Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam - Capítulo 10

                                 

Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam



Pgs. 268-293


"CAPÍTULO 10: "A DIFUSÃO DA PROSPERIDADE "


268 - Antes da independência, eram os EUA que recebiam preferecialmente os "condenados da Inglaterra". Pena de morte virava degredo, por vezes. Depois, as "colônias penais" iriam para o "Plano B": A segunda opção seria a Austrália. Sua orla marítima oriental fora explorada pelo Capitão James Cook, grande homem do mar. Em 29 de abril de 1770, Cook aportou em uma magnífica enseada, que batizou de Botany Bay, em homenagem à riqueza da flora ali encontrada pelos naturalistas que acompanhavam sua expedição. Pareceu, para os funcionários do governo britânico, a localização ideal: o clima era temperado, e o lugar, tão longe dos olhos e do coração quanto se poderia imaginar.


269 - Narra a história de "novos colonos"-"condenados" - os Cables - que tiveram seus bens (fruto de doação caridosa) "apreendidos-roubados" no navio pelo capitão do transporte Inglaterra-Austrália. As leis inglesas não estendiam direitos aos condenados. A Austrália, porém, já se sentia autônoma a impor as suas, ignorando a inglesa. O juiz Collins aceitou o caso e o levou a julgamento. Por menos entusiasmado que Collins se mostrasse com o caso, e embora os jurados fossem pessoas enviadas para a Austrália para vigiar condenados como os Cables, estes conseguiram ganho de causa. (...) Assim, a Austrália não tardaria a diferenciar-se da Grã-Bretanha, tanto no tocante aos seus códigos criminal e civil quanto em uma variedade de instituições políticas e econômicas.


270 - A princípio, os condenados trabalhavam de forma forçada em solo australiano e não eram remunerados. Recebiam só comida e, portanto, o trabalho não era lá muito produtivo. Contudo, visto que nem o degredo nem o açoitamento deram certo, a alternativa foi oferecer-lhes incentivos. (...) Os guardas enveredaram, assim, por um caminho que acabaria levando a instituições ainda mais inclusivas do que aquelas existentes na Grã-Bretanha. Os condenados recebiam um conjunto de tarefas de que se desincumbir e, caso lhes sobrasse tempo, poderiam trabalhar por conta própria e vender sua produção.


271 - Graças ao "paraíso das ovelhas", alguns australianos enriqueceram. ...Macarthur logo seria o mais rico homem da Austrália, e ele e seus colegas, magnatas dos ovinos, ficaram conhecidos como Posseiros (Squatters), uma vez que a terra em que apascentavam seus animais pertencia não a eles, mas ao governo britânico. A princípio, porém, isso não passava de um detalhe insignificante. Os posseiros eram a elite da Austrália ou, numa expressão mais adequada, a Posseirocracia (Squattocracy). Não havia, porém, servos nem nada disso, mas sim trabalho assalariado mesmo. Logo os condenados foram autorizados a tornarem-se empreendedores e contratar outros sentenciados. Principalmente, uma vez cumprida sua pena, tinham todos os direitos restaurados e até ganhavam terra.


272 - Os posseiros, porém, enfrentaram revoltas pelo "livre acesso á terra" e "um júri de iguais". Algo semelhante aos conflitos nos EUA contra Lorde Baltimore. O conflito seguinte em Nova Gales do Sul se daria entre a elite e o resto da sociedade, composta de condenados, ex-condenados e suas famílias. (...) O governo britânico, mais uma vez, colocou-se do lado da elite, mesmo temendo também que um dia Macarthur e os posseiros se sentissem tentados a declarar independência. Iriam querer ainda mais:  Exigiam eleições de que pudessem participar como iguais, e assembleias e instituições representativas cujos cargos pudessem ocupar.


273 - Wentworth foi um dos líderes dos ex-condenados, chegando a fundar um jornal polêmico até.  Macarthur não gostava de Wentworth, como certamente não via com bons olhos suas reivindicações. Elaborou uma lista dos correligionários do rival, descrevendo-os nos seguintes termos:



274 - Em 1831, o Governador Richard Bourke cedeu às pressões e, pela primeira vez, permitiu que ex-condenados tomassem parte de corpos de júri. Os ex-condenados e, na verdade, muitos dos novos colonos livres queriam também o fim do degredo de condenados da Grã-Bretanha, pois gerava concorrência no mercado de trabalho e pressionava os salários para baixoOs posseiros gostavam dos salários baixos, mas perderam. Em 1840, o degredo para Nova Gales do Sul foi banido e, em 1842, instaurou-se um conselho legislativo com dois terços dos membros eleitos (o restante foi nomeado). Os ex-condenados poderiam concorrer a cargos públicos e votar caso possuíssem patrimônio suficiente, como era o caso de muitos. (...) Na década de 1850, a Austrália adotou o voto universal dos brancos adultos. As reivindicações dos cidadãos, ex-condenados e suas famílias encontravam-se agora muito à frente do que William Wentworth havia imaginado a princípio. Com efeito, a essa altura ele já estava alinhado com os conservadores, insistindo em um Conselho Legislativo que não fosse eleito. (...) Em 1856, os estados de Victoria, que se separara de Nova Gales do Sul em 1851, e da Tasmânia seriam os primeiros lugares do mundo a adotar o voto efetivamente secreto nas eleições, o que impediria a compra de votos e a coação. A resistência das elites às mudanças não logravam êxito.


275 - Austrália, EUA e o destino das instituições sob colonização: Nos dois casos, as circunstâncias iniciais não permitiram a implementação de instituições coloniais extrativistas. A colônia não dispunha de populações indígenas com densidade demográfica suficiente para possibilitar a exploração, acesso imediato a metais preciosos como ouro ou prata, ou solo e produtos agrícolas que tornassem viáveis economicamente latifúndios baseados em mão de obra escrava.


276 - A sorte desse tipo de colônia: Na Inglaterra, havia uma longa história de regime absolutista, profundamente arraigado, que precisou de uma revolução para ser extirpado. Nos Estados Unidos e Austrália, não havia nada disso. Por mais que Lorde Baltimore, em Maryland, e John Macarthur, em Nova Gales do Sul, pudessem aspirar a esse papel, não tinham condições de impor um controle tão estrito sobre a sociedade a ponto de seus planos frutificarem. As instituições inclusivas estabelecidas nos Estados Unidos e Austrália permitiram à Revolução Industrial disseminar-se sem demora por essas terras, que começaram a enriquecer. Os rumos tomados por esses países foram seguidos também por colônias como Canadá e Nova Zelândia.


277 - ...Apresenta a Revolução Francesa e suas consequências pela Europa como "terceiro caminho" para emergência de instituições inclusivas. Monarquia, nobreza e clero viviam no luxo e não pagavam impostos. Já a vida comum era árida e insalubre. Forasteiros não podiam abrir novos negócios e a servidão no campo havia se transformado em "meras" pesadas taxas (e alguma restrição à mobilidade permanecia. Não aprofundam o tema). O chamado Ancien Régime orgulhava-se de sua continuidade e estabilidade. A chegada de novos empreendedores e gente talentosa criaria instabilidade e não seria tolerada. Se a vida nas cidades era dura, nas aldeias provavelmente era pior.


278 - Em 4 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional Constituinte promoveu total reformulação das leis francesas, promulgando uma nova Constituição. Aboliu a servidão e impôs igualdade de direitos, sem isenções fiscais. Segundo os autores, este foi na verdade o artigo mais "radical": Todos os cidadãos, sem distinção de nascimento, são elegíveis para qualquer cargo, seja de cunho eclesiástico, civil ou militar; e nenhum ofício será considerado inferior a outro. (...) As reformas revolucionárias prosseguiram após 4 de agosto. Posteriormente, foram abolidas a autoridade da Igreja para coletar tributos especiais, e o clero foi convertido em funcionários do Estado. Junto com a remoção das rígidas normas políticas e sociais, vieram abaixo barreiras críticas às atividades econômicas. As guildas e todas as restrições ocupacionais foram derrubadas, criando condições mais igualitárias nas cidades. Era uma mudança radical: Várias décadas de instabilidade e beligerância seguiram-se às deliberações de 4 de agosto.


279 - ...A essas mudanças se seguiriam outras reformas na economia e na política, culminando por fim na Terceira República, em 1870, que traria para a França o tipo de sistema parlamentar que a Revolução Gloriosa havia começado a instalar na Inglaterra. A Revolução Francesa acarretou muita violência, sofrimento, instabilidade e guerra; não obstante, foi graças a ela que os franceses não se viram atados a instituições extrativistas que lhes bloqueassem o crescimento econômico e a prosperidade, como aconteceu com os regimes absolutistas do Leste Europeu – caso do Império Austro-Húngaro e da Rússia, por exemplo.


280 - Coloca que o absolutismo francês, especialmente durante a época de Luís XIV, teve certo êxito e mesmo crescimento econômico. O habilidoso ministro das Finanças de Luís XIV, Jean-Baptiste Colbert, supervisionou também o desenvolvimento de uma indústria sob os auspícios e controle do governo, uma modalidade de crescimento extrativista. O clero e a nobreza colhiam os frutos dos avanços.


281 - Origens do cenário que desembocou na Revolução: ...a Guerra dos Sete Anos contra os britânicos, entre 1756 e 1763, na qual a França perdeu o Canadá, fora particularmente onerosa. Um sem-número de nomes de peso tentou equilibrar o orçamento real mediante a reestruturação da dívida e o aumento dos impostos; entre eles, Anne-Robert-Jacques Turgot, um dos mais famosos economistas de seu tempo; Jacques Necker, que desempenharia também um papel crucial após a revolução; e Charles Alexander de Calonne. Nenhum, porém, logrou êxito. Calonne, como parte de sua estratégia, persuadiu Luís XVI a convocar a Assembleia dos Notáveis. O rei e seus conselheiros esperavam que a Assembleia endossasse suas reformas, do mesmo modo como Carlos I supunha que o Parlamento inglês concordaria em financiar um exército para combater os escoceses ao ser convocado, em 1640. A Assembleia, num movimento inesperado, decretou que só um órgão representativo, os Estados-Gerais, poderia avalizar tais reformas. A "Assembleia dos Notáveis" era muito mais fácil, pois se tratava de nobres escolhidos a dedos.


282 - A reunião dos Estados-Gerais terminou em impasse em maio de 1789. O Terceiro Estado, sobretudo os mercadores, homens de negócios, profissionais e artesãos, que reivindicavam mais poder, interpretaram esses desdobramentos como indícios de sua influência crescente. Viram que contavam com apoio popular nas ruas. Na Assembleia Nacional, portanto, exigiram participação maior nos procedimentos e direitos mais amplos em geral.


283 - Os conservadores exigiram a demissão do ministro das Finanças reformista - Necker. Afinal, suas proposições estavam gerando instabilidade. Foi "pior" ainda.  O resultado foi a célebre derrubada da Bastilha, em 14 de julho de 1789. Dali por diante, a revolução começou a sério. Necker foi reconduzido ao cargo e o revolucionário Marquês de Lafayette, encarregado da Guarda Nacional de Paris. No mês seguinte, veio a tal nova Constituição. Começa a tensão: ...os nobres debandavam – os chamados émigrés. Muitos incitavam também o rei a romper com a Assembleia e tomar providências, por conta própria ou com a ajuda de potências estrangeiras, como a Áustria, terra natal da Rainha Maria Antonieta e onde a maioria dos émigrés fora se refugiar. À medida que o povo, nas ruas, começava a detectar a ameaça iminente contra as conquistas da revolução nos últimos dois anos, o extremismo ia ganhando corpoA Assembleia Nacional Constituinte promulgou a versão definitiva da Constituição em 29 de setembro de 1791. O rei permanecia, mas insignificante.


284 - ...Entretanto, a dinâmica da revolução viu-se irreversivelmente modificada pela guerra que irrompeu em 1792 entre a França e a “primeira coalizão”, encabeçada pela Áustria. A guerra intensificou a determinação e o radicalismo dos revolucionários e das massas (os chamados sans-culottes, que se traduz como “sem calções”, por não poderem arcar com o estilo de calças então em voga). O resultado desse processo foi o período conhecido como Terror, sob o comando da facção jacobina encabeçada por Robespierre e Saint-Just, e deflagrada após as execuções de Luís XVI e Maria Antonieta – levando às execuções não só de enorme número de aristocratas e contrarrevolucionários, mas também de vários personagens centrais da própria revolução, entre eles os antigos líderes populares Brissot, Danton e Desmoulins.


285 - ...Seguiu-se uma fase de relativa estabilidade, primeiro sob o tanto insípido Diretório, entre 1795 e 1799, e depois com o poder mais concentrado nas mãos de um triunvirato, o Consulado, composto de Ducos, Sieyès e Napoleão Bonaparte. Já durante o Diretório, as façanhas militares do jovem General Napoleão Bonaparte haviam lhe granjeado fama considerável e sua influência só faria crescer após 1799. O general vencia batalhas cruciais e se tornava cada vez mais importante. As consequências da Revolução e suas novas leis se espalhavam pela Europa. Ou seja, permitiram (...) a Napoleão impor sua vontade, suas reformas e seu código legal a um vasto território. A queda de Napoleão após sua derrota final, em 1815, desencadearia também um período de retrocesso, com direitos políticos mais restritos e a restauração da monarquia francesa, sob Luís XVII. Nada disso, porém, faria mais que retardar a emergência última de instituições políticas inclusivas. Era uma exportação de reformas, que abriria terreno para a futura industrialização.


286 - Passam a tratar dos guetos judeus - Judengasse - em Frankfurt. Havia inúmeras restrições-proibições para esse povo. Quando estourou a Revolução Francesa, vivia no Judengasse de Frankfurt um jovem e bem-sucedido comerciante, Mayer Amschel Rothschild. Em princípios da década de 1780, Rothschild havia se estabelecido como o principal negociante de moedas, metais e antiguidades em Frankfurt. Como todos os judeus da cidade, porém, não podia abrir um negócio nem viver fora dos limites do gueto. As consequências da exportação da Revolução - inicialmente pela desorganização do poder local e depois pela nova organização - mudaram tudo. ...No fim daquela década, Rothschild era um dos mais ricos judeus de Frankfurt e um homem de negócios estabelecido. A emancipação plena teria de esperar até 1811, sendo plenamente implementada por Karl von Dalberg, nomeado Grão-Duque de Frankfurt na reorganização da Alemanha, promovida por Napoleão em 1806. Mayer Amschel disse então ao seu filho: “Você agora é um cidadão.” Haveria reveses posteriores, porém os Rothschild foram "desviando" e deram origem ao maior banco da Europa do século XIX, com filiais em Frankfurt, Londres, Paris, Nápoles e Viena.


287 - ...A realidade de inúmeros locais ia sendo alterada pelas vitórias de Napoleão, removendo restrições. Exemplo de restrições: Nas cidades de Colônia e Aachen, na Alemanha Ocidental, a adoção das máquinas de fiar e de tecer fora bloqueada por essas associações de ofícios. As leis francesas se espalhavam e iam derrubando todas essas coisas. A igualdade perante a lei triunfava.


288 - Sobre os conflitos militares na Europa: Como vimos, alarmadas com o rumo tomado pelos acontecimentos em território francês, várias potências europeias organizaram-se em torno da Áustria em 1792 para atacar a França, com o objetivo explícito de libertar o Rei Luís XVI, mas na realidade para esmagar a Revolução Francesa. Supunha-se que os exércitos improvisados postos em campo pela revolução sofreriam uma derrocada. Após algumas derrotas iniciais, porém, as tropas da nova república francesa acabaram vencendo uma guerra que haviam começado na defensiva. Apesar de graves problemas organizacionais a superar, os franceses estavam à frente dos demais países em uma inovação crucial: o recrutamento em massa. Introduzido em agosto de 1793, o sistema permitiu aos franceses pôr grandes exércitos em campo e adquirir vantagem militar que já beirava a supremacia antes mesmo de o decantado talento militar de Napoleão entrar em cena. (...) Entre 1795 e 1802, os franceses dominaram a Renânia, mas nenhuma outra região alemã. Em 1802, a Renânia foi oficialmente incorporada à França.


289 - Antes mesmo de Napoleão, as vitórias francesas na hoje Itália e em outras regiões resultavam em transformações. Seus exércitos revolucionários logo trataram de promover reformas radicais nas terras conquistadas, abolindo os vestígios remanescentes da servidão e das relações feudais com a terra e impondo a igualdade perante a lei. O clero foi destituído de seu status e poderes especiais, e as guildas, nas áreas urbanas, foram extintas ou, ao menos, gravemente enfraquecidas. (...) Evidentemente, as reformas impostas pela Revolução Francesa e por Napoleão não eram irreversíveis. Em determinados lugares, como em Hanover, Alemanha, as antigas elites voltaram ao poder logo após a queda de Napoleão, e a maior parte do que os franceses haviam conquistado perdeu-se de vez. Em muitos outros lugares, porém, o feudalismo, as guildas e a nobreza foram destruídos ou enfraquecidos em caráter permanente. Por exemplo, mesmo depois da partida dos invasores, em diversos casos o Código Napoleônico manteve-se em vigor.


290 - ...Em meados do século XIX, a industrialização encontrava-se em franco andamento em quase todas as regiões que estiveram sob controle francês – ao passo que lugares como o Império Austro-Húngaro e a Rússia, que os franceses não conquistaram, ou Polônia e Espanha, onde seu domínio foi temporário e limitado, mantiveram-se, de modo geral, estagnados.


291 - Próximo subtópico é o Japão. Cenário do surgimento da "aliança Satcho": No outono de 1867, Ōkubo Toshimichi, um dos principais cortesãos do domínio de Satsuma, no Japão feudal, viajou da capital, Edo (hoje Tóquio), até a cidade de Yamaguchi. Em 14 de outubro, encontrou-se com líderes do domínio Chōshū. Tinha uma proposta simples a fazer: que juntassem forças, marchassem com seus exércitos até Edo e derrubassem o xógum, o governante supremo do país. A família Tokugawa dominava desde 1600. Os xóguns Tokugawa eram os membros mais proeminentes de uma classe de senhores feudais que administravam e tributavam seus próprios domínios, entre eles o de Satsuma, pertencente à família Shimazu. Os samurais eram vassalos militares. (...) dirigiam uma sociedade similar à da Europa medieval, com categorias ocupacionais rígidas, restrições ao comércio e elevada carga tributária sobre os agricultores. O xógum governava de Edo, onde monopolizava e controlava o comércio exterior e bania os estrangeiros do país. (...) No sul do país, o domínio Satsuma mantinha relativa autonomia, gozando até de permissão para manter atividades comerciais independentes com o mundo exterior, através das Ilhas Ryūkyū.


292 - A ideia de substituir o feudalismo no Japão por um Estado moderno estava no centro da conspiração. A fim de angariar apoio para sua causa, trataram de maquiá-la com uma suposta irritação pelo esvaziamento do lugar do imperadorO tratado já assinado por Ōkubo Toshimichi com o domínio Tosa alegava que “país algum tem dois monarcas, lar nenhum tem dois senhores; o governo deve permanecer nas mãos de um só”. As proposições na verdade tornavam o poder mais plural, demolindo o absolutismo.


293 - Parece-me ter sido um grande golpe, que começou com uma "negociação": O xógum Yoshinobu concordou em abdicar e, em 3 de janeiro de 1868, foi declarada a Restauração Meiji; o Imperador Kōmei e seu filho Meiji (quando, um mês mais tarde, o velho imperador faleceu) foram reconduzidos ao poder. Embora Edo e a capital imperial, Quioto, estivessem ocupadas por tropas Satsuma e Chōshū, temia-se que os Tokugawa tentassem reconquistar o poder e restaurar o xogunato. Ōkubo Toshimichi queria vê-los esmagados para sempre. Assim, persuadiu o imperador a abolir o domínio Tokugawa e confiscar-lhes as terras. Em 27 de janeiro, o antigo xógum Yoshinobu atacou forças Satsuma e Chōshū; irrompeu a guerra civil – que se estenderia até o verão, quando os Tokugawa foram por fim derrotados. Começaram as reformas institucionais. Em 1869, o feudalismo foi abolido, e os 300 feudos restituídos ao governo central e convertidos em prefeituras, sob o controle de um governador indicado.


294 - ...A tributação era centralizada, em um moderno Estado burocrático substituiu o antigo, feudal. Em 1869, foi introduzida a igualdade de todas as classes sociais perante a lei; as restrições à migração e ao comércio internos foram abolidas. A classe dos samurais foi extinta, ainda que, para tanto, fosse preciso sufocar algumas rebeliões. Introduziram-se direitos individuais de propriedade sobre a terra e concedeu-se a todos a liberdade de ingresso e prática de qualquer ofício. O Estado dedicou-se avidamente à construção de infraestrutura. (Os Tokugawa tinham restrições às ferrovias e baniram o comércio ultramarino). São os primórdios da industrialização, com o surgimento de manufaturas. Em 1890, o Japão era o primeiro país asiático a adotar uma Constituição escrita e estabelecer uma monarquia constitucional, com Parlamento eleito, a Dieta, e Judiciário independente. Já países como a China permaneciam no absolutismo.


295 - ...Porém, diferenças importantes podem ter iniciado a "divergência": A estrutura das instituições políticas japonesas era outra. Embora o xogunato houvesse reduzido o imperador a um papel decorativo, como vimos, o poder Tokugawa estava longe de ser absoluto – e domínios como o dos Satsuma mantiveram não só a independência como até a capacidade de praticar comércio exterior por sua própria conta.


296 - A crescente intervenção inglesa - inclusive armada - na Ásia foi uma circunstância crítica que parece ter tido importante papel: A constatação de que o atraso econômico acarretava atraso também na esfera militar foi uma das forças motrizes por trás do plano de Shimazu Nariakira de derrubar o xogunato e desencadear as mudanças que acabariam levando à Restauração Meiji. Em busca do crescimento econômico: para que as reformas fossem realizadas, o xógum teria de ser derrubado, e foi. Colocam que uma possível derrubada do imperador chinês era bem mais difícil, tanto que só foi acontecer em 1911. Em vez de reformar suas instituições, os chineses tentaram fazer frente aos britânicos no campo militar por meio da importação de armamentos modernos. Os japoneses optaram pela construção de sua própria indústria bélica.


297 - Sobre as colônias "excepcionais" inglesas, resumem a questão assim: A inexistência de uma população nativa ou de recursos a serem extraídos tornou muito peculiar o colonialismo em ambos, ainda que seus cidadãos tenham precisado lutar muito por instituições inclusivas e por seus direitos políticos. Nas Ilhas Molucas, assim como em muitas outras regiões colonizadas pelos europeus na Ásia, no Caribe e na América do Sul, os cidadãos não tinham a menor chance de vencer essa disputa.


298 - Século XIX: Mais a leste, a reação foi similar àquela que se seguiu à peste negra, quando, em vez de desmoronar, o feudalismo se intensificou. O Império Austro-Húngaro, a Rússia e o Império Otomano ficaram ainda mais para trás economicamente, mas suas monarquias absolutistas ainda conseguiriam se sustentar no poder até a Primeira Guerra Mundial. (...) A China foi pela mesma trajetória (só que talvez com mais guerra?): a transição da dinastia Ming para a Qing engendrou um Estado comprometido com a construção de uma sociedade agrária estável, hostil ao comércio internacional.


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