Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 33, 34 e 35

                                                                        

Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)



Pgs. 248-254


"CAPÍTULO 33: "REVERSÕES"


401 - A discrepância entre a avaliação isolada e a avaliação conjunta do cenário do assalto pertence a uma família ampla de reversões de julgamento e escolha. As primeiras reversões de preferência foram descobertas no início dos anos 1970, e muitas reversões de outros tipos foram relatadas ao longo dos anos. O exemplo inicial compara dano moral por ter sido assaltado em loja que ia sempre ou numa loja em que teve que ir outro dia porque a de sempre estava fechada. "Se ao menos ele tivesse ido na sua loja de sempre, coitado". O "emocional" faz com que receba mais nesse segundo caso. Se a análise for isolada da outra.


402 - Reversão de preferência: ...as pessoas preferem B a A, mas, se imaginam ter apenas uma delas, estabelecem um valor mais elevado para A do que para B.


403 - Uma entrevista de 1968 com um participante do experimento, conduzida por Sarah Lichtenstein, tornou-se um clássico definitivo da área. O pesquisador conversa longamente com um participante confuso, que escolhe uma aposta em detrimento da outra, mas depois se mostra disposto a dar dinheiro em troca do item que acabou de escolher pelo outro que acabou de rejeitar, e segue nesse círculo repetidamente.


404 - Basicamente, a reação do grosso dos economistas de então parece ter sido ignorar essas descobertas dos psicólogos.


405 - ONG envia e-mail pedindo contribuição para a preservação das espécies, citando melhores lares para acasalamento de golfinhos. A avaliação da dimensão BOM–MAU é uma operação automática do Sistema 1, e você formou uma impressão grosseira da categorização do golfinho entre as espécies que vieram à sua mente. O golfinho é muito mais encantador do que, digamos, furões, lesmas ou carpas — ele ocupa uma classificação altamente favorável no conjunto de espécies às quais é espontaneamente comparado. (...) A questão monetária é difícil, mas uma questão mais fácil acha-se prontamente disponível. Como você gosta de golfinhos, provavelmente sentirá que salvá-los é uma boa causa.


406 - "Trabalhadores agrícolas, que são expostos ao sol por muitas horas, apresentam uma taxa mais elevada de câncer de pele do que a população geral. Check-ups médicos frequentes podem reduzir o risco. Um fundo será criado para apoiar os check-ups para grupos ameaçados." (...) Esse é um problema urgente? Qual categoria ele evocou enquanto norma quando você estimou o grau de urgência? (...) Nos experimentos, os golfinhos atraíram contribuições um pouco maiores na avaliação isolada do que os trabalhadores agrícolas. (...) Em seguida, considere as duas causas na avaliação conjunta. Qual dos dois, golfinhos ou trabalhadores agrícolas, merece uma contribuição monetária maior? A avaliação conjunta enfatiza uma característica que não era identificável na avaliação isolada, mas é reconhecida como decisiva quando detectada: agricultores são humanos, golfinhos não são.


407 - Outra comparação do tipo:



408 - Quando os dicionários são apresentados em avaliação isolada, o dicionário A recebe valor mais elevado, mas é claro que a preferência muda na avaliação conjunta. O resultado ilustra a hipótese de avaliabilidade (evaluability hypothesis) de Hsee: o número de entradas não recebe peso algum na avaliação isolada, pois os números não são “avaliáveis” por si só.


409 - Caso 1: Uma criança sofreu queimaduras moderadas quando seu pijama pegou fogo, porque ela estava brincando com fósforos. A fábrica que fez o pijama não o produziu adequadamente resistente ao fogo. (...) Caso 2: A conduta inescrupulosa de um banco levou outro banco a uma perda de 10 milhões de dólares. (...) Quando os casos foram considerados em conjunto, porém, a compaixão pela vítima individual prevaleceu sobre o efeito de ancoragem e os jurados aumentaram a compensação para a criança a fim de ultrapassar a compensação para o banco. (a meu ver, a conjunta está levando a menos racionalidade aqui, mas Kahneman parece ver o contrário?)


410 - Sunstein comparou as punições administrativas que podem ser impostas por diferentes agências do governo norte-americano, incluindo a Occupational Safety and Health Administration (Administração de Segurança e Saúde Ocupacional) e a Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental). Ele concluiu que “dentro de categorias, as penalidades parecem extremamente sensatas, pelo menos no sentido de que os danos mais graves são punidos mais severamente. Para violações à segurança e à salubridade no trabalho, as penalidades maiores são para violações repetidas, as segundas maiores, para violações que são ao mesmo tempo deliberadas e graves, e por último em grau de seriedade para omissões em se comprometer com a manutenção obrigatória de um registro 10”. Você não deve se surpreender, porém, que o tamanho das penalidades variou enormemente de uma agência para outra, de uma maneira que refletiu a política e a história mais do que qualquer preocupação global com justiça. A multa para uma “violação grave” das regulamentações relativas à segurança do trabalhador está limitada a um teto de 7 mil dólares, enquanto uma violação da Lei de Conservação de Aves Selvagens pode resultar numa multa de mais de 25 mil dólares.


411 - “Unidades BTU não significavam nada para mim até eu ver como as unidades de ar-condicionado variam. A avaliação conjunta foi essencial.”



Pgs. 255-262


"CAPÍTULO 34: "QUADROS E REALIDADE"


412 - Enquadramento emocional. "Itália ganhou a final da Copa de 2006" e "França perdeu" têm o mesmo sentido lógico, já que ambas disputaram. Porém, emocionalmente, poderão significar e evocar lembranças bem diferentes. Focos.


413 - Mais uma da série "inicialmente fui 'traído' pelo Sistema 1": "Você aceitaria uma aposta que oferece 10% de chance de ganhar 95 dólares e 90% de chance de perder cinco dólares?" (...) "Você pagaria cinco dólares para participar de uma loteria que oferece 10% de chance de ganhar cem dólares e 90% de chance de não ganhar nada?" Por alguns vários segundos, dei respostas incoerentes.


414 - Justificação de diferenciação entre meios de pagamentos em estabelecimentos: ...a diferença, se permitida, seria classificada como um desconto em dinheiro, não sobretaxa de crédito. A psicologia deles era acertada: algumas pessoas estão mais dispostas a renunciar a um desconto do que a pagar uma sobretaxa. Ambas as coisas podem ser economicamente equivalentes, mas não são emocionalmente equivalentes.


415 - Experimentos de neuroeconomia: ...Regiões diferentes ficam ativas quando o indivíduo presta atenção em um objeto visual, imagina chutar uma bola, reconhece um rosto ou pensa numa casa. Outras regiões se iluminam quando o indivíduo é emocionalmente estimulado, está em conflito ou se concentra na resolução de um problema. A amígdala é normalmente associada com o estímulo emocional (...) e é um suspeito provável de envolvimento no Sistema 1.


416 - ...Uma região do cérebro sabidamente associada com o conflito e o autocontrole (o córtex cingulado anterior) ficava mais ativa quando os participantes não faziam o que lhes vinha naturalmente — quando escolhem a coisa segura a despeito de estar classificada como PERDER. Resistir à inclinação do Sistema 1 aparentemente envolve conflito.


417 - ...Notavelmente, os indivíduos “racionais” não eram os que exibiam a evidência neural mais forte de conflito. Parece que esses participantes de elite eram (às vezes, nem sempre) delimitados pela realidade com pouco conflito.


418 - Médicos e escolher o método mais eficiente no longo prazo (cirurgia) num determinado tratamento. São apresentados às estatísticas, mas de forma diferente: A taxa de sobrevivência de um mês é 90%. (...) Há 10% de mortalidade no primeiro mês (...). Você já sabe os resultados... (Parece bobagem deles, mas é aquela coisa "avaliação conjunta" e "avaliação separada". Vendo os pares conjuntamente fica fácil perceber). O Sistema 1, tal como o conhecemos, raramente fica indiferente a palavras emotivas: mortalidade é ruim, sobrevivência é bom, e 90% de sobrevivência soa encorajador, ao passo que 10% de mortalidade é assustador. Uma descoberta importante do estudo é que os médicos eram tão suscetíveis ao efeito de enquadramento quanto pessoas sem qualquer sofisticação médica.


419 - Como sempre, interpretar como burrice pode ser exagerado: Reenquadrar é laborioso e o Sistema 2 normalmente é preguiçoso. Mais uma vez o livro detalhando o maior sucesso de Frank Aguiar.


420 - Mesmo quando os resultados são logicamente equivalentes... Os tomadores de decisão tendem a preferir a coisa segura à aposta (eles são avessos ao risco) quando os resultados são bons. Eles tendem a rejeitar a coisa segura e aceitar a aposta (eles buscam o risco) quando ambos os resultados são negativos. Enquadramento muda a decisão sobre a mesma coisa.


421 - Ninguém tá livre. Uma experiência que Amos compartilhou comigo acrescenta uma nota de desânimo à história. Amos foi convidado para dar uma palestra a um grupo de profissionais de saúde pública — as pessoas que tomam decisões sobre vacinações e outros programas. Ele aproveitou a oportunidade para apresentar-lhes o problema da doença asiática: metade viu a versão “vidas salvas”, os outros responderam a questão de “vidas perdidas”. Como outras pessoas, esses profissionais foram suscetíveis aos efeitos de enquadramento. É de certo modo preocupante que os funcionários que tomam decisões que afetam a saúde de todo mundo possam ser influenciados por uma manipulação tão superficial — mas devemos nos acostumar com a ideia de que mesmo decisões importantes são influenciadas, se não governadas, pelo Sistema 1.


422 - Na análise de uma questão sobre isenção de imposto para famílias ricas e pobres com filho(s) somos confrontados a uma incoerência lógica (fiz o teste e "caí"): "Podemos reconhecer o Sistema 1 em funcionamento. Ele fornece uma reação imediata a qualquer questão sobre ricos e pobres: na dúvida, favoreça os pobres." O pior do exemplo é que não há um quadro "natural". A descrição do problema afeta o resultado.


423 - Perder ingresso para o show no caminho versus perder o dinheiro com exato valor do ingresso para o show no caminho: A maioria acredita que a mulher na primeira história vai para casa sem ver o espetáculo se ela perdeu seus ingressos, e a maioria acredita que ela vai pôr os ingressos no cartão, se perdeu o dinheiro. Análise isolada gera isso.


424 - Opção default (ou "optar pela exclusão"): Um artigo publicado em 2003 observou que o índice de doação de órgãos ficou perto de 100% na Áustria, mas foi de apenas 12% na Alemanha, ficou em 86% na Suécia, mas foi de apenas 4% na Dinamarca. As políticas publicas precisam ser pensadas: ...uma escolha importante é controlada por uma característica completamente irrelevante da situação. Isso é constrangedor — não é assim que gostaríamos de tomar decisões importantes.


425 - ...Uma diferença significativa entre os defensores do modelo de agente racional e os céticos que o questionam é que seus defensores simplesmente tomam como um fato consumado que a formulação de uma escolha não pode determinar as preferências em problemas significativos. Eles nem mesmo estão interessados em investigar o problema — e desse modo frequentemente terminamos com resultados inferiores.



PARTE 5 - DOIS EUS 



Pgs. 263-269


"CAPÍTULO 35: "DOIS EUS"


426 - "Hedonímetro": Dor-minuto nas colonoscopias no tempo em que não se tinha muita anestesia nesse exame:



427 - ...Paciente B seria mais digno de pena, claramente. Porém, após analisarem 154 pacientes, descobriram as seguintes regras gerais que governava a pergunta final "Quanta dor você sentiu no geral?"...:



428 - ...Você pode agora aplicar essas regras aos perfis dos pacientes A e B. A pior classificação (8 na escala de 10 pontos) foi a mesma para ambos os pacientes, mas a última classificação antes do fim do procedimento foi 7 para o paciente A e apenas 1 para o paciente B. A média pico-fim foi desse modo 7,5 para o paciente A e apenas 4,5 para o paciente B. Como esperado, o paciente A reteve uma lembrança muito pior do episódio do que o paciente B. Foi uma má sorte do paciente A que o procedimento terminasse em um mau momento, deixando-o com uma lembrança desagradável. (Enfim, chocante).


429 - ...O que temos agora é um excesso de opções: duas medidas de utilidade experimentada — o total do hedonímetro e a avaliação retrospectiva — que são sistematicamente diferentes.


430 - O eu experiencial (experiencing self) é o que responde à pergunta: “Está doendo agora?” O eu recordativo (remembering self) é o que responde à pergunta: “Como foi isso, no todo?” Cita exemplo de pessoa que relatou ter ouvido uma bela sinfonia - quarenta minutos -, mas que o disco arranhado no final dela "estragou toda a experiência". Certamente, um exagero, mas mostra o peso do "eu recordativo".


431 - O eu experiencial não tem uma voz. O eu recordativo às vezes está errado, mas é ele que fica de olho no placar e governa o que aprendemos com a vida, e é ele quem toma as decisões. O que aprendemos com o passado é maximizar as qualidades de nossas futuras lembranças, não necessariamente de nossa futura experiência. Essa é a tirania do eu recordativo.


432 - Impressionante o experimento da imersão da mão em água à 14º. Causa dor moderada, mas relevante. Na primeira sessão, a imersão é mais curta - sessenta segundos - e, ao fim, o participante recebe uma toalha aquecida pra aliviar. A interrupção é abrupta. Na segunda sessão (sete minutos depois), a duração é de noventa segundos, sendo que os sessenta segundos iniciais são iguais aos da outra. Porém, a interrupção aqui é gradual, já que um pouco de água quente é despejada elevando a temperatura em um grau e diminuindo a intensidade da dor. A terceira sessão, sete minutos depois, é uma escolha do participante entre a primeira e a segunda. Um total de 80% dos participantes que relataram que sua dor diminuiu durante a fase final do episódio mais longo optaram por repeti-lo, desse modo declarando-se dispostos a sofrer trinta segundos de dor desnecessária no terceiro teste antecipado. (...) Os participantes que preferiram o episódio longo não eram masoquistas e não escolheram deliberadamente se expor à pior experiência; eles simplesmente cometeram um erro. Se tivéssemos lhes perguntado, “Você prefere uma imersão de noventa segundos ou apenas a primeira parte dela?”, certamente teriam escolhido a opção curta. Não usamos essas palavras, porém, e os participantes fizeram o que lhes ocorreu naturalmente. (...) O experimento da mão gelada, como meu velho problema das injeções, revelou uma discrepância entre utilidade de decisão e utilidade experimentada.


433 - A integral de dor ou prazer ao longo do tempo pode ser biologicamente menos significativa. (...) O estudo da mão gelada mostrou que não podemos confiar totalmente que nossas preferências vão refletir nossos interesses, mesmo que estejam baseadas na experiência pessoal, e mesmo que a lembrança dessa experiência tenha sido impressa nos últimos 15 minutos! Gostos e decisões são moldados pelas lembranças, e as lembranças podem estar erradasA evidência representa um profundo desafio à ideia de que os humanos têm preferências consistentes e sabem como maximizá-las, um dos fundamentos do modelo de agente racional.


.


Comentários