Livro: Hunt, E. K. - História do Pensamento Econômico - Capítulo 19
Livro: Hunt, E. K. - História do Pensamento Econômico
Pgs. 701-732
"CAPÍTULO 19: "Economia Contemporânea III"
Renascimento e Desenvolvimento da Teoria do Valor-trabalho
573 - Apesar de uma solução conceitualmente adequada ao “problema da transformação” ter sido formulada no início do século XX, a teoria do valor-trabalho foi quase que universalmente descartada (e em geral tratada com muito desprezo) pelos economistas acadêmicos ortodoxos até quase o fim da década de 1960.
574 - ...O que Sraffa fez foi definir como excedente toda a produção acima dos meios físicos de produção usados no processo de produção e então mostrar como, dadas as condições técnicas de produção, variações nos salários e nos lucros afetavam os preços. Assim, Sraffa não precisava do valor-trabalho para sua análise e, em consequência, não tinha um problema da transformação.
575 - Enfim, Sraffa prescindia até do conceito de valor e mais-valia.
576 - Resumo do "problema da transformação": Marx tentou estabelecer o elo entre preços e valores de dois modos: primeiro, pressupôs que os preços totais eram iguais aos valores totais. Segundo, pressupôs que o lucro total era igual à mais-valia total. No entanto, em sua demonstração da solução ao problema da transformação, Marx não transformou os valores dos insumos em preços. Esse esquecimento foi corrigido por teóricos posteriores. Estes, todavia, descobriram que o problema em geral não poderia ser resolvido de modo a deixar intactos os dois elos entre valor e preços, tal como propostos por Marx. Se o problema fosse resolvido de modo a que os valores-trabalho totais igualassem os preços totais, então a mais-valia total não seria, em geral, igual ao lucro total. De modo semelhante, se a solução igualasse a mais-valia total ao lucro total, então os preços totais não seriam, em geral, iguais aos valores totais.
577 - ...Marx percebeu que se fosse possível encontrar uma mercadoria produzida com a composição orgânica do capital socialmente média (e, seguindo o caminho de Sraffa, precisamos acrescentar a condição de que cada insumo que culmina na produção desta mercadoria média também deve ser produzido sob as mesmas condições socialmente médias), então a taxa de lucro obtida na produção e venda dessa mercadoria seria idêntica caso todas as mercadorias fossem vendidas pelo seu valor-trabalho ou por seus preços monetários transformados. Portanto, a taxa de lucro dessa mercadoria seria inteiramente determinada pelos valores. Além disso, como a concorrência tende a igualar todas as taxas de lucro, poderia mostrar-se que a taxa de lucro socialmente média (em função da qual todos os cálculos de preços podem ser feitos dentro de uma teoria dos preços fundamentada no custo de produção) corresponderia à taxa de lucro da mercadoria média – uma taxa de lucro totalmente determinada pelos cálculos do valor-trabalho.
578 - Medio demonstrou que num setor que produz a mercadoria padrão de Sraffa a fórmula marxiana da taxa de lucro, p = (s/v)/(c/v + 1), é sempre verdadeira. (...) A taxa de exploração, ou taxa de mais-valia, (s/v), é definida em termos de valor-trabalho. É a taxa à qual a mais-valia é criada na esfera da produção e, em consequência, é igual em todos os setores. A composição orgânica do capital (c/v), porém, tem um significado especial na formulação de Medio. É determinada apenas pelo valor-trabalho, mas é uma espécie de média ponderada de todos os processos de produção da indústria que produz a mercadoria padrão. É atribuído um peso a cada processo que é determinado pelo multiplicador matemático pelo qual esse processo foi incorporado no setor que produz a mercadoria padrão. Esse setor, naturalmente, é teórico e não existe no mundo real. Mas Sraffa demonstrou que o procedimento para chegar ao cálculo daquilo que constitui o setor padrão se aplica a qualquer economia do mundo real. Portanto, o cálculo de Medio da média ponderada da composição orgânica do capital no setor padrão nos fornece um índice da composição orgânica do capital agregada de toda a economia (definida rigorosamente em termos de valor-trabalho) e deu à teoria do valor-trabalho um elo da maior importância entre a análise do valor e a análise dos preços.
579 - (Não entendo bem como as "soluções" de Shaikh e Bortkiewicz possam ser solucões.
580 - Shaikh identifica o problema que vejo desde sempre no que Marx chama "mais-valia": ...Em vez disso, ele raciocina, deveríamos esperar que o valor total da mais-valia e o lucro total difiram. Essa diferença se deve aos desvios do preço em relação ao valor e à magnitude do setor de bens de luxo.
581 - A tal da "nova interpretação" ele explica de forma bem vaga. O principal parece ser trabalhar com "valor adicionado" (tipo o PIB): ...Duménil e Foley apresentaram dois argumentos para a adoção de seu procedimento de normalização do produto líquido. Primeiro, eles afirmam que essa normalização evita a dupla contagem...
582 - ...Além disso, eles argumentam que os salários devem ser valorados com base nos preços e não com o valor de uma cesta de mercadorias. (Na prática, não sei bem como funciona essa "nova interpretação") (...) a taxa de exploração em termos de preço depende do conjunto específico de bens que os trabalhadores compram e não é estabelecida no processo de produção. (Bem... Os pontos parecem corretos).
583 - A crítica da nova interpretação eu também não entendi (é algo a pensar): Um argumento contrário a essa visão considera que no conjunto de preços de produção da “nova solução”, a soma dos valores do capital constante não é igual à soma total de seus preços. É necessário estabelecer um argumento convincente para justificar este resultado. Além disso, a premissa da distribuição exige conhecimentos ex post. O conjunto de preços vigente deve ser conhecido antes que os salários possam ser estabelecidos. Não se pode ir passo a passo dos valores para os preços. Os dois domínios devem ser considerados separadamente, mas a nova solução só oferece um procedimento que mapeia a passagem de um para outro.
584 - As questões do "trabalho qualificado vs trabalho simples": Embora vários economistas marxistas desenvolvessem abordagens mais rigorosas e sistemáticas a este problema, talvez a mais sofisticada, do ponto de vista analítico, esteja contida num artigo de Bob Rowthorn intitulado “Skilled Labour in the Marxist System”. Nele o autor demonstra, verbal e matematicamente, que o trabalho qualificado pode ser considerado simplesmente como uma combinação de trabalho não qualificado e de atividades de capacitação. Desse modo, o trabalho qualificado pode ser considerado como uma mercadoria produzida cujas despesas para treinamento e educação são parte integral dos custos de produção. Rowthorn demonstrou que a teoria do valor marxista pode explicar o valor do trabalho qualificado (e, em consequência, reduzir o trabalho qualificado a trabalho não qualificado) exatamente da mesma forma como explica o valor de outras mercadorias.
Mudanças no Processo de Trabalho sob o Capitalismo
585 - A famosa "produtividade do capital": Quando o capital é visto como um meio físico de produção é óbvio que ele é apenas o produto de trabalho passado. A noção de que há alguma “entidade permanente” nos meios de produção em virtude da qual a produtividade do capital pode ser medida é absurda. A própria noção de que o capital produz é igualmente absurda e, quando examinada de perto, ela simplesmente se reduz à noção de que processos indiretos que consomem tempo do trabalho humano são frequentemente mais efetivos do que processos de trabalho humano mais breves e imediatos. (...) Mas esse é o obscurantismo que resulta da economia utilitarista.
586 - O capital, como insistiu Marx, é uma relação social – o poder de um segmento improdutivo da sociedade de extorquir dos produtores diretos uma parte substancial do que é produzido. O surgimento do capital como uma relação social apresenta vários pré-requisitos históricos, sociais e técnicos. Um deles, a ampla divisão do trabalho, é da maior importância.
587 - Isto é capitalismo: ...O sapateiro conhecia tudo o que era necessário para fabricar sapatos, por exemplo, mas dependia de outros produtores especializados para produzir roupa, alimentos e outros produtos necessários. O trabalho em qualquer empreendimento especializado era uma combinação do exercício de faculdades mentais e físicas. Contudo, na fábrica capitalista ocorria uma forma de especialização radicalmente diferente – o trabalho mental foi separado do trabalho físico.
588 - Partindo do trabalho pioneiro de Wilhelm Reich, datado da primeira metade da década de 1930 (e ignorando os escritos que datam da segunda metade dessa década e dos anos de 1940, quando o autor parece ter sofrido uma espécie de colapso mental), os teóricos marxistas contemporâneos tentaram mostrar como os mores culturais que dominam a vida familiar, especialmente o papel sexual na socialização, negam sistematicamente muitas das mais profundas necessidades humanas. A repressão sexual, midiática e educacional cria uma personalidade passiva e submissa.
Desempenho do Capitalismo no Nível Agregado
589 - Sweezy e Baran viam uma tendência a estagnação crônica do capitalismo - não foi isso que vi nos últimos cinquenta ou sessenta anos, desde que escreveram. O consumo não acompanharia o potencial crescente da produção. (Parece levar a uma espécie de crescimento do entesouramento). (Por quê? Não sei. Talvez não considerem o setor de serviços como "válido"...).
590 - ..."o capitalismo monopolista aprofundará cada vez mais num pântano de depressões crônicas", escreveram. (O que vi foi bem diferente.)
591 - Criticaram o desperdício com publicidade e consumismo.
592 - Citam textos e estudos sobre imperialismo entre os anos 60-80. Porém, não aprofundam nada. Também não sei o quanto são/estão atuais. Algumas denúncias são já amplamente conhecidas por aqui: EUA apoiando/instalando governos pela América Latina que promoveram políticas antipopulares ou no mínimo bem insensíveis a qualquer questão de desigualdade (já ruim). Contra a "subversão", valia até ensinar tortura se preciso.
Dando Continuidade à Tradição Heterodoxa
593 - Colocam que antigamente havia mais trânsito e debate aberto entre as escolas. Hoje, "a ordem" na ortodoxia é praticamente ignorar. Pouco após a controvérsia do capital ... a comunicação entre a ortodoxia e os heterodoxos definhou.
594 - Citam pesquisas heterodoxas "atuais". Taxa de lucro... Mais-valia... Vários temas. Não entram em detalhes. (Algumas discussões do livro poderiam ser substituídas por algum aprofundamento nessas questões). Entre livros sobre propostas modernas de socialismo, destaca: John E. Romer publicou um livro influente chamado A Future for Socialism (1994), que utiliza um arcabouço de equilíbrio geral para estudar de que maneira poderia ser construído um socialismo baseado no mercado. O livro The Political Economy of Participatory Economics (1991), de Michael Albert e Robin Hahnel, apresenta uma versão alternativa do socialismo, que não exige um papel significativo para os mercados.
Comentários sobre a Perspectiva Social Implícita neste Livro
595 - A irmandade do utilitarismo com o capitalismo: ...no utilitarismo os sentimentos, emoções, ideias, padrões de comportamento e desejos são tidos como metafisicamente dados.
596 - Nem todo desejo é legítimo: Todos sabemos que o atendimento de alguns dos desejos dos viciados em drogas, ou de pessoas patologicamente insanas, não promove o bem-estar humano. Também sabemos que as pessoas não se tornam viciadas em drogas ou patologicamente insanas por alguma determinação metafísica. Embora eu tenha ilustrado meu argumento com exemplos extremos, essa lógica tem uma aplicabilidade universal na avaliação do bem-estar humano.
597 - Afirma que o livro parte das necessidades humanas básicas - identificadas por Marx e Veblen, apesar de este último ter utilizado a "infeliz" denominação "instintos" - do ser humano. ...se traduzem em desejos conscientes somente em um ambiente social e como consequência da participação individual no processo social.
598 - ...E aí o papo vai ficando muito complexo para mim, talvez: A socialização pode, de fato, condicionar a pessoa de tal forma que ela não perceba qualquer desejo consciente decorrente de uma necessidade universal inata e que possa satisfazê-la. Essa situação em geral culmina em ansiedade neurótica. A socialização também pode levar a desejos conscientes que sistematicamente distorcem o atendimento de necessidades humanas universais. Novamente, o resultado é a ansiedade neurótica.
599 - Trata dos níveis de necessidades de Maslow. Alguns exemplos: O terceiro nível de necessidades é o que Maslow denomina “necessidades de pertencimento e amor”. São as necessidades de calor humano, afeição e amor. A satisfação destas necessidades exige que sejamos amados por nossa própria essência e rigorosamente como um fim, não como um meio, ou como uma mercadoria, como é tão comum no capitalismo (como louvado pela avaliação vulgar do valor humano nos escritos de McKenzie e Tullock). (...) No quarto nível se encontram as necessidades de reconhecimento, apreço e estima dos outros. Não são necessidades de fama ou de celebridade mas se embasam na importância para a pessoa de desenvolver traços que Veblen associa ao “instinto construtivo”. Elas estão presentes no desejo de “maestria e competência, de confiança diante do mundo e de independência e liberdade”. 50 Somente quando esses traços forem desenvolvidos, a estima dos que nos cercam pode ser coerente com uma saudável autoestima, que se embasa no “merecido respeito dos outros mais do que na fama ou celebridade externa e na adulação imerecida”. (...) Como vimos nos capítulos referentes a Marx e Veblen, bem como na obra de Braverman aqui citada, a história do capitalismo se caracteriza pela redução progressiva, para a vasta maioria dos integrantes de nossa sociedade, da possibilidade de alcançar esta forma de autoestima e de estima social. O quinto e mais alto nível de necessidades consiste na necessidade de vivenciar e apreender a beleza estética por si mesma e de adquirir e apreciar o conhecimento por ele mesmo e não como meio para alcançar outros fins. Desnecessário dizer, estas necessidades quase nunca são atendidas no capitalismo.
600 - O outro ser humano como fim e não como um meio: Na medida em que nossa humanidade básica se rebela (consciente ou inconscientemente) contra essa desumanização, os escritos de economistas como McKenzie e Tullock se reduzem a injúrias vulgares. Na medida em que prevalece a socialização voltada aos aspectos mercantis, suas ideias são, lamentavelmente, uma descrição de algumas situações do nosso cotidiano. Em outro trecho das mesmas críticas: ......nossa alienação e fragmentação também nos tornam alvos vulneráveis para a manipulação dos gerentes de publicidade das grandes empresas que nos empurram para o que Veblen denominou “consumo imitativo”.
FIM!
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