Livro: Hunt, E. K. - História do Pensamento Econômico - Capítulo 10

                

Livro: Hunt, E. K. - História do Pensamento Econômico



Pgs. 355-402


"CAPÍTULO 10: "O Triunfo do Utilitarismo"


A Economia de Jevons, Menger e Walras


283 - Período entre 1840 e 1870: Desenvolveu-se, na Europa e na América do Norte, um mercado financeiro grande e bem-organizado, que conseguia canalizar muito bem os pequenos recursos de capital de milhares de indivíduos e de pequenas firmas para as mãos das grandes sociedades anônimas.


284 - Hunt diminui um pouco a "revolução marginalista": ...o grande significado das ideias de J evons, Menger e Walras estava em como eles mudaram a forma da economia utilitarista e não em qualquer grande mudança em seu conteúdo. O marginalismo permitiu que a visão utilitarista da natureza humana, que era considerada somente uma maximização racional e calculista da utilidade, fosse formulada em termos de cálculo diferencial.


A Teoria da Utilidade Marginal e da Troca, de Jevons


285 - No prefácio à Teoria, Jevons afirmava que “as ideias de Bentham… são… o ponto de partida da teoria proposta neste livro”. Colocava que todo o valor vinha da utilidade e não acreditava em "valor incorporado".


286 - A função de utilidade total era maximizada quando a quantidade era aumentada a ponto de a utilidade marginal ser igual a zero. (...) caso se possuísse uma mercadoria y e fosse possível conseguir apenas outra mercadoria x, abrindo mão da parte da mercadoria y, poderiam ser comparadas as razões entre as utilidades marginais obtidas com as duas mercadorias, UMx /UMy , e os preços das duas mercadorias, Px /Py . Se UMx /UMy fosse maior que Px /Py , o indivíduo poderia obter utilidade, trocando uma parte de y por uma parte de x. Se o processo continuasse até o indivíduo ter esgotado os ganhos da troca, ele teria trocado até UMx /UMy = Px /Py . (...) Entretanto, à medida que fosse desistindo de y e obtendo x, o princípio da utilidade marginal decrescente faria com que UMy aumentasse e UMx diminuísse, até UMx /Px igualar-se a UMy /Py . Nesse ponto, não se poderia obter qualquer ganho adicional com a troca. Teria ocorrido o processo inverso, porém idêntico, se UMy /Py fosse maior do que UMx /Px .


287 - ...Colocam que essa descoberta/adendo não era exatamente grande novidade, mas a correta formalização da ideia de que trocas voluntárias seriam mutuamente benéficas. As diferenças fundamentais entre a perspectiva da teoria da utilidade e a perspectiva da teoria do trabalho já estavam claras antes de Jevons ter escrito qualquer coisa, e sua contribuição limitou-se, basicamente, a mostrar que o marginalismo permitia que as doutrinas de Malthus, Say, Senior e Bastiat fossem apresentadas com elegância matemática e maior coerência lógica.


288 - Jevons, apesar de se basear em Bentham e no utilitarismo, via uma clara limitação a esse último: "O leitor verá… que não foi feita, em caso algum, qualquer tentativa de comparar o grau de sensação de uma pessoa com o de outra. (...) Toda pessoa é, então, uma incógnita para outra pessoa, e parece não poder haver um denominador comum."


289 - Mais uma vez, a perspectiva da utilidade tinha conseguido uma nova maneira de encarar a “mão invisível”, que, agora, com a nova formulação “científica” e “matemática” de Jevons, poderia, comprovadamente, maximizar a utilidade para todos, em um mundo de fraternidade e harmonia.


290 - Colocam que a teoria do capital de Jevons foi menos desenvolvida que a de Bohm-Bawerk, mas ajudou a dar a direção futura. Jevons visava mostrar que a ideia de Ricardo de que os salários e lucros "brigavam entre si", digamos assim, era falaciosa. Para Jevons, "...a concorrência para conseguir os operários certos tenderá a assegurar ao operário sua participação legítima na produção final."


291 - Jevons abonou o "troca é tudo" de Bastiat: "...A troca é tão importante como processo de maximização da utilidade… que alguns economistas a consideraram o único tema da Economia… Estou perfeitamente disposto a concordar com a grande importância da troca". Fazia, porém, um adendo. A economia tinha que ter um fim ("curiosamente" capitalista): “A Economia não é, então, somente a ciência da troca ou do valor: também é a ciência da capitalização”.


292 - Jevons em carta ao irmão: "Quando for, afinal, criado um verdadeiro sistema de economia, será possível ver que aquele homem capaz, mas equivocado, chamado David Ricardo, colocou o carro da ciência econômica num caminho errado – mas um caminho que o levou a uma confusão maior ainda por causa de seu admirador igualmente capaz, que também estava errado, chamado John Stuart Mill. Houve economistas, como Malthus e Senior, que compreendiam muito melhor as verdadeiras doutrinas."


293 - Jevons, ao que entendi, gostava também da teoria da população de Malthus. Hunt traz citação tenebrosa de Malthus, o "homem admirável", propagandeando praticamente um darwinismo social.


A Teoria da Utilidade Marginal, dos Preços e da Distribuição da Renda, de Menger


294 - A utilidade total (não ilustrada no quadro) pode ser calculada pela simples soma das utilidades marginais da coluna, até chegar-se ao número de unidades consumidas. Por exemplo, seis unidades da mercadoria II dão uma utilidade total de 39:



295 - Lembram que a utilidade marginal pode ser inclusive negativa, levando a decréscimo da utilidade total:



296 - Valor-trabalho: Quando uma indústria estava em equilíbrio, o preço de mercado, tal como determinado pela oferta e pela demanda, seria igual ao preço natural ou preço de produção. Era essa a natureza do processo de formação de preços, visto segundo a perspectiva da teoria do trabalho – a distribuição de renda era independente dos preços e, de fato, os determinava.


297 - Para o "valor-utilidade", a demanda e a oferta tinham como base apenas a utilidade. Sua oferta era determinada pelos cálculos de utilidade, feitos por seus proprietários, e sua demanda era determinada por sua produtividade na geração de bens de consumo e pela utilidade obtida pelos consumidores através do consumo dessas mercadorias. (...) A superioridade de Menger em comparação com Jevons estava na maneira pela qual ele descreveu esse processo de formação de preços com base em sua perspectiva da teoria da utilidade.


298 - Criticam as teorizações de Menger sobre oferta (capital... bens de capital...), pois, ao que entendi, o austríaco tratava os insumos sempre como substituíveis?: Uma teoria coerente da formação de preços dos insumos segundo a perspectiva da utilidade exigia que os insumos fossem, pelo menos em parte, substituíveis e que se examinasse o efeito, sobre a produção, de um pequeno aumento marginal de um insumo. Este era, realmente, o método adotado na teoria da produtividade marginal, que discutiremos no próximo capítulo.


Os Argumentos de Menger sobre Metodologia 


299 - Queria uma ciência "sem valores e ética". Porém, assim como Senior, ele próprio violava suas essa sua suposta busca pelo avalorativo: A tentativa de Menger de colocar as leis da propriedade privada e da distribuição da renda acima de qualquer discussão teórica ou moral constitui uma importantíssima violação do princípio da ciência social livre de valores.


300 - Menger e o historicismo alemão: Afirmava ele que a economia nacional era “um organismo de economias”. Elogiava a “escola histórica alemã de juristas” (oposta à escola histórica alemã de economistas, que ele atacava), que reconhecera que uma nação e as leis que definiam seus esquemas institucionais específicos constituíam (...) uma estrutura “orgânica que não pode e não tem de ser arbitrariamente formada por indivíduos ou por gerações, uma estrutura que, pelo contrário, está acima da arbitrariedade do indivíduo, de toda a época, da sabedoria humana… (A) “sabedoria subconsciente” manifestada nas instituições políticas, que surgem organicamente, está bem acima da sabedoria humana que nelas se imiscui


301 - A lei não é um acaso, mas algo dado pela natureza humana.


302 - Assim, veremos que o individualismo metodológico de Menger e sua crença de que suas teorias eram isentas de valores levaram à crença de que as instituições e as leis existentes estavam acima de qualquer reforma. (...) Sua “Ciência” livre de valores terminava afirmando a importância moral de defender os interesses econômicos existentes contra os “exageros” dos socialistas.


A Teoria do Equilíbrio Econômico Geral, de Walras

 

303 - Equilíbrio geral em Walras. Qual a diferença para os demais? ...a demanda de um consumidor por determinado bem dependia, como tinham argumentado Jevons e Menger, das utilidades marginais que o consumidor obteria com o consumo de várias quantidades desse bem e de seu preço. No entanto, a condição de maximização da utilidade mostrava que o consumidor compraria o bem até a razão entre sua utilidade marginal e seu preço igualar-se à mesma razão de todos os outros bens que pudessem ser comprados. Portanto, a demanda do consumidor desse bem também dependia dos preços de todos os outros bens de consumo. (...) seria preciso saber os preços de todos os outros bens para determinar o preço do bem que estava sendo considerado. Contudo a demanda por esses outros bens (e, portanto, seu preço) também dependia do preço do bem em questão.


304 - ...Os preços teriam de ser determinados simultaneamente. Mesmo as curvas de oferta passariam por esse mesmo dilema ao escolher insumos e tal.


305 - A forma exata das equações refletiria a verdadeira relação econômica que Walras julgava existir entre as características dadas pelo meio socioeconômico (suas variáveis independentes) e os preços e as quantidades trocadas no mercado (suas variáveis dependentes). Pressupunha propriedade, concorrência perfeita e curvas de utilidade marginais mensuráveis para cada pessoa.


306 - Os autores fazem objeções, entre elas: A ideologia conservadora incorporada à perspectiva da utilidade perde toda sua força, no caso de se admitir que os desejos são socialmente determinados ou estão em um estado de permanente fluxo.


307 - A demanda por cada serviço produtivo teria de ser igual à oferta. Pressupunha-se o pleno emprego dos recursos como condição de equilíbrio.


308 - Walras achava que a premissa de concorrência perfeita asseguraria que o preço de cada bem de consumo fosse igual ao seu custo de produção. O custo de produção dependeria dos “coeficientes técnicos” de produção (ou das receitas técnicas de produção) e dos preços dos serviços produtivos.


309 - A parte das equações foi explicada de forma bem abstrata e ligeira. Não entendi 100% o que ele quis dizer. Porém, a conclusão que eles tiram delas parece bem óbvia dadas as premissas que Walras usou: A lei de Walras é, em realidade, uma identidade de definição. Mostra que, com qualquer conjunto de preços, a demanda por todas as coisas trocadas tem de ser igual à oferta de todas as coisas trocadas. É uma consequência da definição de oferta e demanda, porque, em um determinado conjunto de preços, a vontade de trocar implica, em termos de definição, a vontade de adquirir algo àqueles preços (demanda), desistindo de algo (oferta) de mesmo valor. Portanto, toda demanda individual é, ao mesmo tempo, uma oferta de alguma quantidade e, por isso, se essas procuras e ofertas individuais forem agregadas, os totais terão de ser iguais.


310 - Muitos defensores da lei de Say parecem confundi-la com a lei de Walras. Em Walras: As pessoas poderiam produzir, a fim de trocar essa produção por uma quantidade limitada de bens já existentes, como, por exemplo, moeda. Pode não haver tanta moeda quanto as pessoas queiram, considerando-se o conjunto de preços em vigor. Nesse caso, haveria um excesso de oferta de produtos equivalente a uma demanda excessiva por moeda. Ou seja, superprodução.


311 - ...De fato, dado qualquer conjunto de preços, a lei de Walras sempre será válida, mesmo quando todos os mercados estejam, individualmente, em desequilíbrio. (...) Prova que, em qualquer desequilíbrio, o total do excesso de demanda (em todos os mercados em que a demanda seja maior do que a oferta) tem de ser exatamente igual ao total do excesso da oferta (em todos os mercados em que a oferta seja maior do que a demanda).


Estabilidade do Equilíbrio Geral

 

312 - Walras ficou decididamente do lado de Say e de todos os outros proponentes do extremo laissez-faire, assegurando que o mercado estabeleceria, de forma automática, e relativamente sem custo algum, os preços adequados para o equilíbrio a pleno emprego. (...) Walras descreveu o processo através do qual o mercado atingia o equilíbrio como um processo de tâtonnement ou de “tatear”.


313 - Leiloeiro e possíveis preços de desequilíbrio. Poder-se-ia, para evitar isso, começar propondo preços ao acaso: Walras tinha apenas duas escolhas: ou o leiloeiro seria onisciente (isto é, seria Deus), e saberia, de antemão, qual seria o conjunto de preços de equilíbrio, ou teria de ser uma espécie de órgão de planejamento central socialista, com muitos computadores de alta velocidade à sua disposição. Nesse último caso, o leiloeiro anunciaria seu conjunto de preços e, depois, todo agente de trocas poderia reagir, mostrando ao leiloeiro sua intenção de comprar e vender aos preços estabelecidos. Desse modo, ninguém agiria enquanto o órgão de planejamento central não colocasse todos esses dados em seus computadores e calculasse a demanda e a oferta totais de cada mercado. Quando o leiloeiro, com a ajuda do órgão de planejamento central, achasse alguns mercados com excesso de demanda potencial, ajustaria esses preços, elevando-os. Da mesma forma, os mercados com excesso de oferta potencial teriam seus preços ajustados para baixo. Esse processo continuaria como uma série de tentativas e erros, em que os agentes de troca ficariam com suas mercadorias até o leiloeiro descobrir o conjunto de preços de equilíbrio. Só então é que eles poderiam trocar. (...) Apesar de sua aversão ao socialismo, Walras optou por esse modelo de leiloeiro e do órgão de planejamento central como um meio de evitar o problema da “anarquia do mercado” (para usar a expressão socialista).


314 - ...Walras: "...Com novos preços anunciados, cada parte da troca oferecerá e demandará as novas quantidades, e, uma vez mais, os preços subirão ou baixarão, até a demanda e a oferta de cada bem e serviços serem iguais. Então, os preços serão preços correntes de equilíbrio e (só então) haverá realmente troca."


315 - Crítica: o desequilíbrio de preços em um único mercado afeta todos os outros. Desloca curvas em todos. Afinal, os preços estão todos interligados. O contra-argumento walrasiano é basicamente o de que isso chega em outros mercados como "marolinha", digamos.


A Defesa Ideológica do Capitalismo, Segundo Walras


316 - Como Senior, Bastiat e quase todos os economistas neoclássicos, Walras achava que tinha percebido uma distinção clara entre valores morais e Ciência. Economia era a troca aqui também. Dizia buscar a "verdade pura". A troca era a harmonia. Os agentes eram iguais juridicamente e tinham suas dotações.


317 - Mais problemas da "utilidade" (no próprio discurso de Walras): "De acordo com outros pontos de vista, a questão de saber se um remédio é procurado por um médico, para curar um paciente, ou por um assassino, para matar sua família, é uma questão muito séria, mas, de acordo com nosso ponto de vista, é totalmente irrelevante. No que nos diz respeito, o remédio é útil em ambos os casos, podendo até ser mais útil no último caso do que no primeiro." (...) Assim, segundo a perspectiva da utilidade, a satisfação social total pode ser maximizada quando todo remédio for comprado pelo assassino para matar sua família e nenhum remédio for usado pelo médico para curar seus pacientes.


A Perspectiva Intelectual do Marginalismo Neoclássico


318 - Por que o "intelectual orgânico" da burguesia foi levado a abandonar o valor-trabalho? Bom, antes de 1870 era mais comum ver os capitalistas trabalhando de alguma forma, nem que fosse puramente na direção. A perspectiva da teoria do valor-trabalho tinha oferecido os insights mais úteis sobre o processo de acumulação de capital, concentrando-se na distinção entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo. Tinha mostrado como o trabalho produtivo era a fonte do trabalho excedente, que possibilitava a expansão do capital. Assim, em suas primeiras formulações, a teoria do valor-trabalho refletia a perspectiva das necessidades objetivas da classe capitalista industrial e servia para satisfazê-las. (...) Os donos do capital industrial tornaram-se cada vez mais parecidos, nas funções sociais econômicas, com a classe de proprietários de terras.


319 - Ademais, colocam que o hábito de consumo do maximizador racional e calculista não é bem a regra entre a classe trabalhadora. É geralmente o indivíduo que se preocupa com a alocação de capital quem se parece mais com o frio agente econômico das teorias neoclássicas.


Apêndice


320 - Lendo dá pra ter uma ideia geral das equações que achei mal explicadas acima. Porém, a teoria de Walras me parece compreensível sem elas também.


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