Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam - Capítulo 9
Livro: Acemoglu & Robinson – Por que As Nações Fracassam
Pgs. 241-267
"CAPÍTULO 9: "REVERTENDO O DESENVOLVIMENTO"
240 - Os portugueses intentavam dominar o comércio de singulares especiarias do Sudeste Asiático. Porém, encontraram resistência. Como os monarcas absolutos europeus, os reis do Sudeste Asiático dependiam basicamente do comércio como fonte de renda, e tanto se dedicavam pessoalmente a ele quanto concediam monopólios para as elites locais e estrangeiras. Como na Europa absolutista, essa estratégia gerou algum crescimento econômico, embora oferecesse um conjunto de instituições econômicas que estava longe de ser o ideal para a prosperidade econômica, com barreiras alfandegárias significativas e direitos de propriedade predominantemente instáveis.
241 - Foram os holandeses que consumaram o sonho português para a região da Indonésia. ...Assim, em 1600 persuadiram o governante de Ambon a assinar um contrato de exclusividade, que lhes conferia o monopólio do comércio local de cravo-da-índia. Com a fundação da Companhia Holandesa das Índias Orientais em 1602, os holandeses acabaram levando a melhor em suas tentativas de se apoderar de todo o comércio de especiarias e eliminar seus concorrentes, por bem ou por mal. Tanto pior para o Sudeste Asiático. A Companhia Holandesa das Índias Orientais foi, depois da Companhia Inglesa das Índias Orientais, a segunda sociedade anônima por ações europeia – dois marcos no desenvolvimento das corporações modernas, que mais tarde desempenhariam papel central no crescimento industrial europeu. Foi também a segunda empresa a dispor de Exército próprio, com suficiente poder para travar guerras e colonizar terras estrangeiras. Lançando mão do poderio militar da companhia, os holandeses trataram de tirar do caminho todos os potenciais obstáculos ao seu tratado com o governante de Ambon. Assim, em 1605 capturaram um forte estratégico dos portugueses e afastaram à força todos os demais mercadores. Expandiram-se então para as Molucas do Norte, obrigando os soberanos de Tidore, Ternate e Bacan a vedar o cultivo e a comercialização do cravo-da-índia em seus territórios.
242 - ...O regime vigente emAmbon era similar ao de boa parte da Europa e das Américas na mesma época. Seus cidadãos pagavam tributos ao governante local e eram submetidos a trabalhos forçados. Os holandeses assumiram o controle e intensificaram o sistema, de modo a extrair mais trabalho e maior quantidade de cravo da ilha.
243 - ...Nas Ilhas Banda - também da região - só havia aldeias com assembleias de cidadãos. Ou seja, eram pequenas cidades-estados autônomas, sem hierarquia social ou política. A tpatica teria que ser diferente, por não haver poder centralizado a fim de assinar contratos de exclusividade/monopólio comercial. A princípio, isso significou que os holandeses teriam de concorrer com os mercadores ingleses, portugueses, indianos e chineses, perdendo as especiarias para os adversários sempre que não pagassem preços altos o bastante.
244 - ...A solução? Em 1618, Coen fundou Batávia, na Ilha de Java, como nova capital da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Em 1621, dirigiu-se a Banda com uma esquadra e tratou de massacrar quase toda a população das ilhas – provavelmente umas 15 mil pessoas. Todos os líderes foram executados com os demais e apenas alguns permaneceram vivos – em número suficiente para preservar o know-how necessário à produção das especiarias. Concluído o genocídio, Coen instaurou a estrutura política e econômica necessária para seu plano: uma sociedade de plantation. As ilhas foram divididas em 68 lotes, confiados a 68 holandeses, em sua maioria funcionários ou ex-funcionários da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Compraram escravos para complementar os sobreviventes.
245 - Os efeitos de todo esse modelo colonial: Os holandeses espalharam a estratégia que aperfeiçoaram nas Molucas para a região inteira, com profundas implicações para as instituições políticas e econômicas do resto do Sudeste Asiático. O longo processo de expansão comercial de diversos Estados da região, iniciado no século XIV, entrou em retrocesso. Mesmo aqueles que não chegaram a ser diretamente submetidos ao poder colonial e esmagados pela Companhia Holandesa das Índias Orientais fecharam-se e abandonaram o comércio. A incipiente transformação econômica e política no Sudeste Asiático foi interrompida.
246 - E mais...: A fim de evitar o perigo representado pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, vários Estados abandonaram a produção agrícola para exportação e abdicaram de toda atividade comercial. A autossuficiência era mais segura do que enfrentar os holandeses. Em 1620, o Estado de Banten, na Ilha de Java, derrubou suas pimenteiras na esperança de assim induzir os holandeses a deixá-lo em paz. Quando um mercador holandês visitou Maguindanao, no sul das Filipinas, em 1686, disseram-lhe: “Aqui é possível cultivar noz-moscada e cravo-da-índia, como em Malaku. Não nos dedicamos mais a isso porque o antigo rajá ordenou que fossem todas destruídas antes de morrer, por medo de que a companhia holandesa viesse disputá-las.” Outro comerciante ouviu declaração similar sobre o regente de Maguindanao, em 1699: “Ele havia proibido que se continuasse plantando pimenta para não acabar envolvido em uma guerra, fosse com a companhia [holandesa] ou com algum outro potentado.” Seguiu-se um processo de desurbanização e até de declínio econômico. Em 1635, os birmaneses transferiram sua capital de Pegu, no litoral, para Ava, bem no interior, subindo o Rio Irrawaddy.
247 - ...Colocam, porém, que o rumo que teriam esses Estados sem o massacre holandês é meio que imprevisível. "E se..." são realmente difíceis. A pobre Inglaterra já virou potência. A rica China, o contrário (e agora pode estar "desvirando"). Fato é que a situação de expansão colonial tornou "não-recomendável" instituições abertas demais. Os povos do Sudeste Asiático puseram fim ao seu intercâmbio comercial, fecharam-se e intensificaram seu absolutismo. (...) E, em última instância, nem a interrupção do comércio os poria a salvo dos europeus; no final do século XVIII, quase todos haviam sido engolfados por impérios coloniais.
248 - Escravização e África: Nos tempos romanos, os escravos eram provenientes dos povos eslavos do entorno do Mar Negro, do Oriente Médio e do Norte da Europa – mas, em 1400, os europeus já haviam parado de escravizar-se mutuamente. A África, todavia, como vimos no Capítulo 6, não fez a transição, como a Europa medieval, da escravidão à servidão. Nos primórdios da era moderna, no Leste Africano, era vibrante o tráfico de escravos, transportados em grande número através do Saara até a Península Arábica. Ademais, os grandes Estados medievais de Mali, Gana e Songhai, na África Ocidental, faziam intenso uso de mão de obra escrava no governo, Exército e agricultura, tendo adotado os modelos organizacionais dos Estados muçulmanos norte-africanos, com os quais mantinham relações comerciais. (...) Foi o desenvolvimento das colônias produtoras de açúcar no Caribe, a partir do princípio do século XVII, que provocou uma escalada extrema do tráfico internacional de escravos e o aumento sem precedentes da importância da escravidão dentro da própria África.
249 - ...No Século XVI, o tráfico "transsaariano" ainda era mais volumoso que o atlântico. No século seguinte isso se inverteu completamente e o atlântico passou a ter quase o triplo. Por volta de 1.350.000 africanos foram vendidos como escravos no comércio atlântico, sendo enviados, em sua maioria, para as Américas. (...) O século XVIII assistiu a outro salto abrupto, com aproximadamente 6 milhões de escravos mandados para o outro lado do Atlântico e talvez 700 mil atravessando o Saara.
250 - ...A maioria dos escravos deportados para as Américas consistia em prisioneiros de guerra que eram levados até o litoral. O recrudescimento dos conflitos foi alimentado pela gigantesca importação de armas e munição, que os europeus trocavam por escravos. Em 1730, cerca de 180 mil armas eram importadas todos os anos só no litoral oeste do continente; entre 1750 e princípios do século XIX, só os britânicos venderam entre 283 mil e 394 mil armas por ano. Deu mais exemplos depois. Sul do continente, etc.
251 - Qual era o contexto político geral do continente? A maioria dos Estados era de pequena escala, com a terra e os recursos sob o controle de chefes tribais, talvez reis. Muitos, como mostramos no caso da Somália, não contavam com absolutamente nenhuma estrutura de autoridade política hierárquica. O tráfico de escravos pôs em andamento dois processos políticos adversos. Primeiro, diversos Estados, a princípio, tornaram-se mais absolutistas, organizando-se em função de um único objetivo: escravizar e vender os demais para os traficantes europeus. Segundo, em consequência, mas, paradoxalmente em oposição ao primeiro, a beligerância incessante e a escravidão acabaram destruindo por completo qualquer tipo de ordem e autoridade estatal legítima porventura existente na África subsaariana. Além das guerras, os escravos também eram sequestrados e capturados em ataques de surpresa, de menor escala. A lei também se converteu em instrumento de escravização. Qualquer que fosse o crime cometido, a pena seria a escravidão.
252 - Relato assustador sobre como os europeus basicamente transformaram o continente em "jogos mortais": As instituições, mesmo as religiosas, foram pervertidas pela ânsia de capturar e vender escravos. Um exemplo foi o famoso oráculo de Arochuku, no leste da Nigéria, que se acreditava falar em nome de uma importante divindade da região, respeitada pelos principais grupos étnicos locais (ijos, ibibios e igbos). Buscava-se o oráculo para solucionar disputas e arbitrar em desavenças. Os consulentes que viajavam a Arochuku para consultá-lo tinham de descer da cidade até uma garganta do Rio Cross, onde, em uma vasta caverna com a frente toda decorada com crânios humanos, o oráculo estava abrigado. Os sacerdotes, em conluio com os mercadores e traficantes de escravos aros, comunicavam a decisão do oráculo, a qual em geral implicava que as pessoas fossem “engolidas” por ele – o que significava, na verdade, que, uma vez atravessada a caverna, seriam levadas rio abaixo até os navios negreiros dos europeus, no litoral. Esse processo de desvirtuamento e violação de todas as leis e costumes, tendo em vista a captura de escravos em número cada vez maior, exerceu impacto devastador sobre a centralização política, embora em determinaras áreas tenha levado ao surgimento de Estados poderosos, cuja principal razão de ser eram as incursões e a escravização. O próprio Reino do Congo foi provavelmente o primeiro Estado africano a metamorfosear-se em escravagista, até terminar despedaçado pela guerra civil. Outros Estados escravagistas despontaram sobretudo na África Ocidental, incluindo os oyos, na Nigéria, os daomeanos, no Benin, e, mais tarde, os axântis, em Gana.
253 - Além da expansão do Estado "oyo", dá outro exemplo de caos organizado: Relação dramática semelhante entre guerra e fornecimento de escravos deu-se mais a oeste, no século XVIII, na Costa do Ouro, área onde hoje se localiza Gana. A partir de 1700, o Estado axânti começou a expandir-se do interior, de modo bastante similar ao dos oyos, anteriormente. Ao longo da primeira metade do século XVIII, essa expansão desencadeou as chamadas Guerras de Akan, nas quais os axântis foram derrotando um Estado independente depois do outro. O último deles, Gyaman, foi subjugado em 1747. Em sua maioria, os 375 mil escravos exportados da Costa do Ouro entre 1700 e 1750 eram prisioneiros capturados nessas guerras.
254 - Estima-se que, para além dos escravizados, milhões ou dezenas de milhões de africanos tenham morrido nesses conflitos por todo o continente. A partir de fins do século XVIII, um vigoroso movimento pela abolição do tráfico de escravos começou a ganhar força na Grã-Bretanha, encabeçado pela carismática figura de William Wilberforce. Após sucessivos fracassos, em 1807 os abolicionistas persuadiram o Parlamento a aprovar uma lei tornando o tráfico ilegal. Entretanto, a reação das elites locais a isso não foi internalizar o abolicionismo: O que fazer com todos aqueles escravos, agora que já não podiam mais ser vendidos para os europeus? A resposta era simples: continuariam gerando lucro trabalhando, sob coação, na África mesmo, produzindo os novos artigos para o comércio legítimo.
255 - Embora seja difícil chegar a números exatos, uma série de relatos escritos por viajantes e mercadores nessa época sugere que, na África Ocidental (tanto nos reinos de Axânti e Daomé quanto nas cidades-estados iorubás), metade da população era composta de escravos. Dispomos de dados mais acurados dos primeiros registros coloniais franceses do oeste do Sudão, uma imensa fatia da África Ocidental, que se estendia do Senegal, via Mali e Burkina Faso, até o Níger e Chade. Nessa região, em 1900, 30% da população era escrava.
256 - Colocam que o neocolonialismo usava como justificativa a necessidade de abolir a escravidão, mas a mesma continuou até o Século XX. Em Serra Leoa, por exemplo, só em 1928 a escravidão seria finalmente abolida, muito embora a capital do país, Freetown, tivesse sido fundada originalmente, em fins do século XVIII, como um porto seguro para escravos repatriados das Américas. (...) A Libéria, ao sul de Serra Leoa, foi igualmente fundada, na década de 1840, para escravos libertos americanos. Também lá, porém, a escravidão adentraria o século XX; ainda nos anos 1960, estimava-se que um quarto da força de trabalho era coagida, vivendo e trabalhando em condições análogas às da escravidão.
257 - Economias duais de Arthur Lewis: A África do Sul era um dos exemplos mais claros, cindida entre um setor tradicional, retrógrado e pobre, e outro moderno, vibrante e próspero. Citam as propriedades comunitárias da terra, trabalhada de forma ineficiente e sujeita a todo-poderosos chefes tradicionais. Isso serviria, em alguma medida, para toda a África. Colocam que Lewis só não enfatizou o quanto tudo isso foi fabricado: Foi produzido pelas elites brancas sul-africanas no intuito de gerar uma reserva de mão de obra barata para seus negócios e reduzir a concorrência com os negros africanos. O dualismo econômico é mais um exemplo de subdesenvolvimento que foi criado, não surgiu naturalmente e persistiu ao longo dos séculos.
258 - Os primeiros contatos dos europeus na África do Sul remontam a 1562, com a Companhia Holandesa das Índias Orientais, mas ficou mais restrito a algumas áreas menores. No Século XIX isso iria mudar. A expansão dos europeus rumo ao interior teve início logo após os britânicos haverem tomado a Cidade do Cabo dos holandeses, durante as guerras napoleônicas, e precipitou uma longa série de guerras envolvendo os xhosa, à medida que a fronteira colonial avançava terra adentro. A penetração no continente intensificou-se em 1835, quando os europeus remanescentes de descendência holandesa, que ficariam conhecidos como africâneres ou bôeres, começaram sua célebre migração em massa, a Grande Caminhada, na tentativa de escapar ao controle britânico do litoral e da região da Cidade do Cabo. Posteriormente, os africâneres fundariam dois Estados independentes no interior da África, o Estado Livre de Orange e o Transvaal.
259 - ...A descoberta das grandes reservas de diamante iriam intensificar a cobiça inglesa. A resistência do Estado Livre de Orange e do Transvaal levou às célebres Guerras dos Bôeres, em 1880-1881 e 1899-1902.
260 - Já em 1832, antes mesmo do boom da atividade mineradora, um missionário morávio no Transkei assinalou o novo dinamismo econômico que havia despontado na região e salientou a demanda, por parte dos africanos, para os novos bens de consumo cuja existência lhes fora desvelada pela disseminação dos europeus. Em suas palavras: “A fim de obter tais objetos, empenham-se [...] em conseguir dinheiro, pelo trabalho de suas mãos, e compram roupas, pás, arados, carroças e outros artigos de utilidade.” (...) À medida que se desenvolvia a economia agrícola, as rígidas instituições tribais começaram a se dissolver. Há uma série de evidências de que houve mudanças nos direitos de propriedade. Em 1879, o magistrado em Umzimkulu de Griqualand East, no Transkei, mencionou “o desejo crescente, por parte dos nativos, de se tornarem donos da terra, tendo adquirido 154 mil quilômetros quadrados em terrenos”. Três anos mais tarde, ele registraria o fato de que cerca de 8 mil agricultores africanos no distrito haviam comprado e começado a trabalhar em 365 mil quilômetros quadrados de terras.
261 - ...A terra deixou de ser "de Deus" e "dada aos chefes". Os chefes viam reduzir aceleradamente a influência de seu poder político. Colocam que bastaram algumas poucas instituições inclusivas para que tal acontecesse. ...Em Fingoland, em 1884, um comentarista europeu conta que o povo havia "transferido para nós sua lealdade. Seus chefes converteram-se agora em uma espécie de proprietários rurais [...] desprovidos de poder político. Perdido o medo da ingerência do chefe ou da arma mortal [...] o feiticeiro, que abate o próspero criador de gado, o hábil conselheiro, a introdução de novos costumes, o habilidoso lavrador, reduzindo-os a todos ao uniforme nível da mediocridade – não mais apreensivos diante dessa possibilidade, os homens dos clãs [...] são agora progressistas. Ainda camponeses, [...] possuem, porém, carroças e arados; abrem sulcos para irrigação; criam rebanhos de carneiros".
262 - ...Só que depois deu tudo errado: Entre 1890 e 1913, o processo seria abruptamente interrompido e revertido. Nesse período, duas forças contribuíram para a destruição da prosperidade rural e dinamismo criados pelos africanos nos 50 anos anteriores. A primeira foi o antagonismo dos fazendeiros europeus, que competiam com os africanos e viam os preços de seus produtos serem achatados pelo êxito destes; a solução que encontraram foi eliminar a concorrência. A segunda força foi ainda mais sinistra: os europeus desejavam uma força de trabalho barata, que pudessem empregar na florescente economia mineradora. A única maneira de assegurar seu barateamento seria empobrecendo os africanos – objetivo a que se dedicariam metodicamente nas décadas seguintes.
263 - A "Lei da Terra dos Nativos" pareceu ser só uma consolidação do domínio europeu pela força, confinando os espaços da maioria da população e obrigando vários ao trabalho remunerado barato. Foi a lei de 1913, porém, que institucionalizou a situação de modo definitivo, preparando o terreno para a consolidação do regime sul-africano do apartheid, em que a minoria branca deteria tanto os direitos políticos quanto os econômicos e a maioria negra permaneceria destituída de ambos. A lei determinava que várias reservas de terras, entre elas o Transkei e o Ciskei, seriam os “lares” dos africanos, mais tarde chamados de bantustões – outro elemento da retórica do apartheid sul-africano, segundo o qual os povos africanos da África do Sul não eram nativos da região, mas descendentes dos povos bantos que haviam emigrado do leste da Nigéria cerca de mil anos antes. Não tinham, pois, mais direito à terra – e, evidentemente, na prática tinham bem menos – do que os colonizadores europeus.
264 - Ficava proibida também qualquer parceria agrícola - em pé de igualdade - dos europeus com os nativos. No máximo, "prestação de serviços" por parte dos segundos. Enfim, a partir de 1913, os nativos foram expulsos às multidões de suas terras, que passaram para as mãos dos brancos, e amontoados nos bantustões, demasiado pequenos para possibilitar uma subsistência independente. (...) Com o colapso dos incentivos econômicos de que dispunham até então, os progressos ocorridos nos 50 anos anteriores foram revertidos. Os arados foram pouco a pouco abandonados, e os nativos acabaram voltando às enxadas – isto é, se houvesse trabalho. O próprio poder político dos "chefes" voltou a crescer em razão do sufocamento da propriedade individual negra, colocam.
265 - ...As evidências disponíveis demonstram a reversão dos níveis de vida nos bantustões após a Lei da Terra dos Nativos de 1913. O Transkei e o Ciskei mergulharam em prolongado declínio econômico. (...) Após a Lei da Terra dos Nativos, entre outras, a remuneração dos mineiros despencou 30% entre 1911 e 1921. Em 1961, apesar do crescimento relativamente contínuo da economia sul-africana, seus salários continuavam 12% mais baixos do que em 1911. Não admira que, ao longo desse período, a África do Sul tenha se tornado o país mais desigual do mundo. Educação e iniciativa empresarial também não era um caminho aberto para os negros: Os africanos foram proibidos de adquirir imóveis ou abrir empresas na parte europeia da economia – os 87% do território do país. O regime do apartheid percebeu também que negros escolarizados concorreriam com os brancos, em vez de fornecer mão de obra barata para as minas e propriedades agrícolas destes. Já em 1904, foi introduzido na mineração um sistema de reserva de vagas para europeus. (...) O segregacionismo seria generalizado, em 1926, para a economia inteira, e perduraria até os anos 1980. O projeto de educação era abertamente excludente: "...não haverá serventia em serem qualificados visando à sua absorção na comunidade europeia, uma vez que não podem nem serão absorvidos lá." Em resumo: As instituições econômicas eram extrativistas: os brancos enriqueciam extorquindo os negros.
266 - No que tange aos direitos políticos, ocorreu processo semelhante: Até sua derrocada, em 1994, o sistema político sul-africano destinava todo o poder aos brancos, os únicos autorizados a votar e candidatar-se a cargos públicos. Os brancos controlavam a força policial, as Forças Armadas e todas as instituições políticas – estruturadas sob o domínio militar dos colonizadores brancos. Na época da fundação da União da África do Sul, em 1910, as divisões administrativas africâneres do Estado Livre de Orange e do Transvaal adotaram privilégios raciais explícitos, excluindo inteiramente os negros da participação no processo político. Natal e a Colônia do Cabo permitiam que os negros votassem caso possuíssem patrimônio suficiente, o que em geral não era o caso. O status quo de Natal e da Colônia do Cabo foi mantido em 1910, mas na década de 1930 os negros já haviam sido ostensivamente privados de qualquer direito na África do Sul.
267 - O que a Holanda fez com o Sudeste Asiático, a Inglaterra fez com a Índia, colocam. A Índia era a maior produtora e exportadora de têxteis do mundo no século XVIII. A ação da Companhia Britânica das Índias Orientais na Índia: No século XVIII, encabeçada por Robert Clive, a Companhia das Índias Orientais mudou de estratégia e pôs-se a erguer um império continental. Na época, a Índia estava fragmentada em um sem-número de unidades políticas concorrentes, ainda que muitas continuassem, oficialmente, sob o controle do imperador mogol de Délhi. A Companhia começou por Bengala, no leste, eliminando os potentados locais nas batalhas de Plassey, em 1757, e Buxar, em 1764; apropriou-se das riquezas regionais e assumiu – e talvez tenha até intensificado – as instituições tributárias extrativistas dos governantes mogóis da Índia. Houve retração econômica e praticamente o fim da produção têxtil para mercado interno
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