Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 8, 9 e 10

                                                                  

Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)



Pgs. 67-71


"CAPÍTULO 8: "COMO OS JULGAMENTOS ACONTECEM"


103 - Sistema 1: Essas avaliações básicas (basic assessments) desempenham importante papel no julgamento intuitivo, pois elas facilmente entram no lugar de questões mais difíceis — essa é a ideia essencial da abordagem de heurísticas e vieses.


104 - Nossa capacidade de "avaliação básica" ao se julgar um estranho no primeiro olhar: ...O formato do rosto fornece os indícios para avaliar a dominância: um queixo quadrado e “forte” é um deles. A expressão facial (sorriso ou carranca) fornece os indícios para avaliar as intenções do estranho. A combinação de um queixo quadrado com uma boca virada para baixo pode significar encrenca3. A precisão da leitura de rosto é longe de perfeita: queixos arredondados não são um indicador confiável de brandura, e sorrisos podem (até certo ponto) ser fingidos. Mesmo assim, até uma capacidade imperfeita de avaliar estranhos confere uma vantagem na sobrevivência.


105 - Todorov mostrou para seus alunos fotos do rosto de homens, às vezes por apenas um décimo de segundo, e pediu-lhes que classificassem os rostos segundo vários atributos, incluindo capacidade de agradar e competência. Os observadores mostraram grande consenso nessas classificações. Os rostos que Todorov mostrou não eram uma série aleatória: eram fotos de políticos em campanha por um cargo eletivo. Todorov em seguida comparou os resultados das disputas eleitorais com as classificações de competência que os alunos de Princeton haviam feito, baseadas em uma breve exposição de fotografias e fora de qualquer contexto político. Em cerca de 70% das eleições para senador, congressista e governador, o vencedor foi o candidato cujo rosto recebera uma classificação maior de competência. O resultado surpreendente foi rapidamente confirmado em eleições nacionais na Finlândia, eleições regionais na Inglaterra e diversas disputas eleitorais na Austrália, na Alemanha e no México. Surpreendentemente (ao menos para mim), classificações de competência eram muito mais proféticas em relação a resultados eleitorais no estudo de Todorov do que classificações da capacidade de agradar. (...) Como esperado, o efeito da competência facial na votação é cerca de três vezes maior entre os eleitores pobres de informação e propensos à tevê do que entre outros que são mais bem informados e assistem a menos televisão.


106 - Cumprimento de linhas como exemplo das limitações do Sistema 1: ...O fracasso do Sistema 1 em calcular com um simples olhar a extensão total de um conjunto de linhas pode lhe parecer óbvio; você nunca pensou que fosse capaz de fazê-lo. É na verdade a ocorrência de uma importante limitação desse sistema. Como o Sistema 1 representa categorias por meio de um protótipo ou de um conjunto de paradigmas típicos, ele lida bem com médias, mas mal com somas. São as "variáveis tipo-soma".



107 - Se batendo com escalas de intensidade: Agora equipare a habilidade de leitura Julie na infância com a seguinte escala de intensidade: (...) Qual a altura de um homem que é tão alto quanto Julie era precoce? (...) O que você acha de 1,80 metro? Obviamente é pouco. E que tal 2,10 metros? Provavelmente é demais. Você está procurando uma altura que seja tão notável quanto aprender ao ler aos 4 anos. Ou... "Que média de notas em Harvard ou Yale se equipara à leitura de Julie?"


108 - Experimentos dos pares de palavras que rimam (a meu ver, mais um exemplo de como não dá pra desligar o Sistema 1): ...Eles eram nitidamente mais vagarosos para reconhecer as palavras como uma rima se a grafia era discrepante (VOTE - GOAT...). Embora as instruções exigissem uma comparação apenas dos sons, os participantes também comparavam as grafias, e a não equiparação nessa dimensão irrelevante tornava-os mais lentos. A intenção de responder a uma pergunta evocava outra, que era não apenas supérflua como também prejudicial à tarefa principal. Cita um experimento similar que pede aos participantes para julgar frases apenas literalmente verdadeiras o mais rápido possível. O tempo de reação é maior nas frases que podem ser metaforicamente verdadeiras, o que atrapalha. Ex: "alguns empregos são prisões".


109 - “Avaliar se uma pessoa é atraente ou não constitui uma avaliação básica. Você faz isso automaticamente, quer queira, quer não, e isso o influencia.”



Pgs. 72-78


"CAPÍTULO 9: "RESPONDENDO A UMA PERGUNTA MAIS FÁCIL"


110 - O estado normal de sua mente é que você dispõe de sentimentos e opiniões intuitivos sobre quase tudo que surge em seu caminhoVocê simpatiza ou antipatiza com uma pessoa bem antes de saber muita coisa sobre ela; você mostra confiança ou desconfiança em relação a estranhos sem saber por quê; você sente que um empreendimento está fadado ao sucesso sem fazer uma análise.


111 - Sobre o título do capítulo, é a chamada "pergunta heurística": Se uma resposta satisfatória para uma pergunta difícil não é rapidamente encontrada, o Sistema 1 encontrará uma pergunta relacionada que é mais fácil e que vai responder a ela. Chamo essa operação de responder a uma pergunta em lugar de outra de substituição. Respostas fáceis para perguntas difíceis. A palavra vem da mesma raiz que heureca.


112 - Conclusões, ao que entendi, da pesquisa dele com Amos: ...quando requisitadas a julgar uma probabilidade, as pessoas na verdade julgam alguma outra coisa e creem ter julgado a probabilidade.



113 - ...Alguma coisa continua faltando nessa história: as respostas precisam se adequar às perguntas originais. Por exemplo, meus sentimentos sobre golfinhos moribundos devem ser expressos em dólares. Outra aptidão do Sistema 1, equiparação de intensidade, está disponível para solucionar esse problema. Lembre-se de que tanto sentimentos como contribuição em dólares são escalas de intensidade. Posso ter sentimentos mais ou menos fortes em relação a golfinhos e há uma contribuição que se equipara à intensidade de meus sentimentos. A quantia em dólares que virá à minha mente é a quantia equiparada.


114 - ...um Sistema 2 preguiçoso muitas vezes segue o caminho do menor esforço e endossa uma resposta heurística sem examinar muito minuciosamente se ela é realmente apropriadaVocê não vai ficar confuso ou perplexo, não terá de se esforçar muito e talvez nem sequer se dê conta de que não respondeu à pergunta que lhe foi feita. Além do mais, talvez nem sequer perceba que a pergunta-alvo era difícil, porque uma resposta intuitiva para ela veio prontamente à sua mente.


115 - Traz um exemplo de "heurística 3d" (Seu sistema perceptivo automaticamente interpreta a imagem como uma cena tridimensional, não como um imagem impressa em uma superfície plana de papel... O que acontece aqui é uma verdadeira ilusão, não uma compreensão equivocada da pergunta. Você sabia que a pergunta era sobre o tamanho das figuras na imagem, tal como impressa na página):


116 - Correlação entre perguntas. Um experimento mediu forte alteração da medida com mera troca de ordem: "O quão feliz você tem se sentido ultimamente? Quantos encontros você teve no mês passado?" Apresentadas nesta ordem nem deu correlação. Apresentadas na ordem inversa, deu absurdos 0,66 de correlação! Somos sugestionáveis pra caralho mesmo. Entra, segundo Daniel, pesadamente o "efeito substituição": ...os estudantes que haviam acabado de ser questionados sobre seus encontros não precisavam pensar muito, pois já tinham na cabeça uma resposta para uma pergunta relacionada: quão felizes estavam com sua vida amorosa. Eles substituíram a pergunta que lhes foi feita por aquela para a qual tinham uma resposta pronta.


117 - ...Isso não é exclusivo da vida amorosa. O mesmo padrão é encontrado se uma pergunta sobre as relações dos alunos com seus pais ou sobre sua situação financeira precede imediatamente a pergunta sobre felicidade geral. Porém, o louco é que pode acontecer o contrário também se a pessoa saca o truque e acha a "sugestionabilidade" da coisa muito besta, digamos assim: Sabe-se que o humor varia com o clima e a substituição explica o efeito na felicidade relatada. Porém, outra versão do levantamento por telefone produziu um resultado um pouco diferente. Perguntou-se a esses indivíduos consultados sobre o clima atual antes que lhes fosse feita a questão sobre felicidade. Para eles, o clima não exercia qualquer efeito na felicidade informada! O priming explícito do clima forneceu-lhes uma explicação para seu humor, solapando a conexão que normalmente seria feita entre humor presente e felicidade global.


118 - Heurística do afeto. Lista uma série de coisas e temas polêmicos. Se você antipatiza com todas essas coisas, provavelmente acredita que seus riscos são elevados, e seus benefícios, desprezíveis


119 - A autocrítica é uma das funções do Sistema 2. No contexto das atitudes, contudo, o Sistema 2 age mais como um defensor para as emoções do Sistema 1 do que como um crítico dessas emoções — ele mais endossa que impõeSua busca por informação e argumentos está na maior parte restrita à informação que seja consistente com crenças existentes, não com uma intenção de examiná-las. Um Sistema 1 ativo, que busca coerência, sugere soluções para um Sistema 2 complacente.


120 - Um excelente quadro-resume reúne as características do chamado "Sistema 1" apresentadas até agora:




PARTE 2: HEURÍSTICAS E VIESES 



Pgs. 79-85


"CAPÍTULO 10: "A LEI DOS PEQUENOS NÚMEROS"


121 - Incidência de câncer em meios rurais. Os condados onde a incidência de câncer renal é menor são na maior parte rurais, esparsamente povoados e localizados em estados tradicionalmente republicanos no Meio-Oeste, no Sul e no Oeste. Sistema 2 formula a hipótese de que se trata de uma vida mais saudável, menos poluído e estressante talvez. Aí vem outro dado: Agora considere os condados em que a incidência de câncer de rim é mais elevada. Esses condados atingidos tendem a ser na maior parte rurais, esparsamente povoados e localizados em estados tradicionalmente republicanos no Meio-Oeste, no Sul e no Oeste. Hipótese? Pobreza do meio rural. Tabaco, pouca diversidade alimentar... Ou seja, elegemos o mesmo culpado e o mesmo herói para problemas parecidos. 


122 - A explicação está na probabilidade e "lei dos pequenos números". Amostras pequenas tendem a ter resultados mais extremos. (Acho, porém, que eu tinha interpretado errado a afirmação-premissa-do-problema. Interpretei como se fossem as médias das duas populações - rural e urbana). Se você tem um balde metade bolinha de gude branca, metade vermelha, tirando quatro delas haverá maior probabilidade de tirar quatro todas de uma cor ou outra que se tirasse sete bolas e acontecesse a mesma coincidência. Enfim, amostragem é "tudo"!


123 - Amostragem: O autor comentava que os psicólogos comumente escolhem amostras tão pequenas que expõem a si próprios a um risco de 50% de fracasso na confirmação de suas verdadeiras hipóteses! Ele próprio viu que errava nas amostras, o que era  especialmente embaraçoso por dar aulas de estatística. ...Mas eu nunca escolhera um tamanho de amostra por cálculo. Como meus colegas, confiara na tradição e em minha intuição ao planejar meus experimentos e nunca pensara seriamente sobre a questão. Quando Amos visitou meu grupo de alunos pesquisadores, eu já chegara à conclusão de que minhas intuições eram deficientes e, no decorrer do seminário, rapidamente concordamos que os otimistas de Michigan estavam errados. Pesquisaram entre os pares e descobriram que também partiam de intuições erradas sempre que não calculavam.


124 - Sistema 1 e a incerteza: A menos que a mensagem seja imediatamente desaprovada, a associação que ela evoca se espalhará como se a mensagem fosse verdadeira. O Sistema 2 é capaz de duvidar, pois consegue manter possibilidades incompatíveis ao mesmo tempo.


125 - Dá três sequencias de seis nascimentos em um hospital. Numa delas, as seis foram de meninas. Eram todas as três igualmente prováveis? O louco é que a resposta é sim. Somos ávidos por padrões, temos fé em um mundo coerente, em que as regularidades (tal como a sequência de seis meninas) não aparece por acidente, mas como resultado de uma causalidade mecânica ou da intenção de alguém. Não esperamos ver a regularidade produzida por um processo aleatório, e quando detectamos o que parece ser uma regra, rapidamente rejeitamos a ideia de que o processo seja verdadeiramente aleatório. Processos aleatórios produzem muitas sequências que convencem as pessoas de que o processo afinal de contas não é aleatório.


126 - ...Novamente a explicação parece estar na evolução: Leões podem aparecer na planície em ocasiões aleatórias, mas seria mais seguro notar e reagir a um aparente aumento na taxa de aparecimento de bandos de leões, mesmo que isso na verdade seja devido a flutuações no processo aleatório.


127 - Durante o intenso bombardeio de Londres na Segunda Guerra Mundial, havia uma crença geral de que o bombardeio não podia ser aleatório porque um mapa dos locais atingidos revelava lacunas óbvias. Alguns suspeitaram que espiões alemães estivessem escondidos nas áreas não atingidas. Uma análise estatística cuidadosa revelou que a distribuição de locais atingidos era típica de um processo aleatório — e típica também ao evocar uma forte impressão de que não era aleatório. “Para o olho não treinado”, observa Feller, “a aleatoriedade se apresenta como regularidade ou tendência de agrupamento”.


128 - Não demorou para que eu tivesse oportunidade de aplicar o que aprendera com Feller. A Guerra do Yom Kippur estourou em 1973, e minha única contribuição significativa para o esforço de guerra foi aconselhar oficiais de alta patente na Força Aérea Israelense a interromper uma investigação. A guerra no ar inicialmente correu muito mal para Israel, devido ao inesperado bom desempenho dos mísseis terra-ar egípcios. As perdas foram elevadas, e pareciam desigualmente distribuídas. Fiquei sabendo de dois esquadrões que partiam de uma mesma base, sendo que um perdera quatro aviões, enquanto o outro não perdera nenhum. Uma investigação foi iniciada com a esperança de descobrir o que o desafortunado esquadrão estava fazendo de errado. Não havia nenhum motivo prévio para acreditar que um dos esquadrões fosse mais eficiente que o outro, e nenhuma diferença operacional foi identificada, mas é claro que as vidas dos pilotos diferiam de muitas maneiras aleatórias, incluindo, eu me lembro, com que frequência voltavam para casa entre uma missão e outra e algo sobre a condução de interrogatórios. Minha sugestão foi de que o comando aceitasse que os diferentes resultados deviam-se ao acaso cego e que os inquéritos com os pilotos cessassem. Argumentei que o acaso era a resposta mais provável, que uma busca aleatória por uma causa não aparente era algo impossível e que nesse meio-tempo os pilotos do esquadrão que haviam sofrido perdas não precisavam do peso extra de serem levados a sentir que eles e seus companheiros mortos tinham alguma culpa.


129 - Basquete e o cara que acerta várias cestas seguidas em determinados períodos do jogo. Popularmente, ele estaria com a "mão quente". Companheiros passam a "dar a bola" a ele e adversários prestam atenção extra na marcação. Porém... a sequência de sucessos e arremessos perdidos satisfaz todos os testes de aleatoriedade. A mão quente está inteiramente nos olhos de quem vê, que é invariavelmente muito rápido em perceber ordem e causalidade no aleatório. A mão quente é uma ilusão cognitiva maciça e popular. (...) A reação pública a essa pesquisa é parte da história. A descoberta virou assunto na imprensa por sua conclusão surpreendente, e a reação geral foi de descrença. Quando o celebrado técnico do Boston Celtics, Red Auerbach, ouviu falar de Gilovich e seu estudo, ele reagiu: “Quem é esse cara? E daí que ele fez um estudo. Estou pouco me lixando.” A tendência a ver padrões na aleatoriedade é esmagadora — certamente mais impressionante que um cara fazendo um estudo. (...) Mostramos uma inclinação grande demais em rejeitar a crença de que grande parte do que vemos no mundo é aleatório.


130 - Cita uma pesquisa que tentava pescar padrões das escolas bem-sucedidas. A identificação de que escolas pequenas apareciam entre as melhores mais do que era sua porcentagem no número total de escolas poderia ter levado (ou efetivamente levou, num investimento de 1.,7 bilhões de dólares) a conclusões bem equivocadas. Se os estatísticos que fizeram o relatório para a Gates Foundation tivessem perguntado sobre as características das piores escolas, teriam descoberto que escolas ruins também tendem a ser menores do que a média. A verdade é que escolas pequenas não são melhores em média; são simplesmente mais variáveis. Se há alguma diferença, dizem Wainer e Zwerling, é que escolas grandes tendem a produzir resultados melhores, especialmente em séries superiores, nas quais a variedade de opções curriculares é valiosa


131 - Enfim, o acaso é mais poderoso do que se supõe. Buscamos a segurança dos padrões.


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