Fernando Genta dos Santos e Renato Perim Colistete - Reavaliando o II PND - Parte 2
Texto - Fernando Genta dos Santos e Renato Perim Colistete - Reavaliando o II PND
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17 - Entram pesadamente as substituições de importação frente ao cenário externo complicando: a desconfiança de que uma desvalorização fosse capaz de aumentar substancialmente as exportações e reduzir as importações devido às condições do mercado internacional; o receio do impacto inflacionário resultante de uma política cambial mais realista e a atitude antiexportadora predominante entre as empresas, contribuíram para que prevalecesse uma resposta com maior ênfase na substituição de importações do que na promoção de exportações.
18 - ...Mais: ...as crescentes importações, viabilizadas pela taxa de câmbio valorizada e substancialmente maiores do que poderia ser financiado com a geração de divisas por exportações, eram vistas como um meio de combater a inflação por meio do aumento da oferta doméstica. Com a taxa de câmbio valorizada, também era possível haver menor repasse dos custos das importações de combustível para os preços domésticos. Da mesma forma, as elevadas importações ajudaram a sustentar altas taxas de investimento, sobretudo em bens de capital. Finalmente, os recursos externos teriam permitido resolver o conflito potencial entre promover altas taxas de investimento com o aumento simultâneo do consumo.
19 - De acordo com Fishlow, a substituição de importações prevista pelo II PND somente funcionaria como um ajuste de curto prazo se houvesse ampla margem de capacidade ociosa na indústria, que permitisse aumentar a produção sem grande exigência de importações essenciais.
20 - Fishlow coloca que o setor privado era mais sanguessuga que parceiro, de certa forma: ...a base fiscal do governo permaneceu relativamente inalterada, recorrendo-se ao financiamento externo. Resistia-se ao aumento dos impostos; mais ainda, o setor privado reivindicava transferências na forma de subsídios e incentivos fiscais para as exportações. “O problema brasileiro era, no fundo, o de um Estado fraco (e não forte, como parecia).” (Fishlow, 1986: 520-2).
21 - O último período dos três é o de "tapa-buracos". Tapa um efeito aparece outro. Exemplifica: O governo promovia um aperto monetário para combater a inflação e aumentava a taxa de juros com o fim de atrair recursos externos. Como a entrada de capital estrangeiro era maior do que o volume necessário para cobrir o déficit nas transações correntes, grande parte das divisas foi acumulada na forma de reservas. A acumulação de reservas expandia a base monetária e, portanto, os depósitos nos bancos comerciais, ampliando a oferta de crédito. A natureza de quase-moeda dos títulos públicos fazia com que políticas de esterilização resultassem em expansão da liquidez, limitando a política de contração monetária. Ao mesmo tempo, a elevação da taxa de juros enfraquecia o Estado, na medida em que ampliava a demanda por crédito subsidiado por parte dos produtores nacionais. Os controles administrativos de preços aumentavam os déficits das estatais, que se viam na contingência de recorrer ao endividamento externo (Fishlow, 1986: 524-5).
22 - ...No setor exportador, a participação dos subsídios, excluindo a isenção de impostos diretos, saltou de 20 para 40% do valor exportado total. O aumento de produtividade reduziu seu papel no crescimento das exportações. A conta dos juros e amortizações do progressivo endividamento externo não tardaria a chegar, pois a receita em divisas oriunda das exportações foi crescentemente desviada para o pagamento das obrigações externas, limitando assim a capacidade de importar, variável-chave para a manutenção desejada do crescimento acelerado. Da mesma forma, as exportações não cresceram na medida necessária para contrabalançar os crescentes pagamentos externos. A dívida externa subiu em média 28% ao ano, entre 1973-1978, levando a maiores razões dívida externa/exportações. Fishlow sustenta que, independentemente da elevação da taxa de juros e da recessão mundial posteriores, havia “um problema potencial de endividamento no futuro do Brasil”.
23 - Contra "Barros", afirma que a substituição de importações não parece ter sido a principal causa dos superávits comerciais de 1983-84. (Qual foi? Restabelecimento dos termos de troca?)
24 - Alguns autores vão analisar aspectos mais políticos do II PND: ...o novo governo lançou-se à cooptação de velhas oligarquias que haviam sido marginalizadas até aquele momento: as oligarquias regionais e aquelas ligadas aos setores de construção civil e financeiro. Teria surgido então uma “nova aliança política” formada pelo “capital financeiro nacional, pelas grandes empreiteiras e pelo Estado”. Outros colocaram que não é bem assim. Ou seja, embora tivesse existido de fato certo neopatrimonialismo, o foco principal eram medidas racionais - no aspecto de que realmente poderiam superar as dificuldades em alguns cenários - visando o progresso econômico.
25 - Após toda essa revisão de literatura, o texto vai para a apresentação da metodologia de análise própria. Com o uso da abordagem moderna de séries de tempo, é possível tratar das causas das mudanças na política econômica do período Geisel considerando tanto os choques externos quanto os internos.
26 - Respostas típicas ao Choque do Petróleo segundo Balassa: As quatro políticas de resposta ao choque são: endividamento externo, substituição de importação, promoção de exportações e aplicação de políticas macroeconômicas deflacionárias (Balassa, 1981; 1989). Os autores creem, porém, que as medidas de Geisel podem ter a ver também com outros fatores, como o cenário político interno.
27 - Ao contrário da metodologia desenvolvida por Balassa (1989), o VAR nos permite analisar de forma simples a participação de cada choque nas oscilações de cada série, via decomposição da variância do erro de previsão. Como eu não lembro quase nada do pouco que aprendi de econometria, pouco entendi do que eles fizeram. Segue, porém, o que mediram:
28 - ...Embora os resultados da decomposição da variância possam ser sensíveis ao ordenamento escolhido, os modelos estimados não apresentaram grandes diferenças qualitativas como consequência de diferentes ordenações. Os resultados apresentados foram obtidos adotando a seguinte ordenação: Preços Relativos, Nível de Atividade Mundial, Despesa do Governo, Substituição de Importações, Promoção das Exportações e Endividamento Externo. (...) A escolha dos Preços Relativos como variável mais exógena é natural, dado que o choque do petróleo em 1973 deveu-se em grande parte a causas geopolíticas, assim como também é razoável que o Nível de Atividade Mundial seja a segunda mais exógena, afetada contemporaneamente pelo choque do petróleo, mas não pela economia brasileira. A terceira mais exógena é a Despesa do Governo, seguida por Substituição das Importações, Promoção das Exportações e Endividamento Externo. Essa ordenação final deveu-se ao maior peso que o II PND deu à substituição de importações em relação à promoção das exportações, assim como a baixa preocupação com a magnitude da dívida, tendo em vista a elevada liquidez criada pelos petrodólares, conforme mostrado pela literatura.
29 - É possível observar, inicialmente, que enquanto um choque de desaceleração da economia mundial (coluna 2) produziu apenas um efeito marginal durante todo o período analisado (1,8% na média), um choque nos Preços Relativos gerou um impacto expressivo após dois anos de sua realização (11,4% em 1975). Em outras palavras, as despesas governamentais parecem ter sido muito pouco sensíveis às mudanças no nível de atividade econômica internacional, embora tenham refletido mais intensamente as variações nos termos de troca.
30 - Com relação aos fatores internos, a Substituição de Importações causou um impacto apreciável sobre as Despesas do Governo já em 1974 (7,3%), inclusive com uma magnitude bem superior à influência da Promoção das Exportações (por exemplo, 3,7% em 1974). (...) Por sua vez, um choque no Endividamento Externo produziu um efeito praticamente nulo ao longo dos anos seguintes, sinalizando um possível descaso do governo com relação ao equilíbrio da dívida externa.
31 - A dominância desse choque em relação aos demais pode significar que os gastos governamentais foram mais influenciados por razões políticas do que por critérios de racionalidade econômica, como sustentaram Balassa (1979) e Aguirre e Saddi (1997), por exemplo. (...) o que sugere que os fatores internos foram bem mais importantes do que os fatores externos em um aspecto central (o gasto público) da implementação do II PND.
32 - Sobre o resultado contra o argumento de Velloso (que culpa Figueiredo), eu nada entendi. Baseia-se em outra tabela lá (sobre a dívida externa). Teria que pegar melhor como funciona essa econometria toda. Parece sugerir que o endividamento já era uma bola de neve insustentável que carregaria inevitavelmente as despesas do governo nos anos 80 (o que me parece inclusive razoável, só que Geisel não tinha como prever Volcker).
33 - A substituição de importações (coluna 5) respondeu por uma parcela muito maior da flutuação da dívida externa do que a política de promoção das exportações (coluna 6) por todo o período de implementação do II PND, não obstante o choque dessa última variável ter tido um forte impacto inicial (16,3%) em 1973 em comparação a um efeito praticamente nulo (0,25%) da substituição de importações.
34 - Juntos, os choques externos (colunas 1 e 2) responderam por cerca de 36% em média das oscilações na substituição de importações a partir de 1977. (o que parece ser algo muito grande nesse modelo deles).
35 - Ainda sobre a substituição de importações: Por outro lado, as despesas governamentais (coluna 3) exerceram uma influência crescente, sobretudo a partir do período de execução dos projetos associados ao II PND (1,7% em 1974 para 20,3% em 1979). Essa é uma evidência do papel central dos projetos induzidos pelo governo no processo substitutivo de importações que marcou o II PND, conforme Velloso (1998), Castro (1985) e outros autores enfatizaram em seus trabalhos. Mesmo assim, nota-se que os choques externos combinados (colunas 1 e 2) superaram com folga as despesas governamentais na determinação das variações na substituição de importações, mesmo durante o II PND.
36 - Sobre promoção das exportações: ...enquanto os Preços Relativos tiveram um efeito moderado durante todo o período (com média de 7,3%), as variações no Nível de Atividade Mundial produziram um impacto inicial bastante significativo sobre a promoção das exportações (19,9% em 1973), declinando ao longo do período de implementação do II PND (10,1% em 1979). (...) Partindo de um efeito nulo nos dois anos iniciais, a variação na dívida externa cresceu rapidamente em importância a partir de 1975 (4,3%), alcançando um peso próximo (29,3%) ao do próprio choque na Promoção das Exportações (33,6%) em 1981.
37 - ...A Substituição de Importações foi outro fator de destaque para a promoção de exportações, tendo um impacto relativo de 16,8% em 1974, apesar da tendência de declínio nos anos seguintes (8,8% em 1979). Mesmo com essa queda de importância, os dados sugerem que o processo substitutivo de importações produziu efeitos positivos em termos de exportações. Da mesma forma, a Despesa do Governo teve um impacto crescente sobre a promoção de exportações no período, passando de 0,8% em 1973 para 14,7% em 1978, ano em que obteve sua maior participação relativa na série. Esse é mais um indicador de que, apesar do já notado papel predominante do Endividamento Externo, as ações governamentais também foram importantes para as exportações, corroborando nesse aspecto os argumentos de Velloso (1998) em sua defesa do II PND.
38 - Tendo em vista a predominância de fatores internos para as despesas durante Geisel, concluem que o governo (...) subestimou a profundidade e duração da crise internacional iniciada em 1973.
39 - O modelo, ao que entendi, diz na Tabela 1 que a despesa do governo acabou sendo uma decisão fortemente "autônoma", digamos assim. Independeu uns 80% de qualquer fator. (Não sei 100% se é essa a interpretação correta...). O predomínio absoluto e persistente da despesa do governo frente a outras variáveis internas na determinação dos gastos públicos pode ser uma indicação de que as motivações políticas, associadas à busca de legitimidade do governo tanto em termos eleitorais quanto em termos de suas alianças com grupos sociais, foram mais relevantes do que critérios econômicos para a implementação do II PND. Nesse aspecto, as interpretações de Lessa (1978), Balassa (1979), Fishlow (1986) e Aguirre e Saddi (1997) saem favorecidas quando comparadas com a hipótese de elevada racionalidade econômica defendida por Velloso (1998), Castro (1985) e Fonseca e Monteiro (2008).
40 - Os resultados da seção 5 indicam, porém, que as políticas do governo Geisel tiveram um impacto direto e duradouro sobre o endividamento externo (Tabela 3). A própria dívida externa, as despesas governamentais e a substituição de importações exerceram o maior efeito sobre o endividamento externo no período. (...) Assim, é difícil negar que o II PND, embora tenha alcançado considerável êxito em sua meta de diversificar a estrutura industrial, contribuiu de forma decisiva para os sérios problemas que, potencializados pela segunda crise do petróleo e elevação dos juros em 1979, culminaram com os graves desequilíbrios das décadas seguintes.
41 - Há fatores internos realmente na decisão de promoção das exportações... Ainda assim, o endividamento externo tornou-se progressivamente um dos principais condicionantes da promoção das exportações, à medida que a geração de divisas passou a ser vital para a manutenção de altos níveis de importação e do crescente serviço da dívida externa. Foi o grande impulsionador final.
42 - ...Da mesma forma, a substituição de importações parece ter sido sempre priorizada em relação à promoção das exportações, como pode ser visto no caso da determinação dos choques nas despesas do governo.
43 - Interpretação de Lessa (1978): ...o II PND seria uma expressão do ufanismo militarista que sacrificou a racionalidade econômica, subestimando em particular as consequências da nova conjuntura internacional.
44 - A conclusão dos autores: É possível inferir dos resultados obtidos que os choques externos do preço do petróleo e da desaceleração econômica mundial tiveram um impacto moderado sobre as decisões de política econômica, predominando considerações relativas à situação doméstica, sobretudo as de natureza política.
45 - ...Não era sustentável pois as contas externas começaram a pesar demais. Nas palavras dos autores: os resultados em termos de exportações não foram suficientes para superar as fortes tensões acumuladas. (...) Mesmo tendo alcançado considerável êxito em seu propósito de diversificar a estrutura industrial, não parece razoável desconsiderar ou relativizar os elevados custos da estratégia de crescimento acelerado com endividamento externo em meio à crise internacional. Os resultados aqui apresentados sugerem, enfim, que o II PND contribuiu de forma significativa para os sérios problemas que, ampliados pela segunda crise do petróleo e elevação dos juros em 1979, culminaram com graves desequilíbrios, crise externa e estagnação econômica nas décadas seguintes.
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