Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 17, 18 e 19
Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)
Pgs. 125-131
"CAPÍTULO 17: "REGRESSÃO À MÉDIA"
196 - Importante princípio de treinamento de habilidade: recompensas por desempenho aperfeiçoado funcionam melhor do que punição por erros. Essa proposição é apoiada por grande evidência de pesquisa com pombos, ratos, humanos e outros animais. Por que então o instrutor, indignado, disse que via uma manobra melhor logo após "punir" (reclamar veementemente) uma ruim e via outra manobra pior logo após "elogiar" a manobra boa? Não seria o contrário então?! O que ele havia observado é conhecido como regressão à média, que nesse caso se devia a flutuações aleatórias na qualidade do desempenho. (...) O instrutor vinculara uma interpretação causal às flutuações inevitáveis de um processo aleatório.
197 - O maluco foi freiriano aqui: O desafio não podia ficar sem resposta, mas uma aula de álgebra de previsão não seria recebida com muito entusiasmo. Em vez disso, peguei um giz e desenhei um alvo no chão. Pedi a cada oficial na sala para ficar de costas para o alvo e jogar duas moedas ali em imediata sucessão, sem olhar. Medimos as distâncias do alvo e escrevi os dois resultados de cada arremessador na lousa. Depois reescrevemos os resultados em ordem, do melhor para o pior desempenho na primeira tentativa. Ficou óbvio que a maioria (mas nem todos) dos que haviam se saído bem na primeira vez pioraram na segunda tentativa, e os que se saíram mal na primeira tentativa de um modo geral melhoraram. Comentei com os instrutores que o que eles haviam presenciado na lousa coincidia com o que havíamos escutado a respeito do desempenho em sucessivas execuções de manobras aéreas: um desempenho ruim era tipicamente seguido de melhoria e um desempenho bom de piora, sem qualquer ajuda de elogios ou punição.
198 - Acho engraçado quando as coisas são engraçadas e verdade ao mesmo tempo, se é que me faço entender. Alguns anos atrás, John Brockman, que edita a revista online Edge, pediu a um certo número de cientistas que apresentassem sua “equação favorita”. Essas foram minhas contribuições: (...) sucesso = talento + sorte (...) grande sucesso = um pouco mais de talento + muita sorte.
199 - Ficou "chocado" com locutores de salto de esqui porque eles parecem ignorar - para dar dramaticidade (historias causais) aos eventos - que a sorte nesse esporte conta muito (no sentido de o fenômeno da regressão à média ser esperado): Fiquei chocado de ouvir os comentários do locutor enquanto os atletas se preparavam para seu segundo salto: “A Noruega deu um ótimo primeiro salto; ele vai ficar tenso, esperando proteger sua vantagem, e provavelmente vai se sair pior” ou “A Suécia teve um primeiro salto ruim e agora ele sabe que não tem nada a perder e ficará relaxado, o que deve ajudá-lo a se sair melhor”.
200 - Efeitos de regressão podem ser encontrados para onde quer que olhemos, mas não os reconhecemos pelo que são. Eles se escondem bem debaixo de nosso nariz.
201 - Curiosidade... Na ausência de um cenário de desnutrição: ...O coeficiente de correlação entre as duas medidas, que varia entre 0 e 1, é uma medida do peso relativo dos fatores que eles compartilham. Por exemplo, todos compartilhamos nossos genes com cada um de nossos pais, e para características nas quais os fatores ambientais exercem relativamente pouca influência, como altura, a correlação entre pai e filho não está longe de 0,50.
202 - A correlação entre renda e nível educacional nos Estados Unidos é de aproximadamente 0,40. Não sei bem como é esse cálculo, mas realmente impressiona: A correlação parece impressionante, mas fiquei surpreso em descobrir há muitos anos com o sociólogo Christopher Jencks que se todo mundo tivesse o mesmo grau de instrução, a desigualdade de renda (medida pelo desvio padrão) seria reduzida apenas em cerca de 9%.
203 - Cita como ficamos perplexos com decorrências da leis sobre correlação/regressão: "Mulheres muito inteligentes tendem a se casar com homens que são menos inteligentes do que elas." Claro! E vice-versa.
204 - ...De fato, o estatístico David Freedman costumava dizer que se o tema da regressão viesse à tona num julgamento civil ou criminal, o lado obrigado a explicar a regressão para o júri perderia o caso.
205 - O evento que atrai nossa atenção no torneio de golfe é a deterioração frequente do desempenho dos golfistas que se saíram bem no dia 1. A melhor explicação para isso é que esses golfistas foram extraordinariamente sortudos nesse dia, mas essa explicação carece da força causal que nossas mentes preferem. (...) Um consultor empresarial que anuncia corretamente que “os negócios foram melhores este ano porque foram mal no ano passado” muito provavelmente está com os dias contados. Nessas questões, mesmo o Sistema 2 acha difícil compreender e aprender. Isso se deve em parte à demanda insistente por interpretações causais, que é uma característica do Sistema 1.
206 - "Crianças deprimidas tratadas com uma bebida energética melhoram significativamente em um período de três meses". (...) Eu inventei essa manchete de jornal, mas o fato que ele noticia é verdadeiro: se você tratasse um grupo de crianças deprimidas por algum tempo com uma bebida energética, elas mostrariam uma melhoria clinicamente significativa. E também acontece de crianças deprimidas que passam algum tempo plantando bananeira ou acariciando um gato por vinte minutos diários também apresentarem melhora. É um grupo extremo. Tenderá à média.
Pgs. 132-140
"CAPÍTULO 18: "DOMANDO PREVISÕES INTUITIVAS"
207 - O ponto é que julgamentos intuitivos, com base em descrições passadas, ignoram a regressão à média. Julgamos com base naquilo tudo que vemos. Esquecemos de contabilizar o acaso. Se Júlia foi leitora precoce aos 4 anos de idade, talvez seja o caso de não tratar como tão alta a possibilidade de excelente desempenho acadêmico. (Seria esse o ponto do capítulo, fiquei em dúvida talvez pela primeira vez).
208 - Os fatores compartilhados envolvem competência geneticamente determinada, o grau em que a família apoia os interesses acadêmicos e qualquer outra coisa que levaria as mesmas pessoas a serem leitores precoces na infância e jovens adultos academicamente bem-sucedidos. Claro que há muitos fatores que afetariam um desses resultados e não o outro. Julie poderia ter sido motivada a ler mais cedo por pais abertamente ambiciosos, pode ter tido um caso amoroso infeliz que prejudicou suas notas na faculdade, pode ter sofrido um acidente de esqui durante a adolescência que a deixou levemente debilitada, e assim por diante.
209 - Quando ele propõe um passo-a-passo pra tal julgamento intuitivo, vejo que o ponto do capítulo foi mais ou menos o que eu intui mesmo. A estimativa a partir de evidência incompleta (que deve ser quase a única que existe... ou a única) corre sério risco de ser não regressiva, comparando coisas diferentes como se tivessem correlação perfeita. A correção seria assim: O primeiro passo lhe fornece a linha de base, a GPA que você teria previsto se não lhe contassem nada sobre Julie além do fato de que ela é aluna do último ano da graduação. Na ausência de informação, você teria previsto a média. (Isso é similar a designar a probabilidade de taxa-base para alunos de administração quando você não recebe informação alguma sobre Tom W.) O passo 2 é sua previsão intuitiva, que se equipara a sua avaliação da evidência. O passo 3 o desloca da linha de base em direção a sua intuição, mas a distância que lhe é permitido se deslocar depende de sua estimativa da correlação. Você termina, no passo 4, com uma previsão que é influenciada por sua intuição, mas que é muito mais moderada 1.
210 - Previsões intuitivas precisam ser corrigidas porque não são regressivas e desse modo são parciais.
211 - O problema com isso tudo? Uma característica de previsões imparciais é que elas permitem a previsão de eventos raros ou extremos apenas quando a informação é muito boa. Se você espera que suas previsões sejam de validade modesta, nunca vai adivinhar um resultado que seja raro ou distante da média. Se suas previsões são imparciais, você nunca terá a experiência gratificante de predizer corretamente um caso extremo. O pessoal do SoftBank talvez não possa agir muito assim. O objetivo do investidor em capital de risco é adivinhar os casos extremos corretamente, mesmo ao custo de superestimar as perspectivas de muitos outros empreendimentos.
212 - "Kim completou recentemente seu trabalho de graduação. Suas recomendações são espetaculares e ela fez uma exposição brilhante e impressionou todo mundo nas entrevistas. Ela não possui nenhum currículo substancial de produtividade científica. (...) Jane faz pós-doutorado há três anos. Tem se mostrado muito produtiva e seu histórico de pesquisa é excelente, mas sua exposição e sua entrevista foram menos brilhantes do que as de Kim". (...) Estamos de volta à lei dos pequenos números. Com efeito, você recebeu uma amostra menor de informação a respeito de Kim do que sobre Jane, e resultados extremos têm muito maior probabilidade de serem observados em amostras pequenas. Há mais sorte nos resultados de pequenas amostras, e você deve desse modo regredir sua previsão mais profundamente à média em sua previsão sobre a futura performance de Kim. Quando você leva em consideração o fato de que Kim tem maior probabilidade de regressão à média do que Jane, você pode acabar selecionando Jane, embora tenha ficado menos impressionado com ela. No contexto das escolhas acadêmicas, eu votaria por Jane, mas seria uma luta superar minha impressão intuitiva de que Kim é mais promissora. Seguir nossas intuições é mais natural, e de certo modo mais agradável, do que ir contra elas.
213 - Previsões extremas e tendência a prever eventos raros com base em evidência fraca são ambas manifestações do Sistema 1. É natural que o maquinário associativo equipare o caráter extremo das previsões com o caráter extremo percebido da evidência na qual ele está baseado — eis como a substituição funciona. (...) A regressão é também um problema para o Sistema 2. A mera ideia de regressão à média é estranha e difícil de transmitir e entender.
PARTE 3 - CONFIANÇA EXCESSIVA
Pgs. 141-147
"CAPÍTULO 19: "A ILUSÃO DE COMPREENSÃO"
214 - Taleb: As histórias explicativas que as pessoas consideram atraentes são simples; são mais concretas do que abstratas; atribuem papel maior ao talento, estupidez e intenções do que à sorte; e focam antes em uns poucos eventos notáveis ocorridos do que nos incontáveis eventos que deixaram de ocorrer. (...) Taleb sugere que os humanos se iludem constantemente construindo relatos inconsistentes do passado e acreditando que são verdadeiros. (...) O efeito halo ajuda a manter as narrativas explanatórias simples e coerentes exagerando a consistência das avaliações: pessoas boas fazem apenas coisas boas e pessoas ruins são todas ruins. A afirmação “Hitler amava cães e crianças pequenas” é chocante independentemente de quantas vezes você a escute, pois qualquer traço de bondade em alguém tão cruel viola as expectativas criadas pelo efeito halo.
215 - Os multibilionários do Google: ...Numa ocasião memorável, contaram com a sorte, o que torna a história ainda mais convincente: um ano após fundar a Google, estavam dispostos a vender a empresa por menos de um milhão, mas o comprador disse que o preço era alto demais. Mencionar o incidente afortunado e isolado na verdade torna mais fácil subestimar a infinidade de modos pelos quais a sorte afetou o resultado.
216 - ...Como ao observar um atleta de canoagem habilidoso evitando uma potencial calamidade após outra conforme desce a corredeira, os desdobramentos da história da Google são emocionantes devido ao risco constante de desastre. Entretanto, há uma diferença instrutiva entre os dois casos. O canoísta habilidoso já desceu por corredeiras centenas de vezes. Ele aprendeu a interpretar as águas turbulentas diante de si e a antecipar os obstáculos. Aprendeu a fazer os mínimos ajustes de postura que o mantêm ereto. Há poucas oportunidades para que os jovens aprendam a criar uma empresa gigante, e menos chances ainda de evitar rochas ocultas — como uma inovação brilhante feita por uma empresa concorrente. Claro que houve um bocado de capacidade envolvida na história da Google, mas a sorte desempenhou um papel mais importante no evento real do que o faz ao contarmos sua história. E quanto mais sorte está envolvida, menos há a se aprender. O mundo precisa fazer sentido, então ficamos com uma história.
217 - Experimento sobre viés retrospectivo (hindsight bias): Nixon foi à China em 1972, mas antes foi pedido aos participantes para escalonarem a probabilidade de quinze consequências da viagem realmente acontecerem. Aí entra o "eu sempre soube". Depois que Nixon voltou de suas viagens, Fischhoff e Beyth pediram às mesmas pessoas para lembrar a probabilidade que haviam sugerido originalmente para cada uma das 15 conclusões possíveis. Os resultados foram claros. Se um evento havia ocorrido de fato, as pessoas exageravam a probabilidade que haviam indicado para aquilo anteriormente. Se o evento possível ainda não houvesse ocorrido, os participantes erroneamente recordavam que sempre o haviam considerado improvável. Experimentos posteriores mostraram que as pessoas eram impelidas a exagerar a precisão não só de suas previsões originais, mas também a das que eram feitas pelos outros.
218 - ...O viés retrospectivo apresenta efeitos perniciosos nas estimativas dos tomadores de decisão. Leva os observadores a avaliar a qualidade de uma decisão sem considerar se o processo foi sólido, mas se o desfecho foi bom ou ruim. Imagine uma intervenção cirúrgica de baixo risco em que um acidente imprevisto ocorreu e levou à morte do paciente. O júri ficará propenso a acreditar, após o fato, que a operação era de fato arriscada e que o médico que a recomendou deveria ter pensado duas vezes. (...) Somos propensos a culpar os tomadores de decisão por boas decisões que funcionaram mal e a lhes dar pouco crédito por medidas bem-sucedidas que parecem óbvias apenas após o ocorrido.
219 - ...Quanto piores as consequências, maior o viés retrospectivo. No caso de uma catástrofe, como o 11 de Setembro, ficamos particularmente predispostos a acreditar que as autoridades que falharam em antecipar o atentado foram negligentes ou cegas
220 - ...Embora a percepção tardia e o viés de resultado de um modo geral fomentem aversão ao risco, também trazem recompensas injustas para pessoas irresponsáveis que correm riscos, como um general ou um empresário que fez uma aposta maluca e levou a melhor. Líderes que tiveram sorte nunca são punidos por terem assumido risco demasiado.
221 - ...A ilusão de que se compreende o passado alimenta a ilusão adicional de que se pode prever e controlar o futuro.
222 - CEO's: Se o sucesso relativo de empresas similares foi determinado inteiramente por fatores que o CEO não controla (chame-os de sorte, se quiser), você encontrará a empresa mais bem-sucedida conduzida pelo CEO mais fraco em 50% do tempo. Uma correlação de 0,30 implica que toparemos com o CEO mais forte conduzindo a empresa mais forte em cerca de 60% dos pares — uma melhora de meros 10 pontos percentuais acima de estimativas aleatórias, dificilmente o suficiente para alimentar o culto ao herói dos CEOs que tantas vezes testemunhamos. (...) É difícil imaginar as pessoas fazendo fila nas livrarias do aeroporto para comprar um livro que descreve entusiasticamente as práticas de grandes executivos que, na média, se saem apenas um pouco melhor que se sairiam por puro acaso.
223 - ...O efeito halo é tão poderoso que você provavelmente se pegará resistindo à ideia de que a mesma pessoa e os mesmos comportamentos parecem metódicos quando as coisas estão indo bem, e rígidos quando as coisas vão mal. Devido ao efeito halo, compreendemos a relação causal do modo inverso: ficamos inclinados a acreditar que a empresa fracassa porque seu CEO é inflexível, quando a verdade é que o CEO parece inflexível porque a empresa está indo mal. É assim que nascem as ilusões de compreensão.
224 - Como a sorte desempenha um grande papel, a qualidade da liderança e das práticas de gerenciamento não pode ser inferida de modo confiável das observações de sucesso. Cita o livro "Feitas para durar", que buscou padrões em empresas mais bem-sucedidas. Na média, a disparidade em termos de lucratividade corporativa e retorno de ações entre as empresas excelentes e as menos bem-sucedidas examinada em Feitas para durar diminui para quase nenhuma no período subsequente ao estudo. Cita também lá outros livros e pesquisas que partilharam da mesma maldição.
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