram suas perdas iniciais antes de desistir.
286 - ...No geral, o retorno com invenção privada foi pequeno, “mais baixo do que o retorno com private equity e títulos de alto risco”. De modo mais geral, os benefícios financeiros do autoemprego são medíocres: consideradas as mesmas qualificações, as pessoas conquistam retornos médios mais elevados antes vendendo suas capacidades para empregadores do que trabalhando por conta própria. A evidência sugere que o otimismo é disseminado, teimoso e custoso.
287 - Líderes de grandes negócios às vezes fazem apostas imensas em fusões e aquisições caras, agindo na crença errônea de que são capazes de lidar com os ativos de outra empresa melhor do que os proprietários atuais. O mercado de ações normalmente reage desvalorizando a empresa que foi adquirida, pois a experiência mostrou que esforços para integrar grandes firmas com mais frequência fracassam do que são bem-sucedidos. As aquisições mal direcionadas foram explicadas por uma “hipótese do orgulho excessivo” (“hubris hypothesis”): os executivos da firma adquirente são simplesmente menos competentes do que pensam que são.
288 - ...Os economistas Ulrike Malmendier e Geoffrey Tate identificavam CEOs otimistas pela quantidade de ações da empresa que detinham pessoalmente e observaram que líderes altamente otimistas assumiam riscos excessivos. Eles preferiam contrair dívidas do que emitir ações do patrimônio líquido e eram mais propensos do que outros a “pagar demais pelas empresas alvo e executar fusões que degradavam o valor. Notavelmente, o estoque de ações da empresa adquirente sofria substancialmente mais nas fusões se o CEO era excessivamente otimista, pelo padrão dos autores.”.
289 - Os autores escrevem: “Descobrimos que empresas com CEOs ganhadores de prêmios subsequentemente apresentam desempenho abaixo do esperado, em termos tanto de ações como de performance operacional. Ao mesmo tempo, a remuneração do CEO aumenta, os CEOs passam mais tempo em atividades longe da empresa, como escrevendo livros e participando de conselhos consultivos para outras companhias, e há maior probabilidade de que se envolvam em gerenciamento de resultados.”
290 - Essas histórias são massa rs: ...Os donos eram um encantador casal de jovens que precisaram de pouco incentivo para nos contar sua história. Eram ex-professores de escola na província de Alberta; haviam decidido mudar de vida e usaram todo o dinheiro de sua poupança para comprar aquele hotel, que fora construído 12 anos antes. Disseram-nos sem o menor traço de ironia ou constrangimento que conseguiram pagar barato, “porque os seis ou sete proprietários anteriores haviam fracassado na tentativa de tocar o lugar”. Também nos contaram sobre os planos de obter um empréstimo para tornar o estabelecimento mais convidativo, construindo um restaurante ao lado. Não sentiram a menor necessidade de explicar por que esperavam ser bem-sucedidos onde seis ou sete outras pessoas haviam fracassado. Uma linha comum de ousadia e otimismo liga pessoas de negócios, de donos de hotel a CEOs superstars.
291 - Isso cria problemas práticos de política, já que toda essa galera demanda incentivos estatais. Por exemplo: O governo deve fornecer empréstimos para candidatos a empresários que provavelmente levarão a si próprios à falência em poucos anos? Muitos economistas comportamentais sentem-se à vontade com os procedimentos “paternalistas libertários” que ajudam as pessoas a aumentar o ritmo em que economizam para além do que fariam se deixadas por conta própria. Por um lado, há incentivo a uma prática geralmente boa e criadora de grandes sucessos: o otimismo. Por outro, a maioria dos otimistas se "ferra".
292 - Relata as armadilhas e ilusões que o "Sistema 1" cria em todo esse processo:
293 - A observação de que “90% dos motoristas acredita ser melhor do que a média” é uma constatação psicológica amplamente aceita que já se tornou parte da cultura. Isso é porque as pessoas, depois que aprendem a dirigir, acham "fácil" a tarefa, pois se saem até bem nela. Era só ter experiência. É efeito substituição pela pergunta mais simples "Você é bom motorista?". Não é autoexaltação, pois, em tarefas difíceis, o resultado é oposto. A evidência da interpretação cognitiva do efeito acima da média é que quando se pergunta às pessoas sobre uma tarefa que achem difícil (para muitos de nós poderia ser “Você é melhor do que a média em iniciar uma conversa com estranhos?”), elas na mesma hora se classificam como abaixo da média.
294 - Coloca que pequenos empreendedores focam no que sabe: o potencial deles mesmos, de seu esforço. Ocorre, porém, que boa parte do sucesso vem de fatores externos. Movimentos do mercado como um todo e planos e projetos dos rivais/competidores. A pessoa pode trabalhar bem e se dar mal.
295 - Durante vários anos, professores na Duke University conduziram um estudo em que os diretores financeiros (CFOs) de grandes corporações estimavam os retornos do índice Standard & Poor’s para o ano seguinte. Os estudiosos da Duke coligiram 11.600 desses prognósticos e examinaram sua acurácia. A conclusão foi inequívoca: os diretores financeiros das grandes corporações não faziam a menor ideia do futuro a curto prazo do mercado de ações; a correlação entre suas estimativas e o valor verdadeiro foi ligeiramente inferior a zero! Quando diziam que o mercado ia entrar em baixa, era ligeiramente mais provável que o mercado ficasse em alta. Essas descobertas não surpreendem. A verdadeira má notícia é que os CFOs não pareciam saber que suas previsões não valiam nada.
296 - Os autores calcularam os intervalos de confiança que teriam reduzido a incidência de surpresas a 20%. Os resultados foram notáveis. Para manter a taxa de surpresas no nível desejado, os CFOs deveriam ter dito, ano após ano: “Há uma chance de 80% de que o retorno S&P no próximo ano ficará entre -10% e +30%.” O intervalo de confiança que reflete adequadamente o conhecimento dos CFOs (mais precisamente, sua ignorância) é mais de quatro vezes maior do que os intervalos que eles de fato declararam. (...) A psicologia social entra em cena aqui, pois a resposta que um CFO sincero daria é absolutamente ridícula. Um CFO que informe seus colegas de que “há uma boa chance de que os retornos S&P ficarão entre -10% e +30%” pode esperar gargalhadas na sala. O intervalo de confiança muito amplo é uma confissão de ignorância, algo socialmente inaceitável para alguém que é pago para mostrar conhecimento em assuntos financeiros. Mesmo que soubessem como sabem pouco, os executivos seriam penalizados por admiti-lo.
297 - Um estudo de pacientes que morreram na UTI comparou resultados de autópsia com os diagnósticos feitos pelos médicos quando os pacientes ainda estavam vivos. Os médicos informavam ainda seu grau de confiança. Resultado: “clínicos que estavam ‘absolutamente certos’ do diagnóstico antemortem erraram em 40% das vezes”. Aqui, mais uma vez, a superconfiança do especialista é encorajada pelos seus clientes: “De modo geral, é considerado fraqueza e sinal de vulnerabilidade que um médico mostre insegurança. Confiança tem mais valor do que incerteza e predomina uma censura contra a revelação de incerteza para os pacientes.”
298 - Um exemplo muitas vezes citado é o de que os geólogos da Royal Dutch Shell 19 ficaram menos superconfiantes em suas avaliações de possíveis locais de perfuração após um treinamento com inúmeros casos passados dos quais se sabia o resultado. Em outras situações, a superconfiança foi mitigada (mas não eliminada) quando juízes foram encorajados a considerar hipóteses concorrentes. Porém, superconfiança é uma consequência direta das características do Sistema 1 que podem ser domadas — mas não vencidas. O principal obstáculo é que a confiança subjetiva é determinada pela coerência da história que a pessoa construiu, não pela qualidade e quantidade da informação que a sustenta.
299 - Para se livrar dessas tendências, Klein propõe um exercício "pré-mortem": Klein propõe juntar para uma breve reunião um grupo de indivíduos que estejam informados sobre ela. A premissa da reunião é um curto comunicado: “Imaginem que estamos um ano no futuro. Implementamos o plano tal como existe hoje. O resultado foi um desastre. Queiram por favor reservar de cinco a dez minutos para escrever um breve histórico desse desastre.” (...) ele supera o pensamento de grupo que afeta muitas equipes assim que uma decisão parece ter sido tomada e dá asas à imaginação dos indivíduos informados para que voem em uma direção extremamente necessária. (...) A principal virtude do pré-mortem é que ele legitima as dúvidas.
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