Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 36, 37 e 38

                                                                         

Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)



Pgs. 270-273


"CAPÍTULO 36: "A VIDA COMO UMA NARRATIVA"


434 - Os últimos minutos de vida. Exemplifica com a dramática história de La Traviata, de Verdi. Deu spoiler, mas acho que nunca assistiria mesmo... Por que nos importamos tanto com esses últimos dez minutos? Percebi rapidamente que eu não dava a menor importância ao restante da vida de Violetta. Se me fosse informado que ela morreu com 27 anos, e não com 28, como eu acreditava, a notícia de que havia perdido um ano de vida feliz não teria me comovido em nada, mas a possibilidade de que perdesse os últimos dez minutos importava um bocado. (...) Uma história é sobre eventos significativos e momentos memoráveis, não sobre a passagem do tempo. A negligência com a duração é normal em uma narrativa, e o fim muitas vezes define seu caráter.


435 - É uma coisa intrigante mesmo: Sentimos pena de um homem que morreu acreditando que sua esposa ainda o amava, ao saber que ela teve um amante por muitos anos e continuou com o marido apenas pelo dinheiro. Sentimos pena do marido mesmo ele tendo vivido uma vida feliz. (...) O psicólogo Ed Diener e seus alunos se perguntaram se a negligência com a duração e a regra do pico-fim governariam avaliações de vidas inteiras.


436 - O experimento com a "desejabilidade" no que se refere à vida da personagem fictícia Jen é inacreditável: ..."dobrar a duração da vida de Jen não teve o menor efeito na desejabilidade de sua vida, ou nos julgamentos sobre a felicidade total que Jen experimentou". É muita negligência, já que a vida foi descrita como boa. (...) sua “felicidade total” foi a felicidade de um período típico em sua vida, não a soma (ou integral) de felicidade pela duração de sua vida. E tem mais: Acrescentar cinco anos “ligeiramente felizes” a uma vida muito feliz causou uma queda substancial nas avaliações da felicidade total dessa vida. Creio que tudo isso tenha sido fruto de avaliações isoladas, mesmo assim impressiona.


437 - ...Pois bem...: Por insistência minha, eles também colheram dados sobre o efeito dos cinco anos extras em um experimento intrassujeito; cada participante emitiu os dois julgamentos em imediata sucessão. A despeito de minha longa experiência com erros de julgamento, eu não acreditava que pessoas racionais podiam dizer que acrescentar cinco anos ligeiramente felizes a uma vida a tornariam substancialmente pior. Eu estava errado. A intuição de que os decepcionantes cinco anos extras tornavam a vida toda pior foi esmagadora.


438 - ...O padrão de julgamentos pareceu tão absurdo que Diener e seus alunos inicialmente acharam que isso representava a tolice típica dos jovens que tomavam parte em seus experimentos. Entretanto, o padrão não mudou quando os pais e amigos mais velhos dos alunos responderam às mesmas perguntas. (...) A mesma série de experimentos também testou pela regra do pico-fim na vida infeliz e encontrou resultados semelhantes: Jen não foi considerada duas vezes mais infeliz se vivesse miseravelmente por 60 anos em vez de 30, mas foi considerada consideravelmente mais feliz se 5 anos moderadamente miseráveis fossem acrescentados pouco antes de sua morte.


439 - Mais tirania do eu recordativo: ...bater fotos não necessariamente é o melhor modo de o eu experiencial do turista apreciar uma vista.


440 - Ed Diener e sua equipe forneceram evidência de que é o eu recordativo que escolhe as férias. Eles pediram a estudantes para escrever diários e registrar uma avaliação diária de suas experiências durante as férias. Os estudantes forneceram também uma classificação global das férias quando elas terminaram. Finalmente, indicaram se pretendiam ou não repetir as férias que haviam acabado de ter. A análise estatística determinou que as intenções para as férias futuras foram inteiramente determinadas pela avaliação final — mesmo quando essa pontuação não representou precisamente a qualidade da experiência que haviam descrito nos diários. Como no experimento da mão gelada, certo ou errado, as pessoas escolhem por lembrança quando decidem se querem ou não repetir uma experiência.


441 - Que loucura rs!: Para outro experimento mental, imagine que você está diante de uma cirurgia dolorosa durante a qual vai permanecer consciente. Eles lhe explicam que você vai gritar de dor e implorar que o cirurgião pare. Contudo, prometem a você um medicamento indutor de amnésia que varrerá completamente qualquer lembrança do episódio. Como você se sente diante dessa perspectiva? Aqui, mais uma vez, minha observação informal é de que a maioria das pessoas se revela notavelmente indiferente aos sofrimentos do seu eu experiencial. Alguns dizem que não dão a menor importância. Outros partilham de meu sentimento, que é de que sinto pena de meu eu sofrendo, mas não mais do que sentiria de um estranho em sofrimento. Por mais estranho que pareça, eu sou meu eu recordativo, e o eu experiencial, que vive de fato minha vida, é como um estranho para mim.



Pgs. 274-278


"CAPÍTULO 37: "BEM-ESTAR EXPERIMENTADO"


442 - Desenvolveu, junto a um "dream team", um método de avaliação períodica de bem-estar, recordando o dia anterior em detalhes/períodos. Descreve a cuidadosa experiência lá no livro. Exemplo: ...Chamávamos um episódio de desagradável se um sentimento negativo recebia uma classificação mais elevada do que todos os sentimentos positivos. Descobrimos que as mulheres norte-americanas passam em torno de 19% do tempo em um estado de desagrado, proporção um pouco mais elevada do que as francesas (16%) ou dinamarquesas (14%).


443 - Uma observação surpreendente foi a extensão da desigualdade na distribuição de dor emocional. Cerca de metade das nossas participantes relataram ter passado um dia inteiro sem experimentar um episódio desagradável. Por outro lado, uma minoria significativa da população vivenciou considerável aflição emocional durante grande parte do dia. Ao que parece, uma pequena fração da população arca com a maior parte do sofrimento — seja devido a alguma enfermidade física ou mental, um temperamento infeliz ou aos azares e tragédias pessoais em sua vida.


444 - Diferenças culturais: A maior surpresa foi a experiência emocional do tempo gasto com os filhos, que para as mulheres norte-americanas era ligeiramente menos agradável do que fazer o serviço doméstico. Aqui encontramos um dos poucos contrastes entre mulheres francesas e norte-americanas: as francesas passam menos tempo com os filhos, mas aproveitam mais, talvez porque tenham mais acesso a serviços de cuidados infantis e passem menos tempo durante o dia levando as crianças de carro de uma atividade para outra.


445 - Da perspectiva social, melhoria do transporte público para a força de trabalho, disponibilidade de creches para as mulheres que trabalham fora e melhoria das oportunidades de socialização para a terceira idade podem ser maneiras relativamente eficientes de reduzir o índice U da sociedade — até mesmo uma redução de um por cento seria uma conquista significativa, somando milhões de horas de prevenção de sofrimento.


446 - Sobre pesquisas do Gallup: As amostras gigantes permitem análises extremamente refinadas, o que tem confirmado a importância dos fatores circunstanciais, saúde física e contato social para o bem-estar experimentado. Não é de surpreender que uma dor de cabeça torne a pessoa infeliz e que o segundo melhor prognosticador dos sentimentos de um dia seja se uma pessoa teve ou não contatos com amigos ou parentes. É apenas um leve exagero dizer que felicidade é a experiência de passar o tempo com as pessoas que você ama e que amam você.


447 - Avaliação de vida nem sempre bate com a medição do índice de bem-estar experimentado: Maior grau de instrução está associado com avaliação mais elevada da vida, mas não com um maior bem-estar experimentado. Na verdade, pelo menos nos Estados Unidos, pessoas com maior instrução tendem a relatar maior estresse.


448 - Dinheiro compra a felicidade? Só se evita a pobreza. Os dados são claros em mostrar sofrimento bem maior entre os pobres. Entretanto, a partir de certo nível de renda, o dinheiro praticamente deixa de fazer muita diferença: O nível de saciedade além do qual o bem-estar experimentado para de crescer era uma renda familiar de cerca de 75 mil dólares anuais em áreas de custo elevado (podia ser menos em áreas onde o custo de vida é menor). (...) Uma interpretação plausível é de que maior renda está associada com uma capacidade reduzida de usufruir os pequenos prazeres da vida. Há sugestiva evidência a favor dessa ideia: em estudantes estimulados pela ideia de riqueza, o prazer que seus rostos expressam ao comer uma barra de chocolate é reduzido! 


449 - ...Renda mais elevada traz consigo satisfação mais elevada, muito além do ponto em que deixa de ter qualquer efeito positivo na experiência. A conclusão geral é tão clara para o bem-estar quanto foi para colonoscopias: a avaliação que as pessoas fazem de suas vidas e a experiência real podem estar relacionadas, mas também são diferentes. Satisfação de vida não é uma medição imperfeita de seu bem-estar experimentado, como eu pensava alguns anos atrás. É algo completamente diferente.



Pgs. 279-285


"CAPÍTULO 38: "PENSANDO SOBRE A VIDA"


450 - Satisfação com a vida e casamento:



451 - No dia do casamento, a noiva e o noivo sabem que a taxa de divórcio é elevada e que a incidência de decepção com o cônjuge é ainda mais elevada, mas não acreditam que essas estatísticas se apliquem a eles.


452 - A avaliação da vida talvez não mereça, porém, status de sentimento 100% real, digamos assim rs. As respostas para muitas questões simples podem ser colocadas no lugar de uma avaliação global da vida. Lembre-se do levantamento em que estudantes a quem fora perguntado quantos encontros haviam tido no mês anterior relataram sobre sua “felicidade ultimamente” como se sair com alguém fosse o único fato significativo em suas vidas.


453 - Em outro conhecido experimento nessa mesma linha, Norbert Schwarz e seus colegas convidaram os voluntários ao laboratório para preencher um questionário sobre seu grau de satisfação com a vida 4 . Antes que iniciassem a tarefa, porém, ele lhes pedia para fotocopiar uma folha de papel para ele. Metade dos participantes encontrava uma moeda de dez centavos sobre a máquina, plantada ali pelo pesquisador. O pequeno episódio de sorte ocasionava uma melhoria notável no grau de satisfação com a vida como um todo informado pelos participantes! Uma heurística do humor é um modo de responder a perguntas sobre satisfação com a vida.


454 - Nos estudos do DRM, não há diferença global no bem-estar experimentado entre as mulheres que conviveram com um parceiro e as que não conviveram. (...) O bem-estar experimentado na média não é influenciado pelo casamento, não porque o casamento não faz diferença para a felicidade, mas porque ele muda determinados aspectos da vida para melhor, e outros para pior.


455 - Um dos motivos para as baixas correlações entre as circunstâncias dos indivíduos e sua satisfação com a vida é que tanto a felicidade vivenciada como a satisfação com a vida são amplamente determinadas pela genética do temperamento. A disposição para o bem-estar é uma característica tão hereditária quanto altura ou inteligência, como demonstrado por estudos de gêmeos separados no nascimento. Pessoas que parecem igualmente afortunadas variam enormemente no grau de felicidade.


456 - Experimento em que pediram metas de vida aos universitários para serem avaliadas quase vinte anos depois. Metas fazem uma grande diferença. Dezenove anos após terem declarado suas aspirações financeiras, muitas pessoas que desejavam uma renda alta haviam conseguido obtê-la. Entre os 597 médicos e outros profissionais de medicina na mesma amostra, por exemplo, cada ponto adicional na escala de importância do dinheiro estava associado a um incremento de mais de 14 mil dólares de renda no trabalho, em dólares de 1995! Mulheres casadas que não trabalhavam também tendiam a exibir satisfação com suas ambições financeiras. Cada ponto na escala se traduzia em mais de 12 mil dólares de renda doméstica somada para essas mulheres, evidentemente por intermédio dos ganhos de seus esposos. (...) As pessoas que queriam dinheiro e conseguiram estavam significativamente mais satisfeitas do que a média; as que queriam dinheiro e não conseguiram estavam significativamente mais insatisfeitasO mesmo princípio se aplica a outras metas — uma receita para uma idade adulta insatisfeita é estabelecer metas que sejam particularmente difíceis de atingir. Medida pela satisfação de vida vinte anos depois, a meta menos promissora que uma pessoa jovem podia ter tido era “mostrar talento em alguma arte”.


457 - ...Em parte devido a essas descobertas, mudei de ideia sobre a definição de bem-estar. As metas que as pessoas estabelecem para si são tão importantes para o que elas fazem e para como se sentem em relação a isso que um foco exclusivo no bem-estar experimentado não se sustenta. Não podemos defender um conceito de bem-estar que ignore o que as pessoas querem. Por outro lado, também é verdade que um conceito de bem-estar que ignore como as pessoas se sentem enquanto vivem e se concentre apenas em como se sentem quando pensam a respeito de sua vida também é insustentável. Temos de aceitar as complexidades de uma visão híbrida, em que o bem-estar de ambos os eus seja considerado.


458 - A "ilusão de foco": Nada na vida é tão importante quanto você pensa que é quando você está pensando a respeito.


459 - Diferenciação sutil que Kahneman não diz só ter feito recentemente: Satisfação com a vida refere-se aos seus pensamentos e sentimentos quando você pensa a respeito de sua vida, o que acontece ocasionalmente — incluindo em estudos sobre bem-estar. A felicidade descreve os sentimentos que as pessoas têm quando vivem sua vida normal.


460 - O clima não era um determinante importante do bem-estar. Na verdade, não havia a menor diferença entre o grau de satisfação com a vida dos estudantes da Califórnia e do Meio-Oeste. A supervalorização do clima nessa questão vem de uma ilusão de foco. A essência da ilusão de foco é WYSIATI, dar peso demais ao clima, e de menos a todos os demais determinantes do bem-estar. (...) Quando lhe perguntam sobre a felicidade dos californianos, você provavelmente invoca uma imagem de alguém tomando parte em algum aspecto distintivo da experiência de viver na Califórnia, como caminhar no verão ou admirar o ameno clima de inverno. A ilusão de foco surge porque os californianos na verdade passam pouco tempo envolvidos nesses aspectos de sua vida. Além do mais, californianos de longa data dificilmente vão pensar no clima quando lhes for solicitada uma avaliação global de suas vidas. Se você morou lá toda a sua vida e não viaja muito, viver na Califórnia é como ter dez dedos nos pés.


461 - Coloca que, de certa forma, mesmo o paraplégico vai se adaptando à nova situação (...observações detalhadas revelam que os paraplégicos exibem razoável bom humor mais da metade do tempo já um mês após seu acidente — embora o humor deles fique certamente sombrio quando pensam em sua situação). Algumas situações são mais difíceis: ...As principais exceções são dor crônica, exposição constante a ruído alto e depressão severa. (...) Adaptação a uma nova situação, tanto boa como má, consiste em grande parte em pensar cada vez menos a respeito.


462 - Beruria Cohn colheu e analisou dados de uma empresa de pesquisa que pedia aos consultados para estimar a proporção de tempo que os paraplégicos passavam de mau humor. Ela dividiu os pesquisados em dois grupos: um era informado de que o acidente incapacitante ocorrera um mês antes, o outro, um ano antes. Além disso, cada participante dizia se conhecia um paraplégico pessoalmente. Os dois grupos mostraram ampla concordância em seu julgamento sobre os paraplégicos recentes: os que conheciam um paraplégico estimaram 75% de mau humor; os que tiveram de imaginar um paraplégico disseram 70%. Por outro lado, os dois grupos diferiram acentuadamente em suas estimativas do humor dos paraplégicos um ano após os acidentes: os que conheciam um paraplégico sugeriram 41% como sua estimativa do tempo passado nesse mau humor. As estimativas dos que não estavam pessoalmente familiarizados com um paraplégico foram em média de 68%. Evidentemente, os que conheciam um paraplégico haviam observado o gradual afastamento de atenção de sua própria condição, mas outros não previram que essa adaptação ocorreria. Julgamentos sobre o humor de ganhadores da loteria um mês e um ano após o evento mostraram exatamente o mesmo padrão.


463 - Podemos esperar que a satisfação de vida entre paraplégicos e outras condições crônicas e opressivas seja baixa relativamente ao seu bem-estar experimentado, pois o pedido de que avaliem suas vidas os lembrará inevitavelmente da vida dos outros e da vida que costumavam levar. De forma consistente com essa ideia, estudos recentes de pacientes de colostomia 15 produziram inconsistências dramáticas entre o bem-estar experimentado dos pacientes e sua avaliação sobre as próprias vidas. A amostragem da experiência não exibe diferença em felicidade vivenciada entre esses pacientes e uma população saudável. E contudo pacientes de colostomia estariam dispostos a trocar anos de sua vida por uma vida mais curta sem a colostomia. Além do mais, pacientes cuja colostomia foi revertida lembram de seu período nessa condição como horrível, e abririam mão ainda mais de sua vida restante para não ter de voltar a ela. Aqui parece que o eu recordativo está sujeito a uma ilusão de foco maciça sobre a vida que o eu experiencial suporta bastante confortavelmente.


464 - Compare dois compromissos que vão mudar alguns aspectos de sua vida: comprar um confortável carro novo e integrar um grupo que se encontra semanalmente, digamos, para um jogo de pôquer ou um clube do livro. Ambas as experiências serão uma novidade e trarão empolgação no começo. A diferença crucial é que você acabará prestando pouca atenção no carro conforme o utiliza, mas sempre estará ligado na interação social com a qual se comprometeu. Por WYSIATI, você tende a exagerar os benefícios de longo prazo do carro, mas é improvável que cometa o mesmo equívoco com uma reunião social ou com atividades que inerentemente exigem sua atenção, como jogar tênis ou aprender a tocar violoncelo. A ilusão de foco cria um viés em favor dos bens e experiências que são inicialmente empolgantes, mesmo que no fim das contas eles percam seu apelo. O tempo é negligenciado, fazendo com que as experiências que irão conservar seu valor de atenção a longo prazo sejam menos apreciadas do que merecem.


465 - No modo narrador de histórias, um episódio é representado por alguns poucos momentos críticos, especialmente o início, o pico e o fim. A duração é negligenciada.


466 - Descobrimos também que a palavra felicidade não possui um significado simples e não deve ser usada como se possuísse. Às vezes o progresso científico nos deixa mais confusos do que estávamos antes.



Pgs. 286-293


"CONCLUSÃO"


467 - Ainda perplexo com o eu recordativo: Em um antigo experimento, o estudo da mão gelada, a combinação da negligência com a duração e da regra do pico-fim levou a escolhas que eram manifestamente absurdas. Por que as pessoas iriam se expor de livre e espontânea vontade a sofrimento desnecessário.


468 - O eu recordativo é uma construção do Sistema 2. Entretanto, os traços distintivos do modo como ele avalia episódios e vidas são característicos de nossa memória. A negligência com a duração e a regra do pico-fim originam-se no Sistema 1 e não necessariamente correspondem aos valores do Sistema 2. Acreditamos que a duração é importante, mas nossa memória nos diz que não é.


469 - A negligência com a duração, combinada à regra do pico-fim, ocasiona um viés que favorece antes um curto período de intensa alegria do que um longo período de felicidade moderada. A imagem espelhada do mesmo viés nos faz temer um período curto de sofrimento tolerável porém intenso mais do que temer um período muito mais prolongado de sofrimento moderado. A negligência com a duração também nos torna propensos a aceitar um longo período de desprazer moderado porque o fim será melhor, e favorece abrir mão de uma oportunidade para um período prolongado e feliz se houver a probabilidade de que ele tenha um final ruim.


470 - Repete que tem que haver uma conciliação entre os interesses dos dois eus.


471 - Quanto de política pública vai para qual questão? As medidas de bem-estar podem ajudar a decidir isso? Hoje é concebível, algo que nem sequer se cogitava há poucos anos, que um índice da quantidade de sofrimento na sociedade venha a ser um dia incluído nas estatísticas nacionais, a exemplo das taxas de desemprego, incapacitação física e renda. Esse projeto já fez um grande progresso.


472 -  Racionalidade é coerência lógica — seja ela razoável ou nãoEcons são racionais por essa definição, mas há evidências esmagadoras de que os Humanos não podem ser. Um Econ não seria suscetível a priming, WYSIATI, enquadramento estreito, visão de dentro ou reversões de preferência, coisa que os Humanos são incapazes de evitar de forma consistente.


473 - Políticas públicas devem ajudar as pessoas? Tal como interpretado pela importante escola econômica de Chicago, a fé na racionalidade humana está estreitamente ligada a uma ideologia em que é desnecessário e até imoral proteger as pessoas contra suas escolhas. Pessoas racionais devem ser livres, e devem ser responsáveis por cuidar de si mesmas. Milton Friedman, o principal pensador dessa escola, expressou essa visão no título de um de seus populares livros: Liberdade de escolher.


474 - A fé na racionalidade: ...Certa vez ouvi Gary Becker, um dos autores daquele artigo, que é também um membro da escola de Chicago laureado com o Nobel, defender numa veia um pouco mais leve, mas não inteiramente como uma piada, que deveríamos considerar a possibilidade de explicar a assim chamada epidemia de obesidade pela crença das pessoas de que uma cura para o diabetes em breve estará disponível. Seu argumento era valioso: quando observamos as pessoas agindo de maneiras que parecem estranhas, devemos primeiro examinar a possibilidade de terem uma boa razão para fazer o que fazem. Interpretações psicológicas só devem ser invocadas quando as razões se tornam implausíveis — o que a explicação de Becker para a obesidade provavelmente é. (...) A decisão de proteger ou não os indivíduos contra seus erros apresenta desse modo um dilema para os economistas comportamentais. Os economistas da escola de Chicago não enfrentam esse problema, pois os agentes racionais não cometem enganos.


475 - Thaler e Sunstein defendem uma posição de paternalismo libertário, em que se permite que o Estado e outras instituições deem um empurrão nas pessoas para que elas tomem decisões que sirvam a seus próprios interesses de longo prazo. A indicação para integrar um plano de aposentadoria como opção default é exemplo desse cutucão ou empurrãozinho. É difícil argumentar que a liberdade de alguém ficará diminuída ao participar automaticamente de um plano, quando tudo que as pessoas têm a fazer é ticar um campo excluindo-as da proposta. Como vimos antes, o enquadramento da decisão do indivíduo — Thaler e Sunstein chamam isso de arquitetura da escolha — exerce um efeito enorme no resultado.


476 - Humanos, mais do que Econs, também necessitam ser protegidos de outros que deliberadamente exploram suas fraquezas — e sobretudo as idiossincrasias do Sistema 1 e a preguiça do Sistema 2.


477 - Este livro descreveu o funcionamento da mente como uma interação desajeitada entre dois personagens fictícios: o Sistema 1 automático e o Sistema 2 laborioso. Não existem de fato, mas é um recurso usado por Kahneman para se fazer entender. Tipo um "tipo ideal" rs.


478 - O atento Sistema 2 é quem pensamos que somos.


479 - Sistema 1 substituindo a pergunta quando não sabe exatamente a resposta: Nessa concepção de heurística, a resposta heurística não é necessariamente mais simples ou mais frugal do que a pergunta original — é apenas mais acessível, calculada com maior rapidez e facilidade. As respostas heurísticas não são aleatórias, e muitas vezes estão aproximadamente corretas. E às vezes, completamente erradas. (...) Respostas intuitivas vêm à mente com rapidez e confiança, sejam originadas das habilidades, sejam da heurística.


480 - Como sei por experiência, o Sistema 1 não é prontamente educável. A não ser por alguns efeitos que atribuo na maior parte à idade, meu pensamento intuitivo é tão propenso a superconfiança, previsões extremas e falácia do planejamento quanto era antes que eu estudasse essas questões. Melhorei apenas em minha capacidade de reconhecer situações em que os erros são prováveis: “Este número vai ser uma âncora…”, “A decisão poderia ser outra se o problema for reenquadrado…” E fiz muito mais progresso em reconhecer os erros dos outros que os meus próprios. (...) procure reconhecer os sinais de que você está pisando em um campo minado cognitivo, reduza a velocidade e peça apoio do Sistema 2Eis como você irá proceder quando se deparar da próxima vez com a ilusão de Müller-Lyer. Quando olhar para linhas com aletas que apontam em diferentes direções, vai reconhecer a situação como um caso em que não deve confiar em suas impressões sobre o comprimento. Infelizmente, esse procedimento sensato tem menor probabilidade de ser empregado quando ele é mais necessário. Qualquer um gostaria de ter um sinal de alarme que tocasse audivelmente sempre que estivéssemos prestes a cometer um erro grave, mas um sinal como esse não está disponível, e ilusões cognitivas são geralmente mais difíceis de reconhecer do que ilusões perceptivas.


481 - As organizações são melhores do que os indivíduos quando se trata de evitar erros, pois naturalmente pensam mais lentamente e têm o poder de impor procedimentos ordenados. As organizações podem instituir e impor a aplicação de úteis listas de checagem, bem como de exercícios mais elaborados, como prognóstico com base na classe de referência e premortem. Ao menos em parte, fornecendo um vocabulário distinto, as organizações também podem encorajar uma cultura em que as pessoas fiquem de olho umas nas outras ao se aproximarem de campos minados. Seja lá o que mais ela produz, toda organização é uma fábrica de julgamentos e decisões.


482 - Os tomadores de decisões: Eles farão escolhas melhores quando tiverem confiança de que seus críticos são sofisticados e justos, e quando esperarem que sua decisão seja julgada pelo modo como foi tomada, não apenas pelas consequências que acarretou.


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