Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista - Capítulo 5

   

Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista 



Pgs. 137-180:


"CAPÍTULO 5: "A Crítica Austríaca"


122 - O argumento da impossibilidade do cálculo, por sua vez, foi contestado através da sugestão de um sistema de preços artificial (Dickinson e Lange) ou mesmo real, fruto da competição entre monopólios estatais (Durbin).


123 - A crítica de Mises é praticamente contra todo tipo de neoclássico: ...Nas ciências humanas, por outro lado, não existiriam relações constantes entre variáveis. O uso da estatística seria relevante para a história econômica apenas. A substituição da ‘economia qualitativa’ pela ‘economia quantitativa’ teria gerado a ilusão de que se é capaz de, a partir de informações sobre o passado, gerar relações quantitativas válidas para o futuro que sirvam como guia para a ação. Não há como conhecer a demanda futura, por exemplo. Mal dá pra saber a curva de demanda presente.


124 - As formas assumidas pelos bens de capital, herdadas do passado, são continuamente alteradas durante o caminho rumo ao equilíbrio, alterando a forma do problema alocativo a cada instante.


125 - Em resumo, as especulações dos agentes do mercado - atividade empresarial - sobre o futuro, com auxílio do mecanismo de preços, tendem a ser mais precisas que a de quaisquer planejadores, segundo Mises.


126 - Quanto ao socialismo de mercado, Mises praticamente argumenta que falta incentivo para que a direção das empresas se comporte como capitalista, buscando a maior eficiência. A competição artificial não geraria o mesmo mercado poderoso, digamos assim. Não seria possível então agir ‘como se’ a competição existisse. Não se pode ‘brincar’ de especulação e investimento, pois especuladores e investidores reais expõem a sua ‘riqueza e fortuna’ em suas escolhas. Sem propriedade privada, os agentes seriam meramente administradores, não empresários.


127 - A preocupação exclusiva com o equilíbrio, por sua vez, explicaria para Mises (1981:122) a ênfase dos economistas na atividade meramente administrativa, em detrimento da atividade empresarial.


128 - Robbins considerava que soluções como a de Lange só eram possíveis na teoria: Seria necessário desenhar milhões de equações baseadas em milhões de tabelas estatísticas baseadas em muito mais milhões de computações individuais. Quando as equações forem resolvidas, as informações na quais elas se basearam teriam se tornado obsoletas e teriam de ser calculadas novamente. (Robbins, 1935:151). (...) quando a quantidade de combinações possíveis de insumos para a fabricação de um bem qualquer for muito grande, como de fato ocorre em uma economia desenvolvida, não há um método simples de computar custos.


129 - Os preços dos bens de capital, em particular, apenas tendem a refletir o seu valor porque são fruto do processo de competição dos empresários pelo seu uso. (Sobre isso, não entendi muito bem a "resposta" de Robbins ao modelo de Durbin, por exemplo, que prevê tal mercado).


130 - ...A competição real requer que os empresários tenham liberdade de mudar o uso do capital conforme suas expectativas, o que não se supõe que ocorra no socialismo segundo seus proponentes. (Planejadores não podem mudar a alocação de fatores conforme a escassez ou outros cálculos?). Mais à frente, Robbins dirá ainda: Quanto a isso, embora não seja inconcebível, o autor considera improvável que um funcionário público seja livre para mudar o ramo de uma firma ou fechar uma fábrica em uma localidade e abrir outra noutro lugar.


131 - Coloca Robbins que a administração pública é necessariamente engessada/burocrática. Tudo deve ser registrado e hierarquicamente organizado sob pena de ferir o interesse público, o que tiraria a agilidade, intuição e inventividade empresarial. Nem seria a questão dos incentivos. Ele vê a coisa como insuperável... (Bom, a administração pública mudou muito desde que ele escreveu...)


132 - Nos debates sobre protecionismo/nacionalização versus livre comércio, cada qual acusa o outro da mesma coisa: o sistema proposto vai defender interesse particular. ...Vimos também que Lerner acredita que os interesses particulares desapareceriam no socialismo, pois neste a renda individual não dependeria do sucesso dos empreendimentos. O uso do mesmo argumento por Robbins e Lange para fins diametralmente opostos pode ser explicado por uma diferença entre as doutrinas marxista e liberal. 


133 - A "solução matemática": Tal solução, nota Hayek (1935b:207), procura mostrar que sob o pressuposto de total conhecimento dos dados, as equações que descrevem o equilíbrio dos mercados podem ser usadas para se determinar as quantidades de bens que devem ser produzidasComo Robbins, Hayek afirma que tal solução não é logicamente impossível no sentido de ser contraditória. Entretanto, disso não segue que o método proposto seja de fato uma solução ao problema do cálculo.


134 - A solução matemática, para que gerasse algo que se aproxime da competição real, requereria a coleta de dados detalhada sobre a disponibilidade de recursos, tecnologias e preferências. (...) A administração central, para que pudesse alocar os recursos de forma satisfatória, não poderia se utilizar de diretrizes gerais, mas teria que levar em conta cada detalhe administrativo em cada empresa a fim de decidir o melhor uso dos recursos.


135 - Ainda Hayek: ...Em terceiro lugar, o órgão planejador deve possuir informações sobre as preferências dos indivíduos. Deve-se saber não apenas a variação da demanda com o preço do bem, mas também as demandas de todos os bens sob qualquer combinação de preços dos demais bens. Os cálculos devem ainda levar em conta que tais dados, se coletados no passado, não seriam válidos para o futuro, visto que os gostos se alteram a cada instante.


136 - Também se posiciona contra o método de "tentativa e erro": Em segundo lugar, cada mudança em um preço requereria alterações em centenas de outros preços, alterações essas cujas magnitudes dependem de inúmeros outros fatores.


137 - Austríacos versus Marshall na questão dos custos: Os custos verdadeiros, para Hayek, se relacionam com a expectativa dos agentes a respeito do valor dos serviços alternativos que tais recursos possam prover no futuro. Na tradição austríaca, custos não são entidades determinadas objetivamente, mas são custos de oportunidade subjetivos, baseados nas expectativas individuais, que por sua vez são calcadas no conhecimento particular de cada agente sobre as circunstâncias que o cercam. Por isso, fora do equilíbrio competitivo, a instrução que dita a cobrança de preços que cubram os custos não consiste em uma regra que determina a conduta das firmas socialistas. (...) “Fazer um monopolista cobrar o preço que prevaleceria sob competição ou um preço igual ao custo necessário é impossível, pois o custo competitivo ou necessário não pode ser conhecido a menos que exista competição.” (Hayek,1935b:229)


138 - Barbieri afirma que a resposta de Durbin à subjetividade dos custos foi lacunosa: Durbin, pensando em termos estritamente marshalianos, ou seja, em termos de equilíbrio competitivo, ignora a questão da subjetividade dos custos, afirmando em sua crítica que não existem casos significativos nos quais não se possa estabelecer um preço de um fator de forma independente.


139 - ...Já Lerner compreendeu a crítica de Hayek, mas coloca que ela não é tão poderosa quanto este último pensa: “A questão é então de natureza sociológica, se o Truste Socialista é capaz de estimar esse valor futuro mais ou menos precisamente do que o proprietário competitivo do instrumento empregado, e aqui nós abandonamos a teoria econômica pura.” (Lerner, 1937:269)


140 - O socialismo com competição não dispensa um importante papel ativo do planejamento central, critica Hayek. ...as decisões sobre a alocação do capital entre empreendimentos, se econômicas, devem levar em conta os detalhes específicos da administração de cada firma, visto que não existem mercados de capitais nos quais tais decisões são fruto da competição entre empresários. O órgão de planejamento deve então conhecer todos esses detalhes para que possa alocar os recursos de forma econômica. Na falta de mercados financeiros e afins para ajudar nisso, "haja valuation". 


141 - A questão, para Hayek, é que a economia é essencialmente dinâmica: Não seria logicamente impossível, afirma Hayek (1940:131) conceber a solução matemática funcionando se o problema fosse encontrar uma solução de equilíbrio em um mundo com dados constantes e no qual um conjunto de preços poderia prevalecer fixo por longos períodos.


142 - A afirmação de Dickinson (pág. 100-103) de que mudanças seriam feitas apenas na presença de grandes mudanças nos gostos ou grandes inovações técnicas é citada por Hayek (pág. 135) como prova da falta de compreensão sobre a verdadeira função do mecanismo de preços, advinda da preocupação com o equilíbrio. Para Hayek, em contraste, as mudanças de preços seriam necessárias a todo instante, de forma a haver adaptação ao contínuo fluxo de mudanças. (...) Em primeiro lugar, as mudanças ocorreriam com atraso, visto que devem ocorrer apenas quando os administradores locais reportarem as alterações centralmente e o SEC processar os dados e enviar as instruções de volta. Em segundo lugar, o mecanismo não daria conta da complexidade do problema alocativo real, pois os bens seriam agrupados em categorias uniformes. As especificidades referentes ao local, tempo e diferenças de qualidade de cada bem não teriam, portanto, expressão nos cálculos do SEC e as oportunidades de ganho derivadas dessas diferenças seriam desconsideradas.


143 - Para Hayek, como as curvas de custos não são dadas objetivamente, os "monopólios" não podem minimizar os custos. Produzir no custo marginal. Ainda que haja incentivos aos planejadores para além do lucro pessoal. A redução dos custos é feita precisamente por indivíduos que crêem que conhecem métodos mais baratos e têm a possibilidade de arriscar e reduzir o preço cobrado pelos outros empresários, em um teste de sua hipótese.


144 - Os custos marginais, por sua vez, não são entidades conhecidas de antemão, mas variam, por exemplo, com a data em que se realizam as aquisições de recursos e com as expectativas dos preços futuros.


145 - Lembra esse trecho do "Economia e Conhecimento": O problema que queremos resolver é como a interação espontânea de certo número de pessoas, cada uma possuindo apenas fragmentos de conhecimento, gera um estado de coisas no qual os preços correspondem aos custos etc., e que pode surgir por direção consciente apenas por algum organismo que possua o conhecimento combinado de todos esses indivíduos. (Hayek, 1937:50)


146 - Outro artigo: Hayek inicia o artigo reafirmando que o problema fundamental da economia não é o problema lógico da alocação de recursos dados a fins alternativos conhecidos, mas sim o problema de assegurar o melhor uso dos recursos quando o conhecimento for disperso entre os membros da sociedade.


147 - Para Hayek, as curvas de custo da teoria econômica, criadas como instrumento de compreensão dos princípios de funcionamento dos mercados, são confundidas com os custos do mundo real. Neste, o exercício de minimização dos custos, devido à grande complexidade das situações de escolhas reais, deve ser feito continuamente e não uma única vez, à luz de uma curva de custo bem definida e dada claramente ao agente.


148 - Barbieri: Se o mundo fosse razoavelmente estático, com mudanças ocorrendo a intervalos longos, a aplicação direta do aparato teórico ao planejamento da economia não envolveria grandes dificuldades. De fato, vimos como Durbin acredita que os exercícios de estática comparativa (mudança na demanda e tecnologia) poderiam lidar com as questões dinâmicas postas por Hayek: quando lemos Durbin, temos a impressão de que de tempos em tempos a demanda ou os custos se alteram e essas mudanças são pronta e claramente observadas por todas.


149 - Hayek e Mises da importância dos preços para o agente econômico local não precisar ter conhecimento econômico amplo: A escassez relativa dos outros bens, sejam insumos ou produtos, é comunicada a eles de forma indireta, via alterações nos preços.


150 - (Repito que deixo de anotar algumas críticas de Hayek com as quais não estou concordando já "de cara", como a ideia de que almejar simular uma competição perfeita, no socialismo de mercado, iniba processos de aprendizagem)


151 - Ainda Hayek: O fundamental seria a presença da atividade competitiva que resultaria na descoberta dos dados. Há o teste de hipóteses sob escrutínio dos lucros e preços. E sobre o "ótimo de Pareto" diz: mais fundamental do que garantir que ganhos de troca sejam esgotados é descobrir a existência da possibilidade de tais ganhos.


152 - ...se os dados da economia fossem de fato conhecidos, o uso dos mercados como mecanismo de alocação seria um desperdício.


153 - A mágica ocorre fora do equilíbrio, segundo Hayek. A competição real se refere mais a identificação empresarial de alternativas não pensadas pelos rivais e teste de conjecturas mercadológicas diversas do que com a tarefa rotineira de selecionar a mais adequada dentre as opções conhecidas.


154 - Nesse sentido, defende-se que a regra de Lerner não funciona: No modelo, adicionalmente, a igualdade entre preço e custo marginal é conseqüência do comportamento maximizador de lucros sob as condições de competição perfeita. No socialismo de mercado, por sua vez, esse resultado, que não figura entre os propósitos dos agentes nos mercados reais, passará a ser um princípio administrativo a ser explicitamente buscado.


155 - O custo de oportunidade não pode levar em conta apenas a presente escassez, mas também a incerteza. Ganha-se nas experimentações/apostas sobre cenários futuros. 


156 - Lucros e perdas como indicativo: Embora não se possa distinguir com facilidade qual desses dois casos ocorre em cada situação, em última análise o elemento que aproxima a realidade da descrição teórica de um mercado competitivo (de forma imperfeita) é o mecanismo de lucros e perdas em um mercado com livre entrada, como veremos a pouco.


157 - Wiseman ressalta a dificuldade que um socialista teria ao tentar contornar a dita subjetividade dos custos: A alternativa com menos problema, para Wiseman, seria a adoção de uma regra de maximização de receita líquida – lucro – da mesma forma que ocorre nos mercados reais, assistida por regulações centrais que inibam comportamentos anticompetitivos, a fim de que se aproxime um pouco mais do resultado eficiente encontrado no modelo da competição perfeita. (...) Embora tanto as curvas de custo marginal quanto as de custo médio não possam ser traçadas de forma objetiva, a discussão de Wiseman recupera o valor da abordagem mais pragmática de Durbin frente à de Lerner, na medida em que o primeiro se preocupava com a solvência das firmas e o último lidava apenas com os custos marginais.


158 - Na esteira de Buchanan: Não se pode, dessa forma, dispensar o mecanismo de lucros em favor da adoção de critérios que façam referência direta aos custos marginais ou médios, a menos que se assuma – ilegitimamente – que as avaliações subjetivas correspondam automaticamente à realidade subjacente.


159 - Alchian [1950], de maneira análoga a Hayek, Thierlby e Wiseman, afirma que a hipótese de maximização de lucros não fornece um guia descritivo da ação dos agentes. (...) A seleção por falência ou a correção de hipóteses empresariais na forma de imitação daquelas firmas mais bem sucedidas constitui um mecanismo de seleção natural, tal como o requerido no processo de aprendizado descrito por Hayek. A livre entrada e competição, portanto, é a grande chave em Alchian.


160 - Resumo do capítulo: Embora a regra do custo marginal seja adequada tendo em vista a teoria de equilíbrio competitivo, fora deste sua relevância se perde devido ao fato de que entre os mecanismos de descoberta e correção de erros a respeito de conjecturas subjetivas sobre o estado de um mercado, o mecanismo de lucros e perdas é o único mecanismo de seleção impessoal, externo, que não depende de definições maleáveis sobre quais foram os custos incorridos.


161 - (No fundo, não é tão diferente assim, a meu ver, da teoria do "incentivo", já que competição pode até ser simulada sob incentivos reais, inclusive monetários se for o caso - ou referentes a tempo de trabalho).


.


Comentários