Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam - Capítulo 4

                             

Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam



Pgs. 101-127


"CAPÍTULO 4: "PEQUENAS DIFERENÇAS E CONJUNTURAS CRÍTICAS: O PESO DA HISTÓRIA"


91 - Peste Bulbônica: Transmitida por pulgas de ratos, a doença foi trazida da China por mercadores que percorriam a Rota da Seda, a grande artéria comercial que cruzava a Ásia. Apresentam vários relatos. 


92 - ...A peste abateu-se sobre os ingleses e rapidamente eliminou metade da população.


93 - Ao fim da peste, a escassez de mão-de-obra era tamanha que leis surgiram para impedir o aumento do padrão de vida dos servos. Particularmente preocupante para a elite inglesa era a “sedução”, a tentativa de um nobre de atrair os raros camponeses de outro. A solução encontrada foi adotar a prisão como penalidade pelo abandono do emprego sem a devida permissão do empregador.


94 - Foram décadas de luta. Em 1381, irrompeu a Revolta dos Camponeses, no decorrer da qual os rebeldes, sob a liderança de Wat Tyler, chegaram a apoderar-se da maior parte de Londres. Embora tenham acabado derrotados e Tyler executado, não houve novas tentativas de impor o Estatuto dos Trabalhadores. O esquema de trabalho feudal definhou, emergiu um mercado de trabalho inclusivo na Inglaterra, e os salários subiram.


95 - Na Europa Oriental ocorreu o inverso. Após a peste, os senhores locais começaram a apropriar-se de vastas extensões de terra e expandir seus domínios, que já eram maiores do que os do oeste do continente. As cidades eram mais fracas e menos populosas, e, em vez de se tornarem mais livres, os trabalhadores viram minguar as liberdades que já possuíam.


96 - Cita uma tal "Segunda Servidão" a partir de 1500: Os nobres aumentaram os impostos coletados sobre as glebas de seus próprios vassalos, apoderando-se de metade da produção bruta. Em Korczyn, Polônia, todo o trabalho prestado para o senhor, em 1533, era remunerado. Em 1600, porém, quase metade consistia em trabalho forçado não remunerado.


97 - ...Embora em 1346 houvesse poucas diferenças entre a Europa Ocidental e a Oriental em termos de instituições políticas e econômicas, em 1600 as duas partes do continente eram mundos completamente distintos. No oeste, os trabalhadores estavam livres das obrigações, multas e regulamentações feudais, tornando-se peças-chave na nova economia de mercado em expansão. No leste, também tomavam parte dessa organização econômica, mas como servos coagidos responsáveis pela produção dos alimentos e produtos agrícolas demandados pelo Ocidente. (...) A peste negra é um vívido exemplo de uma daquelas circunstâncias críticas, um grande acontecimento ou confluência de fatores que vêm romper o equilíbrio econômico ou político existente na sociedade. (...) pode abrir caminho para a interrupção do ciclo de instituições extrativistas e possibilitar o surgimento de outras, mais inclusivas, como aconteceu na Inglaterra. Ou pode intensificar a emergência de instituições extrativistas, como no caso da segunda servidão, na Europa Oriental.


98 - Chama a Revolução Gloriosa de primeiro conjunto de instituições políticas inclusivas no mundo. A Revolução Gloriosa restringiu o poder do monarca e do Executivo, e deslocou para o Parlamento a possibilidade de determinar as instituições econômicas. Ao mesmo tempo, abriu o sistema político para um amplo corte transversal da sociedade, aumentando a parcela da população capaz de exercer considerável influência sobre o funcionamento do Estado.


99 - ...Nem a escravidão nem as rígidas restrições econômicas do período medieval feudal, como a servidão, existiam na Inglaterra no princípio do século XVII. Não obstante, havia muitas restrições às atividades econômicas às quais as pessoas podiam se dedicar. Tanto a economia doméstica quanto a internacional estavam estranguladas por monopólios. O Estado determinava impostos arbitrários e manipulava o sistema legal. A maior parte da terra estava submetida a formas arcaicas de direitos de propriedade, que impossibilitavam sua venda e faziam dela um investimento demasiadamente arriscado.


100 - A firmeza na defesa dos direitos de propriedade teria vindo após a Revolução Gloriosa... e a lei inglesa passou a valer para todos os cidadãos – algo que não tinha precedentes históricosOs tributos arbitrários foram descontinuados, sendo abolidos quase por completo. (...) Ao racionalizar os direitos de propriedade, facilitou a construção de infraestrutura − sobretudo estradas, canais e, mais tarde, ferrovias − que se provaria crucial para a expansão industrial. Enfim, incentivos prepararam terreno para a futura Revolução Industrial. As inovações viriam, já que as ideias foram protegidas e poderiam dar origem a negócios. Citam uma carta de Watt ao pai, mostrando o quanto este esperava lucrar 25 anos com sua invenção da máquina à vapor. Cita a já grande demanda. Foi uma lei de renovação da patente.


101 - Antes da Revolução Inglesa, todos os países europeus estavam sob o absolutismo.


102 - Em 1585, instalou-se em Roanoke, na atual Carolina do Norte, o primeiro núcleo de colonização inglesa na América do Norte.


103 - Século XVI: as côrtes inglesas conseguiam impor alguns limites à monarca já. Não era como na Espanha, por exemplo. Elizabeth I e seus sucessores não tinham condições de monopolizar o comércio com as Américas. Outros monarcas europeus, sim. Assim, enquanto na Inglaterra o comércio no Atlântico e a colonização começaram a formar um grande grupo de comerciantes prósperos e sem muitos vínculos com a Coroa, não foi o que se deu na Espanha ou FrançaOs comerciantes ingleses incomodavam-se com o controle régio e reivindicavam mudanças nas instituições políticas e restrição das prerrogativas reais – e desempenhariam papel fundamental tanto na Guerra Civil inglesa quanto na Revolução Gloriosa. Conflitos similares irromperam por toda parte. Os monarcas franceses, por exemplo, enfrentaram a Rebelião da Fronda entre 1648 e 1652. A diferença foi que, na Inglaterra, era muito mais provável que os adversários do absolutismo vencessem, dada sua relativa prosperidade e o fato de serem em maior número do que os opositores do regime na Espanha e na França.


104 - Resumo que fazem desse tipo de detalhes: Deflagrada uma circunstância crítica, as pequenas diferenças que fazem a diferença são aquelas peculiaridades institucionais iniciais que põem em movimento respostas muito diversas. É por isso que as discrepâncias institucionais relativamente sutis entre Inglaterra, França e Espanha acarretaram rumos de desenvolvimento radicalmente distintos.


105 - Voltam a focar no fato de que foi a época de distanciamento entre Europa Ocidental e o Leste Europeu: No lado ocidental, Estados fortes e centralizados como Inglaterra, França e Espanha contavam com instituições constitucionais latentes (o Parlamento, os Estados Gerais e as Cortes); havia também similaridades subjacentes em suas instituições econômicas, como a ausência de servidão. 


106 - Exemplo da Polônia-Lituânia: Não se tratava de um regime absoluto como a França de Luís XIV, o Rei-Sol, mas o absolutismo de uma elite – instituições políticas extrativistas do mesmo modo. Na produção, vigia uma servidão bem restritiva. Mais a leste, o imperador russo Pedro, o Grande, também estava consolidando um absolutismo muito mais intenso e extrativista do que mesmo Luís XIV seria capaz de administrar.


107 - A servidão no Leste Europeu foi forte até 1800 ou mais. Enquanto isso, ia minguando na Europa Ocidental. Como já vimos, as divergências tiveram início no século XIV, quando a peste negra abateu-se sobre o continente, em 1346.


108 - Colocam que processos de "microdiferenciação", digamos, institucional podem vir desde cedo. E a interação dessas com eventos/momentos críticos vai aprofundando e distanciando essas diferenciações iniciais. Exemplos de divergências: ...Algumas reconhecerão a autoridade dos mais velhos, outras não; algumas conquistarão desde cedo algum grau de centralização política, mas não outras. (...) Tais discrepâncias em geral começam insignificantes, mas vão se acumulando e criando um processo de distanciamento institucional. Do mesmo modo como as diferenças entre duas populações isoladas de organismos vão gradualmente se aprofundando.


109 - Tanto a peste negra quanto a expansão do comércio mundial após 1600 constituíram circunstâncias críticas significativas para as potências europeias. (...) Como os camponeses da Europa Ocidental possuíam, em 1346, mais poder e autonomia do que no Leste Europeu, a peste negra conduziu à dissolução do feudalismo na primeira, e a segunda servidão, no segundo. (...) Como, em 1600, o jugo da Coroa era mais leve na Inglaterra do que na França e na Espanha, o comércio atlântico preparou o terreno para a criação de novas instituições com maior pluralismo na Inglaterra, ao mesmo tempo em que fortaleceu os monarcas francês e espanhol.


110 - Colocam que nada existia de pré-determinado na história final da Revolução Inglesa. Venceu quem venceu graças à circunstância crítica decorrente da ascensão do comércio atlântico, que enriqueceu e encheu de ânimo os comerciantes que faziam oposição à Coroa


111 - Voltam a citar a acidental derrota da Armada espanhola, associando-a a alguns azares, tais como a morte do comandante mais experiente pouco antes (o sucessor cometeu erros estratégicos) e o mau tempo. O resultado óbvio, para muitos, era que os espanhóis esmagariam os ingleses, consolidando seu monopólio do Atlântico, e provavelmente derrubariam Elizabeth I, talvez mesmo adquirindo, em última instância, o controle das Ilhas Britânicas. Ou seja, a Inglaterra saiu do evento inesperadamente fortalecida no Atlântico. Evidentemente, ninguém em 1588 poderia prever as consequências da feliz vitória inglesa. Provavelmente poucos compreenderam, na época, que o ocorrido constituiria uma circunstância crítica que, por sua vez, daria origem a uma grande revolução política, um século depois.


112 - Colocam que isso nem sempre se dá, porém. A história é repleta de exemplos de revoluções e movimentos radicais que substituíram uma tirania por outra, em um padrão que o sociólogo alemão Robert Michels alcunhou de “lei de ferro da oligarquia”.


113 - O percurso inverso também existe (o que torna toda essa teoria meio confusa, diga-se de passagem): A República Veneziana, como veremos no Capítulo 6, deu largos passos rumo a instituições políticas e econômicas inclusivas no período medieval; porém, enquanto tais instituições foram pouco a pouco se fortalecendo na Inglaterra após a Revolução Gloriosa de 1688, em Veneza acabariam se configurando em instituições extrativistas, sob o controle de uma elite reduzida, de posse do monopólio, tanto das oportunidades econômicas quanto do poder político.


114 - Certas regiões do mundo desenvolveram instituições muito próximas àquelas da Inglaterra, ainda que por vias as mais diversas. Foi o caso particularmente de algumas das “colônias de povoamento” europeias, como Austrália, Canadá e Estados Unidos, muito embora suas instituições se encontrassem ainda em formação no decorrer da Revolução Industrial.


115 - A sorte de Argentina e Chile: Sem uma grande população nativa nem riquezas minerais, foram ambos “negligenciados” pelos espanhóis, que preferiram concentrar-se nas terras ocupadas pelas civilizações asteca, maia e inca. Não é coincidência que a área mais pobre da Argentina seja o noroeste, único setor do país integrado à economia colonial espanhola. É o perverso legado institucional extrativista.


116 - África: Nessa região do mundo, os Estados centralizados se formaram muito tarde e com contornos muito tênues. Onde efetivamente se constituíram tendiam a ser altamente absolutistas, como o Congo, e em geral logo entravam em colapso. A África compartilha essa trajetória de falta de centralização com países como Afeganistão, Haiti e Nepal.


117 - ...Surgiram novas oportunidades econômicas para o Reino do Congo com a chegada dos traficantes europeus. O comércio de longa distância que mudou a face da Europa também modificou o Reino do Congo, mas também aqui as divergências institucionais iniciais fizeram toda a diferença. O absolutismo congolês transmutou-se de um regime com total domínio da sociedade, por meio de instituições econômicas extrativistas que se apropriavam da produção agrícola de seus cidadãos, a um governo que escravizava e vendia em massa a sua população para os portugueses, em troca de armas e artigos de luxo para a elite local. Esse contato - evento criticou - levou à intensificação não-intencional do pluralismo na Inglaterra e do absolutismo no Congo. 


118 - Enfim, na verdade, esse "colonialismo/imperialismo" prejudicou até possíveis sementes positivas até então existentes, ao que entendi. ...Em poucos séculos, todo e qualquer traço de centralização do Estado foi revertido por completo, e muitos dos Estados africanos estavam aniquilados. Ainda que alguns Estados novos, e às vezes poderosos, tenham surgido para explorar o tráfico de escravos, eram baseados no belicismo e na pilhagem. (...) colonialismo europeu subsequente não só reverteu a incipiente modernização econômica em algumas partes do sul e do oeste da África como também eliminou qualquer possibilidade de reforma das instituições locais.


119 - Coloca que Botswana foi exceção e contou com algumas sortes. 


120 - A China era uma grande potência naval, tendo se envolvido em volumoso comércio de longa distância muitos séculos antes dos europeus. Entretanto, havia deixado os oceanos justamente no momento errado, quando os imperadores Ming chegaram à conclusão, no final do século XIV e início do XV, de que a intensificação do comércio de longa distância e a destruição criativa que daí adviria talvez lhes ameaçasse o trono.


121 - Na Índia, a diferenciação institucional funcionou de outra maneira, levando ao desenvolvimento de um sistema de castas de rigidez ímpar, que restringia o funcionamento dos mercados e a alocação de mão de obra pelos diferentes ofícios com rigor muito maior que o da ordem feudal na Europa medieval – além de sustentar outro forte regime absoluto, sob o domínio mogol. Os sobrenomes europeus associados a profissões - Baker, Cooper... - foram perdendo o sentido mais tarde.


122 - ...Na Ásia, a exploração inglesa no Século XIX só veio a piorar e reforçar tudo isso. Por que a intervenção inglesa teve consequências diferentes na China e no Japão? A diferenciação institucional sutil combinada a evento crítico é citada como causa. Embora o governo Tokugawa, no Japão, fosse absolutista e extrativista, sua ascendência sobre os principais líderes dos demais domínios feudais era tênue e passível de questionamentos. Apesar das rebeliões de camponeses e de insurreições civis, na China o absolutismo era mais forte e a oposição menos organizada e autônoma. Não se encontravam aí os equivalentes a líderes de outros domínios capazes de fazer frente ao regime absolutista do imperador e traçar uma alternativa institucional.


123 - SE AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS e econômicas da América Latina ao longo dos últimos 500 anos foram moldadas pelo colonialismo espanhol, as do Oriente Médio sofreram a influência do colonialismo otomano. (...) O Estado otomano era absolutista; o sultão prestava contas a poucos e não dividia o poder com ninguém. As instituições econômicas impostas por eles eram extremamente extrativistas. Não havia propriedade privada da terra, que a rigor pertencia toda ao Estado. A carga tributária que incidia sobre a terra e a produção agrícola, junto com os despojos das guerras, constituía a principal fonte de receita do governo. Direitos inseguros e impostos extorsivos, com poderosos cobradores de impostos, foram a regra. Na Palestina, por exemplo, a situação era tão nefasta que, a partir do final do século XVI, os camponeses abandonaram as terras mais férteis e deslocaram-se para as montanhas, que lhes proporcionavam mais proteção contra os bandidos.


124 - ...O comércio encontrava-se sob o controle estatal, e os vários ofícios estavam submetidos à rígida regulamentação de guildas e monopólios.


125 - Instituições coloniais extrativistas: Em alguns casos, como a monarquia jordaniana, esses setores da sociedade foram uma criação direta das potências coloniais – o que também ocorreu com frequência na África, como veremos.


126 - ...Os países do Oriente Médio desprovidos de petróleo, hoje, têm níveis de renda próximos aos dos países latino-americanos pobres, mesmo não tendo sofrido com forças geradoras de miséria, como o tráfico de escravos, e tendo se beneficiado por um período mais longo dos fluxos de tecnologia provenientes da Europa.

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