Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 29, 30, 31 e 32

                                                                         

Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)



Pgs. 218-225


"CAPÍTULO 29: "O PADRÃO QUÁDRUPLO"


353 - Um aumento percentual de 5 p.p. numa chance pode ter efeito psicológico bem notável se se parte do 0% ou do 95%. Fora dos extremos terá menos. A melhoria de 95% a 100% é outra mudança qualitativa que exerce um grande impacto, o efeito de certeza (certainty effect). Resultados que são quase certos recebem menos peso do que a probabilidade deles justifica. Já uma pequena melhoria de zero pra alguma coisa minimamente melhor é superdimensionado, como provam as loterias. 


354 - Imagino que jajá ele irá falar o quanto as seguradoras se aproveitam disto aqui: ...tendemos a exagerar o peso de pequenos riscos e ficamos predispostos a pagar um valor muito maior do que o esperado para eliminá-los completamente. (...) Resultados improváveis recebem peso excessivo — isso é o efeito de possibilidade. Resultados que são quase certos recebem peso insuficiente em relação à certeza existente.


355 - O tal paradoxo de Allais me parece decorrência do que já foi explicado. A. 61% de chance de ganhar 520 mil dólares OU 63% de chance de ganhar 500 mil dólares. (...) B. 98% de chance de ganhar 520 mil dólares OU 100% de chance de ganhar 500 mil dólares. Vamos pela lógica em A e pelo efeito de certeza (que vem da mais clara aversão ao risco, creio) em B. Como Allais havia antecipado, os sofisticados participantes do encontro não notaram que suas preferências violaram a teoria da utilidade até ele chamar sua atenção para o fato, quando o encontro estava prestes a terminar.


356 - Allais ficou meio frustrado como a minimização de seu experimento com os economistas mais famosos da época. Os economistas que não eram entusiastas da teoria da decisão na maior parte ignoraram o problema de Allais. Como frequentemente acontece quando uma teoria que tem sido amplamente adotada e é tida como útil é desafiada, eles perceberam o problema como uma anomalia e continuaram usando a teoria da utilidade esperada como se nada tivesse acontecido.


357 - Amos e Kahneman chegaram a mensurar, via experimentos, uma escala psicológica correspondente às probabilidades: Por exemplo, o peso de decisão que corresponde a 2% de chance é 8,1. Se as pessoas se conformassem aos axiomas da escolha racional, o peso de decisão seria 2 — assim o evento raro tem um peso excessivo por um fator de 4O efeito de certeza no outro extremo da escala de probabilidade é ainda mais surpreendente. Um risco de 2% de não ganhar o prêmio reduz a utilidade da aposta em quase 13%, de 100 a 87,1. (Normal pela aversão à perda juntando aqui?)


358 - As baixíssimas: Probabilidades que são extremamente baixas ou altas (abaixo de 1% ou acima de 99%) são um caso especial. É difícil atribuir um único peso de decisão a eventos muito raros, pois eles às vezes são completamente ignorados, determinados na prática como tendo um peso de decisão de zero. Por outro lado, quando você não ignora os eventos muito raros, certamente atribui um peso excessivo a eles. A maioria de nós gasta muito pouco tempo se preocupando com acidentes nucleares ou fantasiando com grandes heranças de parentes desconhecidos. Entretanto, quando um evento improvável torna-se o foco da atenção, vamos atribuir a ele muito mais peso do que sua probabilidade merece. Além do mais, as pessoas são quase completamente insensíveis a variações de risco entre pequenas probabilidades. Um risco de câncer de 0,001% não é facilmente distinguível de um risco de 0,00001%, embora o primeiro seria traduzido como 3 mil casos de câncer na população dos Estados Unidos e o segundo, como trinta casos.


359 - Spray contra mosquitos e raros casos de envenenamento: Os pais estavam dispostos a gastar um adicional de 2,38 dólares, em média, para reduzir os riscos em dois terços de 15 por 10 mil sprays para cinco. Estavam dispostos a pagar 8,09 dólares, mais do que o triplo, para eliminar completamente o risco. (...) Em um modelo racional com utilidade marginal decrescente, as pessoas devem pagar pelo menos até dois terços para reduzir a frequência de acidentes de 15 para 5 unidades quando estão dispostas a pagar pela eliminação do risco. Preferências observadas violavam essa previsão.


360 - O padrão quádruplo:



361 - Alta à esquerda: tornar o ganho certo. Baixa à esquerda: popularidade das loterias. Baixa à direita: seguradoras lucram em cima disso. Alta à direita: inesperada! Há, porém, diz, dois motivos para isso: A perda certa é muito aversiva porque a reação a uma perda de novecentos dólares é mais do que 90% tão intensa quanto a reação a uma perda de mil dólares. O segundo fator pode ser ainda mais poderoso: o peso de decisão que corresponde a uma probabilidade de 90% é apenas cerca de 71, muito mais baixo do que a probabilidade. O resultado é que quando você considera uma escolha entre uma perda certa e uma aposta com alta probabilidade de uma perda ainda maior, a sensibilidade decrescente torna a perda certa mais aversiva, e o efeito de certeza reduz a aversividade da aposta.


362 - ...Tudo isso é, porém, problemático: Muitas situações humanas desafortunadas se revelam na célula superior direita. É aí que pessoas que enfrentam opções muito ruins fazem apostas desesperadas, aceitando uma alta probabilidade de deixar as coisas piores em troca de uma pequena esperança de evitar uma grande perda. A tomada de risco desse tipo com frequência transforma fracassos administráveis em desastresO pensamento de aceitar a grande perda certa é doloroso demais, e a esperança de completo alívio, atraente demais, para tomar a decisão sensata de que chegou a hora de diminuir os prejuízos. Cita desperdício de ativos tentando lutar contra tecnologia superior em vez de aceitar a derrota e também generais que insistem numa "guerra perdida".


363 - Um réu com um caso fraco tem boa probabilidade de buscar o risco, de estar preparado para apostar, em vez de aceitar um acordo muito desfavorável. (...) A posição superior de negociação do réu deve estar refletida nos acordos negociados, com o queixoso fechando um acordo por menos do que o resultado estatisticamente esperado do julgamento. Essa previsão a partir do padrão quádruplo foi confirmada por experimentos conduzidos com estudantes de direito e juízes em exercício, e também pelas análises de negociações reais à sombra de processos civis. Já num litígio frívolo é o contrário: Agora um está na pele do outro: o queixoso está disposto a apostar e o réu quer estar a salvo.


364 - Vai diminuindo o incentivo a se pagar por um acordo - a parte que está certa e "concede" - quando há centenas de processos, por exemplo. É mais vantagem deixar correr. Quando você adota a visão a longo prazo de muitas decisões semelhantes, pode perceber que pagar um prêmio para evitar um pequeno risco de uma grande perda é custoso. Uma análise semelhante se aplica a cada uma das células do padrão quádruplo: desvios sistemáticos do valor esperado são custosos a longo prazo — e essa regra se aplica tanto à aversão ao risco como à busca de risco. A atribuição constante de peso excessivo a resultados improváveis — característica da tomada de decisão intuitiva — acaba por levar a resultados inferiores.



Pgs. 226-234


"CAPÍTULO 30: "EVENTOS RAROS"


365 - Homens-bomba em Israel: Para qualquer passageiro, os riscos eram ínfimos, mas não era assim que o público se sentia na época. As pessoas evitavam andar de ônibus o máximo que podiam, e muitos passageiros ficavam o tempo todo dentro do ônibus ansiosamente examinando os vizinhos à procura de pacotes ou roupas estufadas que pudessem ocultar uma bomba. Mesmo sabendo de tudo isso, ele próprio era afetado: O que me movia era a experiência do momento: estar perto de um ônibus me fazia pensar em bombas, e esses pensamentos eram desagradáveis. Eu evitava ônibus porque queria pensar em alguma outra coisa. (...) Minha experiência ilustra o modo como o terrorismo funciona e por que é tão eficaz: ele provoca uma cascata de disponibilidade.


366 - Na loteria é o inverso. Gera-se empolgação com uma chance desprezível. Em ambos os casos, a probabilidade real não faz diferença; só a possibilidade importa.


367 - Superestimar eventos incertos e a NBA. Probabilidades nas quartas de finais, cada time é analisado por vez: O resultado: os julgamentos de probabilidade gerados sucessivamente para os oito times somaram 240%! Esse padrão é absurdo, claro, pois a soma das chances dos oito eventos têm de somar 100%. A situação absurda desapareceu quando se perguntou aos mesmos avaliadores se o vencedor sairia da conferência do Leste ou do Oeste. O evento focal e sua alternativa foram igualmente específicos nessa questão e os julgamentos de suas probabilidades somaram 100%.


368 - ...O negócio acaba sendo mais complexo ainda na verdade: Julgamentos de probabilidades de um evento e seu complemento nem sempre somam 100%. Quando se pergunta às pessoas sobre um tópico que conhecem muito pouco (“Qual você calcula ser a probabilidade de que a temperatura em Bancoc exceda os 39° amanhã?”), a estimativa de probabilidades do evento e seu complemento somam menos do que 100%.


369 - O fator emocional altera à sensibilidade à probabilidade. Choques elétricos, rosas e dinheiro têm escalas diferentes.


370 - Este aqui mostra que a galera é horrorosa no que tange à probabilidade intuitiva: ...urna A contém 10 bolinhas, das quais 1 é vermelha. (...) A urna B contém 100 bolinhas, das quais 8 são vermelhas. (...) Qual urna você escolheria? As chances de ganhar são de 10% na urna A e 8% na urna B, de modo que fazer a escolha correta deve ser fácil, mas não é: cerca de 30%–40% dos alunos escolheram a urna com o maior número de bolinhas ganhadoras, em vez de escolher a urna que oferece maior chance de ganhar. Seymour Epstein argumentou que os resultados ilustram as características de processamento superficiais do Sistema 1 (o que ele chama de sistema experimental). Kahneman tenta entender o que rola: Quando penso na urna pequena, vejo uma única bolinha de gude vermelha em um pano de fundo vagamente definido de bolinhas brancas. Quando penso na urna maior, vejo oito bolinhas vermelhas ganhadoras em um pano de fundo indistinto de bolinhas brancas, o que gera uma sensação mais esperançosa.


371 - O efeito do formato de frequência é grande. Em um estudo, as pessoas que viram a informação sobre “uma doença que mata 1.286 pessoas de cada 10 mil” julgou isso como mais perigoso do que pessoas informadas sobre “uma doença que mata 24,14% da população”. (...) O efeito certamente seria reduzido ou eliminado se fosse pedido aos participantes para fazer uma comparação direta entre as duas formulações, tarefa que chama explicitamente pelo Sistema 2.


372 - "Estima-se que pacientes semelhantes ao sr. Jones tenham 10% de probabilidade de cometer um ato de violência contra outros durante os primeiros meses após a alta." (...) "De cada cem pacientes semelhantes ao sr. Jones, estima-se que dez cometam um ato de violência contra outros durante os primeiros meses após a alta." (...) Os profissionais que viram o formato de frequência mostraram uma probabilidade quase duas vezes maior de negar a alta (41%, comparado a 21% no formato de probabilidade). A descrição mais vívida produz um peso de decisão mais elevado para a mesma probabilidade. Enfim, prato cheio pra manipulação.


373 - As probabilidades vivenciadas - até mesmo os experimentos com elas - fazem com que eventos raros percam seu peso excessivo (dos problemas descritivos). Os resultados de muitos experimentos sugerem que eventos raros não recebem peso excessivo quando tomamos decisões como escolher um restaurante ou amarrar o boiler para reduzir os danos causados por terremotos.


374 - ...Lógica semelhante influencia o peso insuficiente: ...há um consenso geral a respeito de uma importante causa da atribuição de peso insuficiente a eventos raros, tanto nos experimentos como no mundo real: muitos participantes nunca vivenciaram o evento raro! A maioria dos californianos nunca vivenciou um terremoto de grandes proporções e, em 2007, nenhum banqueiro vivenciou pessoalmente uma crise financeira devastadora.


375 - ...As coisas mudam: "É o familiar ciclo do desastre. Começa com o exagero e o peso excessivo, depois a negligência aparece.



Pgs. 235-239


"CAPÍTULO 31: "POLÍTICAS DE RISCO"


376 - Usa os exemplos típicos de aversão ao risco e aversão à perda e, depois, mostra que se pensássemos os dois problemas combinados faríamos uma escolha bem diferente: AD. 25% de chance de ganhar 240 dólares e 75% de chance de perder 760 dólares BC. (...) 25% de chance de ganhar 250 dólares e 75% de chance de perder 750 dólares. (...) A opção dominante em AD é a combinação das duas opções rejeitadas no primeiro par de problemas de decisão, aquela que apenas 3% dos pesquisados favoreceram em nosso estudo original. A opção inferior BC foi preferida por 73% dos pesquisados.


377 - ...Você teria imaginado a possibilidade de decompor esse óbvio problema de escolha em um par de problemas que levaria uma grande maioria de pessoas a escolher uma opção inferior? Isso é verdadeiro de um modo geral: toda escolha simples formulada em termos de ganhos e perdas pode ser desconstruída de maneiras inumeráveis em uma combinação de escolhas, produzindo preferências que provavelmente são inconsistentes. (...) O exemplo mostra também que é custoso ficar avesso ao risco para ganhos e atraído pelo risco para perdas.


378 - ...Havia duas maneiras de construir as decisões (i) e (ii): • enquadramento estreito (narrow framing): uma sequência de duas decisões simples, consideradas separadamente • enquadramento amplo (broad framing): uma única decisão abrangente, com quatro opções. Coloca que o ser humano é estreito por natureza. Imagine uma lista mais longa de cinco decisões simples (binárias) a serem consideradas simultaneamente. O enquadramento amplo (abrangente) consiste em uma única escolha com 32 opções. O enquadramento estreito produz uma sequência de cinco escolhas simples.


379 - Samuelson e o amigo que só topava a "boa aposta da moeda" se se jogasse cem vezes. Matthew Rabin e Richard Thaler observaram que “a disputa agregada de cem apostas 50–50 perder cem dólares/ganhar duzentos dólares traz um retorno esperado de 5 mil dólares, com uma chance de apenas 1/2.300 de perder algum dinheiro e uma chance de meramente 1/62.000 de perder mais do que mil dólares”. O argumento deles, é claro, é que se a teoria da utilidade pode ser consistente com uma preferência tão tola sob tais circunstâncias, então alguma coisa deve estar errada com ela enquanto modelo de escolha racional. Samuelson não vira a demonstração feita por Rabin das consequências absurdas de grave aversão à perda para apostas pequenas, mas ele sem dúvida não teria se surpreendido com ela.


380 - Tabela do valor esperado da aposta para o amigo de Samuelson:



381 - ...Quando Sam estiver diante de cinco apostas, o valor esperado da oferta será de 250 dólares, sua probabilidade de perder alguma coisa será de 18,75% e seu equivalente monetário será de 203,125 dólares. O aspecto notável dessa história é que Sam nunca vacila em sua aversão a perdas. Porém, a agregação de apostas favoráveis rapidamente reduz a probabilidade de perder, e o impacto da aversão à perda em suas preferências decresce de acordo.


382 - Engraçado que Kahneman propôs um "sermão interno" toda vez que uma pessoa estiver frente a esse tipo de situação (e faz sentido!): "Sou solidário com sua aversão à perda em qualquer aposta, mas isso está lhe custando um bocado de dinheiro. Por favor, considere a seguinte questão: Por acaso você está em seu leito de morte? Esta é a última oferta de uma pequena aposta favorável que vai poder considerar? Claro, é pouco provável que lhe seja oferecida exatamente essa mesma aposta outra vez, mas você terá muitas oportunidades de considerar apostas atraentes com valores que são muito pequenos relativamente à sua riqueza. Você pode fazer para si mesmo um grande favor financeiro se for capaz de ver cada uma dessas apostas como parte de um pacote de pequenas apostas e ensaiar o mantra que o deixará significativamente mais próximo da racionalidade econômica: ganhe algumas, perca algumas. A principal finalidade do mantra é controlar sua reação emocional quando vier a perder. Se acha que será eficaz, você pode lembrar a si mesmo disso quando decidir entre aceitar ou não um pequeno risco com valor esperado positivo."


383 - ...Funciona para pequenas apostas e descorrelacionadas. Não para as grandes, por exemplo. Ademais, não deve ser aplicado a tentativas com pouca chance de sucesso, onde a probabilidade de vencer é muito pequena para cada aposta.


384 - Pelo menos um viés, às vezes (!), age contra o outro: O otimismo exagerado protege os indivíduos e as organizações dos efeitos paralisantes da aversão à perda; a aversão à perda os protege das sandices do otimismo superconfiante.


385 - Richard Thaler conta uma discussão sobre tomada de decisão que teve com os principais gerentes dos 25 departamentos de uma grande empresa. Ele lhes pediu para considerar uma opção arriscada em que, com iguais probabilidades, eles poderiam perder uma grande quantia do capital que controlavam para receber o dobro dessa quantia. Nenhum dos executivos se mostrou disposto a fazer uma aposta tão perigosa. Então Thaler virou para o CEO da empresa que também estava presente, e pediu sua opinião. Sem hesitar, o diretor respondeu: “Eu gostaria que todos eles aceitassem seus riscos.” No contexto dessa conversa, era natural que o CEO adotasse um quadro amplo que abrangesse todas as 25 apostas. Como Sam diante dos cem lances de moeda, ele podia contar com a agregação estatística para mitigar o risco global. (...) Cada um de nossos executivos é avesso à perda em seu próprio campo de atuação. Isso é perfeitamente natural, mas o resultado é que a organização não está assumindo risco suficiente.”



Pgs. 240-247


"CAPÍTULO 32: "DE OLHO NO PLACAR"


386 - A "racionalidade" burra. digamos assim (todo esse autocontrole vale o banco lhe metendo a faca?): Com frequência pagamos pelo autocontrole, por exemplo, simultaneamente depositando dinheiro em uma conta poupança e mantendo dívida em cartões de crédito. (...) Para os Humanos, contas mentais são uma forma de enquadramento estreito: elas mantêm as coisas sob controle e administráveis para uma mente finita. (...) A frase ao final do capítulo é ótima: “Ele costuma separar as contas mentais para compras em dinheiro e com cartão de crédito. Eu vivo lembrando a ele que dinheiro é dinheiro.”


387 - O balanço da contabilidade emocional pode ficar nítido quando a pessoa vai em algo só porque ela pagou, digamos assim: ...o Sistema 2 teria de estar ciente da possibilidade contrafactual: “Eu ainda sairia no meio dessa tempestade de neve se tivesse obtido o ingresso gratuitamente de um amigo?”.


388 - A pesquisa financeira tem documentado antes uma preferência maciça por vender vencedoras do que perdedoras — viés que recebeu uma classificação obscura: o efeito de disposição (disposition effect). (...) O investidor criou uma conta para cada ação que adquiriu, e quer encerrar todas as contas como um ganho. Um agente racional teria uma visão abrangente do portfólio e venderia a ação com menor probabilidade de ir bem no futuro, sem considerar se ela é uma vencedora ou uma perdedora. Até tributariamente seria vantajoso vender a perdedora, acrescenta.


389 - ...Justificar erros antigos não está entre as preocupações do Econ. A decisão de investir recursos adicionais em uma conta perdedora, quando melhores investimentos estão disponíveis, é conhecida como falácia de custo afundado (sunk-cost fallacy), um erro oneroso que é observado tanto nas grandes quanto nas pequenas decisões. Sair de carro em meio à nevasca porque se pagou por um ingresso é um erro de custo afundado.


390 - Imagine uma empresa que já gastou 50 milhões de dólares em um projeto. O projeto agora está atrasado e os prognósticos de seu retorno final são menos favoráveis do que no estágio de planejamento inicial. Um investimento adicional de 60 milhões é exigido para dar uma chance ao projeto. Uma proposta alternativa seria investir a mesma quantia em um novo projeto que no momento parece ter probabilidade de trazer maior retorno. O que a empresa vai fazer? Não é incomum que uma empresa afligida por custos afundados saia por aí no meio da nevasca, jogando ainda mais dinheiro pela janela, em vez de aceitar a humilhação de fechar a conta de um fracasso oneroso. Essa situação fica na célula superior direita do padrão quádruplo (...), na qual a escolha se dá entre uma perda segura e uma aposta desfavorável, que é com frequência insensatamente a preferida. (...) Cancelar o projeto deixará uma mancha permanente no currículo do executivo, e seus interesses pessoais talvez sejam mais bem atendidos se ele seguir apostando com os recursos da organização na esperança de recuperar o investimento original — ou pelo menos numa tentativa de postergar o dia do acerto de contas.


391 - ...Coloca que grupos de diretores frequentemente estão cientes desse tipo de coisa e fazem trocas: Os membros da diretoria não necessariamente acreditam que o novo CEO é mais competente do que o anterior. O que eles sabem é que essa nova pessoa não traz consigo as mesmas contas mentais e está desse modo mais capacitada a ignorar os custos afundados de investimentos precedentes na avaliação de oportunidades presentes.


392 - A falácia de custo afundado mantém as pessoas por tempo demais em empregos ruins, casamentos infelizes e projetos de pesquisa pouco prometedores. O "ao menos" dessa história: Se ela for ensinada (como equívoco e tal), pesquisas mostram melhora nos resultados.


393 - O sr. Brown quase nunca dá carona. Ontem ele deu carona para um sujeito e foi assaltado. (...) O sr. Smith vive dando carona. Ontem ele deu carona para um sujeito e foi assaltado. (...) Qual dos dois vai sentir maior arrependimento com o episódio? A resposta foi Brown. Porém, Smith leva por 77% na pergunta: Quem será criticado mais severamente pelos outros? (...) Ficamos tentados a dizer que o sr. Smith fez por merecer e que o sr. Brown teve pouca sorte.


394 - As pessoas esperam ter reações emocionais mais fortes (incluindo arrependimento) diante de um resultado que é gerado por ação do que diante do mesmo resultado quando é gerado por inação. Se o cara deixou de pegar uma alta de uma ação no ano porque cogitou mas não investiu, isso é menos julgado como motivo para arrependimento do que o outro cara que estava com ela, antes de começar o ano, e trocou por outra que teve desempenho pior.


395 - ...Na verdade, o que importa é o padrão, mais que o par omissão-ação. O fracasso no desvio do padrão gera dor extra. A opção default quando você tem uma ação na bolsa é não vender, mas a opção default quando você encontra seu colega no trabalho de manhã é dizer bom dia. Vender uma ação e deixar de dar bom dia ao colega no escritório são ambos afastamentos da opção default e candidatos naturais a arrependimento ou culpa.


396 - Médico que ousa de boa-fé num tratamento não-convencional: Certo, um bom resultado contribuirá para a reputação do médico que ousou, mas o benefício potencial é menor do que o custo potencial, pois o sucesso de um modo geral é um resultado mais normal do que o fracasso.


397 - Duas perguntas que poderiam resultar no mesmo valor, mas acabam tendo resultados bem diferentes: "Você foi exposto a uma doença que se contraída leva a uma morte rápida e indolor em uma semana. A probabilidade de que tenha a doença é de 1/1.000. Há uma vacina eficaz apenas antes do surgimento de qualquer sintoma. Qual é o máximo que você estaria disposto a pagar pela vacina?" (...) "Necessita-se de voluntários para uma pesquisa sobre essa doença. Tudo que se exige é que você se exponha a uma chance de 1/1.000 de contrair a doença. Qual é o mínimo que você pediria a fim de se voluntariar para esse programa? (Você não teria permissão de comprar a vacina.)"


398 - ...Thaler relatou informalmente que uma proporção típica é de cerca de 50:1. (Experimento acima). Talvez o mais importante, você será responsável pelo resultado se for ruim. Você sabe que, se acordar certa manhã com sintomas indicando que em breve estará morto, vai sentir mais arrependimento no segundo caso do que no primeiro, pois poderia ter rejeitado a ideia de vender sua saúde sem sequer parar para considerar o preço. Você poderia ter ficado com a opção default e não ter feito nada, e agora esse contrafactual vai assombrá-lo pelo resto de seus dias.


399 - Voltando ao exemplo da inalação e envenenamento infantil: Havia um inseticida mais barato disponível, para o qual o risco subia de 15 para 16 por 10.000 frascos. Perguntou-se aos pais que desconto os induziria a passar ao produto menos caro (e menos seguro). Mais de dois terços dos pais no estudo responderam que não comprariam o novo produto pelo preço que fosse! (...) O “tabu do tradeoff” contra aceitar qualquer aumento no risco não é um modo eficiente de usar a verba para segurança. Na verdade, a resistência pode ser motivada por um medo egoísta de arrependimento, mais do que por um desejo de otimizar a segurança da criança. Defende que o que se economiza - no agregado social - aceitando risco um pouco maior (risco praticamente irrelevante), pode ser gasto em medidas de proteção à saúde e segurança da criança, por exemplo, surtindo efeito total bem maior. Essa tendência é particularmente forte na Europa, onde o princípio de precaução, que proíbe qualquer ação que possa causar algum dano, é uma doutrina amplamente aceita. (Mas aí creio que pode ser pela impossibilidade de se calcular, mesmo de forma próxima, o real risco/real probabilidade).


400 - ...Como observa o jurista Cass Sunstein, o princípio de precaução é custoso, e quando interpretado estritamente pode ser paralisante. Ele menciona uma lista impressionante de inovações que não teriam passado no teste, incluindo “aviões, ar-condicionado, antibióticos, automóveis, cloro, vacina contra sarampo, cirurgia cardíaca, rádio, refrigeração, vacina contra varíola e raios X”. A versão mais forte do princípio de precaução é obviamente insustentável. Mas a aversão à perda acentuada (enhanced loss aversion) está embutida em uma intuição moral poderosa e amplamente partilhada; ela se origina no Sistema 1.


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