Livro: Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar - Capítulos 3 e 4
Livro: David Kahneman - Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (2011)
Pgs. 32-39
"CAPÍTULO 3: "O CONTROLADOR PREGUIÇOSO"
38 - Normalmente é fácil e de fato bastante agradável andar e pensar ao mesmo tempo, mas em casos extremos essas atividades parecem competir pelos recursos limitados do Sistema 2. (...) Por minha experiência, sou capaz de pensar enquanto caminho, mas não consigo empreender um esforço mental que imponha uma carga pesada sobre a memória de curto prazo.
39 - ...Embora eu não tenha conduzido um estudo sistemático, desconfio que a comutação frequente de tarefas e a aceleração do trabalho mental não sejam intrinsecamente prazerosos, e que as pessoas os evitam na medida do possível. É assim que a lei do menor esforço se torna uma lei.
40 - Existe o trabalho intenso cognitivo não-aversivo (tipo quando leio textos com elevadíssimo grau de interesse): As pessoas que experimentam o fluxo descrevem-no como “um estado de concentração sem esforço tão profundo que elas perdem a noção do tempo, de si mesmas, de seus problemas”, e suas descrições da alegria desse estado são tão persuasivas que Csikszentmihalyi o chamou de uma “experiência ótima” (“optimal experience”). Muitas atividades podem induzir uma sensação de fluxo, desde pintar até participar de uma corrida de motocicletas — e para alguns escritores sortudos que conheço, até escrever um livro é muitas vezes uma experiência ótima. (...) Em um estado de fluxo, porém, manter a atenção concentrada nessas atividades absorventes não exige nenhum empenho do autocontrole, desse modo liberando os recursos para serem dirigidos à tarefa que se apresenta.
41 - Sistema 2 distraído é oportunidade para o Sistema 1 agir. A pessoa lhe diz que se lembrar dos dígitos é sua prioridade máxima. Enquanto sua atenção está focada nos dígitos, lhe é oferecida a escolha entre duas sobremesas: um pecaminoso bolo de chocolate e uma virtuosa salada de frutas. A evidência sugere que muito provavelmente você escolheria o tentador bolo de chocolate quando sua cabeça está carregada de dígitos. O Sistema 1 exerce maior influência no comportamento quando o Sistema 2 está ocupado, e ele tem um fraco por doces. (...) Pessoas que estão cognitivamente ocupadas também têm maior probabilidade de fazer escolhas egoístas, usar linguajar sexista e fazer julgamentos superficiais em situações sociais.
42 - Preocupação demasiada sobre estar executando bem uma tarefa às vezes atrapalha o desempenho ao carregar a memória de curto prazo com pensamentos ansiosos desnecessários. A conclusão é inequívoca: autocontrole exige atenção e esforço.
43 - Ligação entre esforços, de diferentes tipos, sucessivos: ...O fenômeno tem sido chamado de esgotamento do ego (ego depletion). Numa demonstração típica, participantes instruídos a suprimir sua reação emocional num filme de grande carga emocional mais tarde exibirão um desempenho ruim num teste de resistência física — quanto tempo conseguem manter um aperto firme em um dinamômetro, a despeito do desconforto crescente. (...) Em outro experimento, as pessoas são primeiramente esgotadas com uma tarefa em que ingerem comidas saudáveis como rabanetes e aipo enquanto resistem à tentação de se entregar a chocolates e biscoitos calóricos. Mais tarde essas pessoas vão desistir mais cedo do que o normal quando confrontadas com uma tarefa cognitiva difícil.
44 - Autocontrole (primeira lista) e sinais de esgotamento:
45 - Um forte incentivo para fazer uma coisa pode diminuir o esgotamento.
46 - A descoberta mais surpreendente feita pelo grupo de Baumeister revela, como ele afirma, que a ideia de energia mental é mais do que uma simples metáfora. O sistema nervoso consome mais glicose do que outras partes do corpo, e a atividade mental trabalhosa parece ser particularmente dispendiosa na moeda da glicose. Experimentos com glicose para diminuir o esgotamento mental provaram isso.
47 - Mais experimentos. Juízes israelenses: Eles passam dias inteiros revisando pedidos de condicional. Os casos são apresentados em ordem aleatória, e os juízes dedicam pouco tempo a cada um, numa média de seis minutos. (A decisão default é a rejeição da condicional; apenas 35% dos pedidos são aprovados. O tempo exato de cada decisão é registrado, e os períodos dos três intervalos para refeição dos juízes — a pausa da manhã, o almoço e o lanche da tarde — durante o dia também são registrados.) Os autores do estudo fizeram um gráfico da proporção de pedidos aprovados em relação ao tempo desde a última pausa para refeição. A proporção conhece picos após cada refeição, quando cerca de 65% dos pedidos são concedidos. Durante as duas horas, mais ou menos, até a refeição seguinte dos juízes, a taxa de aprovação cai regularmente, até chegar perto de zero pouco antes da refeição.
48 - Experimento do bastão e bola que custam 1,10. Segui minha intuição rápida e realmente me traiu: Uma das principais funções do Sistema 2 é monitorar e controlar pensamentos e ações “sugeridos” pelo Sistema 1, permitindo que parte deles sejam expressos diretamente no comportamento e suprimindo ou modificando outros. (...) sabemos um fato significativo sobre qualquer um que diz que a bola custa 10 centavos: essa pessoa não checou ativamente se a resposta estava correta, e seu Sistema 2 endossou uma resposta intuitiva que poderia ter sido rejeitada com um pequeno investimento de esforço. (...) alguns segundos de trabalho mental (o problema é moderadamente difícil), com músculos ligeiramente tensionados e pupilas dilatadas, poderia evitar um erro embaraçoso. (...) Mais de 50% dos alunos em Harvard, MIT e Princeton deram a resposta intuitiva — incorreta. (Graças a Jeová!) Em universidades menos seletivas, a taxa de ausência de checagem demonstrável foi superior a 80%. Aponta uma possível razão: muitas pessoas são superconfiantes, inclinadas a depositar excessiva fé em suas intuições.
49 - A do silogismo das flores eu não caí. Achei menos "pegadinha". A grande maioria dos estudantes universitários endossa esse silogismo como válido. (...) Assim como no problema do bastão e bola, uma resposta plausível vem imediatamente à cabeça. Superá-la exige trabalho duro — a ideia insistente de que “é verdade, é verdade!” torna difícil verificar a lógica, e a maioria das pessoas não se dá ao trabalho de pensar sobre o problema. (...) Se o Sistema 1 está envolvido, a conclusão vem primeiro e os argumentos se seguem.
50 - Eu pensava que definir inteligência assim era ser excessivamente amplo: Inteligência não é apenas a capacidade de raciocinar; é também a capacidade de encontrar material relevante na memória e mobilizar a atenção quando necessária. A função da memória é um atributo do Sistema 1. Entretanto, qualquer um conta com a opção de reduzir a velocidade para empreender uma busca ativa na memória por todos os fatos relevantes possíveis — assim como poderia diminuir para verificar a resposta intuitiva no problema do bastão e bola. O grau de checagem e busca deliberadas é uma característica do Sistema 2, que varia de indivíduo para indivíduo.
51 - Colocam que os estudantes não cairiam em nenhuma dessas pegadinhas se estivessem sob incentivos maiores. O estudante não é burro, ele tem preguiça de pensar. A facilidade com que eles se satisfazem o suficiente para pararem de pensar é um tanto quanto inquietante. “Preguiça” é um veredito duro sobre o automonitoramento desses jovens e seu Sistema 2, mas não parece ser injusto. Os que evitam o pecado da indolência intelectual poderiam ser chamados de “empenhados”. São mais alertas, intelectualmente mais ativos, menos dispostos a se satisfazer com respostas superficialmente atraentes, mais céticos acerca de suas intuições. O psicólogo Keith Stanovich diria que são mais racionais.
52 - Experimento de autocontrole com biscoito recheado (um agora? Ou dois depois de quinze minutos olhando para o "um" numa sala vazia sem distrações?). Mais ou menos a metade das crianças conseguiu a proeza de esperar os 15 minutos, principalmente mantendo sua atenção longe da tentadora recompensa. Dez ou 15 anos depois, um grande fosso se abrira entre os que haviam resistido à tentação e os demais. Os resistentes tinham grau mais elevado de controle de execução em tarefas cognitivas e especialmente a capacidade de realocar efetivamente sua atenção.
53 - Jogos - videogames - especialmente projetados para treinar atenção (consequentemente inteligência?). Deu exemplo lá. Os pesquisadores descobriram que treinar a atenção não melhorava apenas o controle de execução; acertos em testes de inteligência não verbais também melhoravam, e a melhora era conservada por vários meses. Outra pesquisa feita pelo mesmo grupo identificou genes específicos que estão envolvidos no controle da atenção, revelou que técnicas de criação dos pais também afetavam essa capacidade e demonstraram uma ligação estreita entre a capacidade das crianças de controlar sua atenção e a capacidade de controlar suas emoções.
54 - Shane Frederick construiu um Teste de Reflexo Cognitivo (Cognitive Reflection Test), consistindo no problema do bastão e bola e duas outras perguntas, escolhidas porque também convidam a uma resposta intuitiva que é tão tentadora quanto errada (as perguntas são mostradas no capítulo 5). Descobriu, ainda, ligações entre isso e a impulsividade (típica do experimento do biscoito): Por exemplo, 63% dos intuitivos responderam que prefeririam ganhar 3.400 dólares neste mês a ganhar 3.800 no mês seguinte. Apenas 37% dos que resolvem todos os três problemas corretamente têm a mesma preferência míope por receber uma quantia menor imediatamente. Quando perguntados quanto pagarão para que seja entregue de um dia para o outro um livro que encomendaram, os de baixa pontuação no Teste de Reflexo Cognitivo mostram-se dispostos a pagar até duas vezes mais que os de pontuação alta.
55 - Enfim: O Sistema 1 é impulsivo e intuitivo; o Sistema 2 é capaz de raciocínio e é cauteloso, mas ao menos para algumas pessoas ele também é preguiçoso.
56 - Chega a um ponto muito foda, digamos assim: ...Stanovich argumenta que inteligência elevada não torna as pessoas imunes a vieses. Há outra capacidade envolvida, que ele classifica como racionalidade. O conceito de Stanovich de uma pessoa racional é similar ao que anteriormente classifiquei como “empenhado”. O cerne de seu argumento é que a racionalidade deve ser distinguida da inteligência. Na sua opinião, o pensamento superficial ou “preguiçoso” é uma falha na mente reflexiva, uma deficiência na racionalidade. Essa é uma ideia atraente e provocante para o pensamento. Dando apoio a ela, Stanovich e seus colegas descobriram que a questão do bastão e bola e outras como ela são de certo modo melhores indicadores de nossa suscetibilidade a erros cognitivos do que formas convencionais de medir a inteligência, como os testes de QI. Só o tempo dirá se a distinção entre inteligência e racionalidade pode conduzir a novas descoberta.
Pgs. 40-46
"CAPÍTULO 4: "A MÁQUINA ASSOCIATIVA"
57 - Sistema 1 e suas reações automáticas: ativação associativa: ideias que foram evocadas disparam muitas outras ideias, numa cascata crescente de atividade em seu cérebro. O traço essencial dessa série complexa de eventos mentais é sua coerência. Cada elemento está conectado, e cada um apoia e fortalece os outros. A palavra evoca lembranças, que evocam emoções, que por sua vez evocam expressões faciais e outras reações, tais como um aumento geral de tensão e uma tendência a evitar algo.
58 - Em Investigação sobre o entendimento humano, publicada em 1748, o filósofo escocês David Hume reduziu os princípios de associação a três: semelhança, contiguidade de tempo e lugar, e causalidade. Nosso conceito de associação mudou radicalmente desde o tempo de Hume, mas seus três princípios continuam a fornecer um bom ponto de partida.
59 - Coloca que a máquina de associação traz coisas que nem imaginamos. Outro grande avanço em nossa compreensão da memória foi a descoberta de que o priming não se restringe a conceitos e palavras. Você não pode saber disso pela experiência consciente, é claro, mas deve aceitar a estranha ideia de que suas ações e emoções podem ser primadas por eventos dos quais nem sequer tem consciência.
60 - Parece que somos bem sugestionáveis pela nossa máquina de associação: A conexão ideomotora também funciona inversamente. (...) Os estudantes recebiam instrução de andar por uma sala durante cinco minutos a uma velocidade de trinta passos por minuto, o que constituía cerca de um terço de seu ritmo normal. Após a breve experiência, os participantes eram muito mais rápidos em reconhecer palavras relacionadas à velhice, como esquecido, velho e solitário. Efeitos de priming recíprocos tendem a produzir uma reação coerente: se você fosse estimulado a pensar na velhice, tenderia a agir como velho, e agir como velho reforçaria o pensamento de velhice. (...) Conexões recíprocas são comuns na rede associativa. Por exemplo, ser entretido tende a fazê-lo sorrir, e sorrir tende a fazer com que se sinta entretido.
61 - Em uma demonstração, as pessoas escutavam mensagens em seus novos fones de ouvido. Eram informadas de que o propósito do experimento era testar a qualidade do equipamento de áudio e instruídas a mexer a cabeça repetidamente para constatar qualquer distorção de som. Metade dos participantes devia balançar a cabeça para cima e para baixo enquanto a outra metade recebeu instrução de abanar a cabeça de um lado para o outro. As mensagens escutadas eram editoriais de rádio. Os que balançavam a cabeça (um gesto de sim) tendiam a aceitar a mensagem que escutavam, os que a abanavam tendiam a rejeitá-la. Mais uma vez, não havia consciência, apenas uma conexão habitual entre uma atitude de rejeição ou aceitação e sua expressão física comum. Pode-se perceber por que o comum aviso para “agir com calma e educação independentemente de como você se sente” é um bom conselho: é provável que você seja recompensado sentindo-se de fato calmo e educado.
62 - Nosso voto não deveria ser afetado pelo local onde está a urna, por exemplo, mas é. Um estudo sobre padrões de voto no Arizona em 2000 revelou que o apoio a propostas de aumentar a verba para escolas era significativamente maior quando o prédio da votação era uma escola, em vez de qualquer outro local nas redondezas.
63 - Experimentos com pessoas estimuladas pela palavra dinheiro em comparação às outras: Elas perseveraram quase o dobro do tempo em tentar resolver um problema muito difícil antes de pedir ajuda ao pesquisador, uma nítida demonstração de autoconfiança aumentada. Também mais egoístas: elas se mostraram bem menos dispostas a perder tempo ajudando outro aluno que fingia estar confuso sobre uma tarefa experimental. Quando um pesquisador desajeitado derrubou um punhado de lápis no chão, os participantes com dinheiro (inconscientemente) na mente pegaram menos lápis. (...) O tema geral desses resultados é que a ideia de dinheiro evoca individualismo: uma relutância a se envolver com outros, a depender de outros ou a aceitar pedidos dos outros. (...) Kathleen Vohs, mostrou-se, de maneira louvável, contida em discutir as implicações de suas descobertas, deixando a tarefa aos seus leitores. Seus experimentos são profundos — suas descobertas sugerem que viver em uma cultura que nos cerca com "lembretes de dinheiro" pode moldar nosso comportamento e nossas atitudes de maneiras a respeito das quais não temos consciência e das quais talvez não nos orgulhemos.
64 - Associação: A evidência do priming sugere que lembrar as pessoas de sua própria mortalidade aumenta o apelo de ideias autoritárias, que podem se tornar tranquilizadoras no contexto do terror da morte. Outros experimentos têm confirmado insights freudianos sobre o papel dos símbolos e metáforas em associações inconscientes. (...) A limpeza é muito específica quanto às partes do corpo envolvidas em um pecado. Participantes de um experimento foram induzidos a “mentir” para uma pessoa imaginária, fosse pelo telefone, fosse por e-mail. Num teste subsequente de desejabilidade de vários produtos, as pessoas que haviam mentido ao telefone preferiam um antisséptico bucal a sabão, e as que haviam mentido por e-mail preferiam sabão a antisséptico bucal.
65 - Os efeitos de um priming são robustos, mas não necessariamente abrangentes. Entre uma centena de votantes, só uns poucos cujas preferências iniciais eram incertas votarão de modo diferente acerca de uma questão escolar se o seu local de votação for uma escola, e não uma igreja — mas basta uma pequena porcentagem para determinar o resultado de uma eleição.
66 - O experimento "semana com flores" e "semana com olhos" também vai no mesmo sentido: somos bastante sugestionáveis. "Estranhos para nós mesmos": O Sistema 1 fornece as impressões que muitas vezes se transformam em suas crenças, e é a fonte dos impulsos que muitas vezes se tornam suas escolhas e suas ações.
67 - “O mundo faz muito menos sentido do que você pensa. A coerência deriva principalmente do modo como sua mente funciona.”
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