Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam - Capítulo 11 - "PARTE A"
Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam
Pgs. 294-309
"CAPÍTULO 11: "O CÍRCULO VIRTUOSO "
299 - Um elemento crucial da Revolução Gloriosa de 1688 foi o pluralismo de interesses representados no Parlamento. Nenhum dos grupos (mercadores, industrialistas, proprietários rurais ou aristocratas) aliados a Guilherme de Orange e, depois, à Casa de Hanover, que sucederia a Rainha Ana em 1714, teria força bastante para fazer valer sua vontade de maneira unilateral. (...) O partido político Whig, que, como vimos (páginas 163-164), fora fundado nos anos 1670 a fim de representar os novos interesses mercantis e econômicos, foi a principal organização por trás da Revolução Gloriosa, tendo dominado o Parlamento de 1714 a 1760. Entretanto, seu poder era restringido pelos grupos rivais, sobretudo o Partido Tory. Nunca puderam ser uma dinastia Stuart da vida.
300 - Narram que os Stuart tentaram, entre 1700 e 1750, retomar, por meio de apoiadores (jacobitas), inclusive externos, o trono inglês, mas foram sempre derrotados pelo exército britânico. Em 1745, o Jovem Pretendente conseguiu chegar com um exército até Derby, a apenas 160 quilômetros de Londres, a fim de derrubar as instituições políticas forjadas durante a Revolução Gloriosa. Foi derrotado, porém.
301 - Os autores iniciam o capítulo tratando dos "Negros" (pintavam o rosto). Revoltados com o desprezo pelo homem comum, estes atacavam grandes propriedades e cervos, em busca de "chantagem monetária" ou mesmo causar danos simplesmente. Julgavam que o povo era explorado pelo poder dominante, encarnado nos Whig. Desapropriação e violação de direitos tradicionais - terras comuns, por exemplo - eram combatidas, ao que entendi. O governo Whig não deixaria aquilo passar em brancas nuvens. Em maio de 1723, o Parlamento promulgou a Lei Negra, estabelecendo uma lista de 50 novos delitos extraordinários passíveis de condenação à forca. A Lei Negra transformou em crime não só portar armas, mas também andar com o rosto enegrecido. (...) a lei em si permaneceria nos livros até ser abolida, em 1824.
302 - ...Colocam que, durante a repressão, ficou famoso caso de "apoiador" que foi inocentado por razões processuais: ...a vitória de Huntridge é notável. O júri era composto não de iguais de Huntridge, mas de grandes proprietários de terras e fidalgos, que deveriam ter sido simpáticos a Walpole. Mas não era mais o século XVII quando a Câmara Estrelada limitava-se a subscrever os desejos dos monarcas Stuart e servir-lhes de instrumento repressivo contra seus oponentes – e da qual os reis podiam remover os juízes cujas decisões lhes desagradassem. Enfim, realmente havia acabado o absolutismo em nome do estado de direito. Nas palavras de E. P. Thompson: "...Ora, querendo ou não, os governantes acabaram se tornando prisioneiros da própria retórica; jogaram os jogos do poder segundo as regras que mais lhes convinham, mas não podiam quebrá-las; do contrário, o jogo inteiro estaria perdido." A ameaça de retorno dos Stuart levava os políticos a quererem apresentar um projeto que fosse diferente do absolutismo, valendo a pena ser defendido. Ademais, ajudava a manter o equilíbrio de poder entre os diversos grupos da coalização que derrubou os déspotas.
303 - O círculo virtuoso nasce não só da lógica inerente do pluralismo e do estado de direito, mas também porque instituições políticas inclusivas tendem a sustentar instituições econômicas inclusivas – o que leva a uma distribuição de renda mais igualitária, conferindo mais poder e autonomia a um amplo segmento da sociedade e igualando ainda mais as condições de participação no jogo político. (...) É extremamente significativo que o Estado inglês tenha abandonado a censura à imprensa a partir de 1688.
304 - Os homens comuns na Inglaterra imediatamente pós-revolucionária: ...Podiam defender seus direitos tradicionais e interesses econômicos nos tribunais e no Parlamento por meio de petições e lobby. Contudo, tal pluralismo não havia ainda gerado uma democracia de fato. A maioria dos homens adultos não tinha acesso ao voto, nem as mulheres, e subsistiam ainda diversas desigualdades nas estruturas democráticas existentes.
305 - ...O início do Século XIX tem revoltas que levam a uma estratégia das elites de abrir ainda mais a participação política. Reformas foram concedidas após alguns eventos preocupantes: ...Às Revoltas Luditas de 1811-1816, nas quais os trabalhadores combateram a introdução de novas tecnologias que, a seu ver, levariam à redução de seus salários, seguiram-se outras em que se exigiam explicitamente direitos políticos – a Revolta de Spa Fields, Londres, em 1816, e o Massacre de Peterloo, Manchester, em 1819. Na Revolta Swing, o de 1830, trabalhadores rurais protestaram contra a queda do padrão de vida, bem como contra a introdução de novas tecnologias. Enquanto isso, em Paris, explodia a Revolução de Julho de 1830. (...) Sobre as massas, asseveram: foram encorajadas pela mudança de natureza das instituições políticas deflagrada pela Revolução Gloriosa. O Conde Grey foi claro sobre o porquê das reformas iniciais (1831): "Ninguém se opõe, a parlamentos anuais, sufrágio universal e voto secreto mais do que eu. Meu objetivo não é favorecer, mas pôr um ponto final em tais esperanças e projetos. [...] O princípio da minha reforma é prevenir a necessidade de uma revolução [...] reformar para preservar, não derrubar". A coisa não parou e o movimento cartista trouxe forte o pleito do sufrágio universal - para homens - em 1838, além de igualdade eleitoral - sem requisitos -, voto secreto e remuneração dos eleitos.
306 - E. P. Thompson analisou a dinâmica política desse período crucial: "Quando as lutas de 1790-1832 indicaram que esse equilíbrio havia mudado, os governantes da Inglaterra foram defrontados com alternativas alarmantes. Poderiam dispensar o estado de direito, desmantelar suas elaboradas estruturas constitucionais, contradizer sua própria retórica e impor-se pela força; ou submeter-se às próprias regras e abdicar de sua hegemonia [...] foram dando passos hesitantes na primeira direção. No fim das contas, porém, em vez de despedaçar sua própria autoimagem e renegar 150 anos de legalidade constitucional, acabaram rendendo-se à lei."
307 - Acemoglu e Robinson apresentam possível outra razão: As instituições econômicas inclusivas acarretavam o desenvolvimento de mercados inclusivos, induzindo a uma alocação de recursos muito mais eficiente, maior estímulo ao investimento em educação e desenvolvimento de competências e inovações contínuas em tecnologia. Todas essas forças estavam em ação na Grã-Bretanha de 1831. E também havia "menos a perder" - com o "não-uso" do poder absoluto - que em outros países: ...não havia servos, a coerção no mercado de trabalho era relativamente pequena e poucos monopólios eram protegidos por barreiras alfandegárias. Agarrar-se ao poder teria sido muito menos rentável para a elite britânica.
308 - ...Até a prática da coisa - repressão - se tornava mais difícil: ...a Grã-Bretanha já apresentava um elevado índice de urbanização. Fazer uso de repressão contra um agrupamento urbano, concentrado e parcialmente organizado de pessoas dotadas de algum grau de poder seria muito mais difícil do que reprimir camponeses ou servos dependentes.
309 - A longa evolução das reformas políticas de ampliação do sufrágio: Embora o cartismo tenha se desintegrado após 1848, foi sucedido pela União pela Reforma Nacional, fundada em 1864, e pela Liga da Reforma, fundada em 1865. Em julho de 1866, uma série de manifestações turbulentas no Hyde Park em prol das reformas voltou a colocar o assunto na ordem do dia do debate político. A pressão gerou frutos, sob a forma da Segunda Lei da Reforma de 1867 – que duplicou o número total de eleitores, finalmente alçando a classe trabalhadora à condição de maioria em todas as zonas eleitorais urbanas. Pouco depois, introduziu-se o voto secreto e tomaram-se medidas para eliminar as práticas eleitorais corruptas, como a dos “agrados” (que consistia, basicamente, numa compra de votos, em troca dos quais os eleitores recebiam um “agrado” – em geral, dinheiro, comida ou álcool). O eleitorado novamente dobraria de tamanho com a Terceira Lei da Reforma, de 1884, quando o direito de voto chegou a 60% dos homens adultos. Após a Primeira Guerra Mundial, a Lei da Representação Popular, de 1918, estendeu o voto a todos os homens adultos com mais de 21 anos e a toda mulher acima de 30 que fosse contribuinte ou casada com um deles. Por fim, todas as mulheres receberiam o direito a voto, nas mesmas condições dos homens, em 1928.
310 - A "economia inclusiva" vindo a reboque: Uma das principais consequências da Primeira Lei da Reforma foi a revogação das leis do trigo, em 1846. Como vimos no Capítulo 7, essas leis proibiam a importação de grãos e cereais, mantendo seus preços altos e assegurando os lucros dos grandes proprietários de terras. Os novos parlamentares de Manchester e Birmingham queriam trigo barato e salários baixos. Ganharam, e os interesses ruralistas sofreram uma derrota significativa.
311 - Em 1871, o primeiro-ministro liberal, Gladstone, abriu os órgãos governamentais a exames públicos, tornando-o meritocrático e dando continuidade, assim, ao processo de centralização política e construção de instituições estatais iniciado durante a era Tudor. (...) Durante 1906-1914, o Partido Liberal, sob a liderança de H. H. Asquith e David Lloyd George, começou a usar o Estado para prestar número crescente de serviços públicos, entre eles saúde e seguro-desemprego, pensões financiadas pelo governo, salários mínimos e o compromisso com a tributação redistributiva. Em decorrência dessas modificações fiscais, a parcela do produto interno representada pela arrecadação de impostos mais que dobrou nas últimas três décadas do século XIX, voltando a duplicar nas três primeiras décadas do século XX.
312 - ...a Lei da Educação de 1870 estabeleceu, pela primeira vez, o compromisso do governo com a prestação sistemática de educação universal. A educação tornou-se inteiramente gratuita em 1891. (...) Em decorrência dessas mudanças, a proporção de crianças de 10 anos matriculadas na escola, que em 1870 estava em decepcionantes 40%, saltou para 100% em 1900.
313 - Abordam as vantagens do gradualismo das reformas: mais tempo para preparar o bote final, digamos. Reduz a chance de derrota. ...se em 1832 a ampliação do eleitorado, a reforma dos burgos podres e a revogação das leis do trigo tivessem sido propostas todas ao mesmo tempo, os proprietários rurais teriam oferecido resistência muito maior. A realização, primeiro, de reformas políticas limitadas, para só depois a abolição das leis do trigo entrar em pauta, desarmou o conflito. Citam revoluções - francesa, russa... - como fontes de instabilidade e imprevisibilidade, podendo levar a "passos atrás". Foi o que aconteceu no caso da Revolução Francesa, quando as primeiras experiências com a democracia levaram primeiro ao Terror, retornando depois duas vezes à monarquia, antes de finalmente conduzir à Terceira República francesa, em 1870. Sobre um dos mais famosos adversário da revolução, colocam: Em termos gerais, Burke equivocou-se. A Revolução Francesa veio substituir um edifício condenado e abriu caminho para instituições inclusivas não só na França, mas em boa parte da Europa Ocidental. Por outro lado, sua cautela não era inteiramente despropositada.
(...)
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