Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista - Capítulo 4 ("PARTE B")

  

Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista 



Pgs. 101-136:


"CAPÍTULO 4: "O Socialismo de Mercado"


86 - (continuação...) 


87 - Knight foi engraçado, pois pretendeu usar a metodologia de Mises justamente para provar a possibilidade de socialismo. 


88 - Renda aos cidadãos no socialismo levaria a que escolhessem bens conforme suas preferências. Como Wieser, Taylor considera que a distribuição ‘socialmente correta’ da renda (cuja forma não é discutida) garantiria que a disposição a pagar dos agentes refletiria a ‘importância social’ do bem. A utilidade marginal do bem deve ser comparada com seu custo de oportunidade. Este é calculado monetariamente através dos preços dos bens, fixados centralmente. Os preços seriam estabelecidos no nível em que cubram os custos de produção, dados pela soma do valor dos recursos primários (terra, matérias primas, trabalho) utilizados na produção. Os custos refletiriam a subtração do emprego dos recursos primários em outros usos. Novamente ecoando Wieser, esse esquema garantiria que o valor dos recursos primário seria ‘imputado de traz para frente a partir do valor dos bens de consumo final.


89 - O mesmo Taylor propõe o seguinte procedimento - tentativa e erro - para determinar o preço dos bens primários:


90 - Barbieri critica os custos envolvidos nessas tentativas e erros, além de problematizar como saber a curva de demanda e seus deslocamentos. 


91 - Coloca que Taylor é a base para outros: A proposta de Dickinson, semelhante à de Tisch, será conhecida como a ‘solução matemática’ ao problema do cálculo.


92 - Dickinson imagina uma comunidade socialista com propriedade privada de bens de consumo (adquiridos em mercados com o uso de moeda) e livre escolha de ocupação, com o salário pago para o trabalhador como parte da renda individual. Como no modelo de Barone, outra parte seria dada por uma parcela do ‘fundo social’, a somatória dos rendimentos a serem distribuídos pelo estado fora o pagamento de salários. Os bens de produção, por sua vez, seriam propriedade estatal. A produção seria dividida em duas áreas: a de bens vendidos à população pelas ‘agências de venda’ (consumo individualizado) e de bens dados gratuitamente (consumo socializado).


93 - Firmas trabalhando em "paredes de vidro": Embora superficialmente imite mercados existentes, a economia socialista dispensa elementos como segredos industriais e desconhecimento dos planos de ação dos demais agentes. Esses segredos seriam fruto da rivalidade que marca a competição real.


94 - “Sob o capitalismo, as curvas de demanda podem existir na esfera da fé em vez da esfera do trabalho, mas sob as paredes de vidro da economia socialista elas se tornariam muito mais fáceis de desenhar. (...) As curvas de demanda por bens de consumo final, por exemplo, seriam obtidas pelo departamento estatístico das agências de venda na medida em que se observa a demanda a preços diferentes.” (Dickinson, 1933:240) (...) As firmas produtoras teriam assim conhecimento da demanda por seus produtos e por sua vez demandariam bens de ordem superior (bens de produção) até se chegar aos fatores primários. Os preços destes seriam fixados pelo SEC de forma a garantir o pleno emprego do fator, supondo que sua quantidade seja dada. Teríamos assim curvas de demanda pelos fatores.


95 - Salário refletiria o valor do seu produto marginal. E a desigualdade? Dickinson resolve a questão afirmando que no socialismo o acesso livre à educação reduziria as diferenças de renda obtidas pelo trabalho.


96 - Dickinson afirma que o SEC necessitaria quatro tipos de funções: funções de demanda expressas em termos dos preços, funções de produção, igualdades entre custo e preço e funções de demanda por fatores. Poder-se-ia então resolver um sistema de equações simultâneas, ou, já que o autor acredita que apenas pequenas variações em termos de um equilíbrio pré-estabelecido sejam necessárias, usa-se cálculo de variações marginais.


97 - Dickinson acredita que o estado poderia corrigir as discrepâncias entre custos e benefícios privados e sociais, como aqueles derivados da presença de externalidades, e eliminar desperdícios de recursos devido à ignorância, duplicação de esforços e falta de padronização.


98 - Batia nas imperfeições "anárquicas" do capitalismo: Os sistemas econômicos de equilíbrio econômico descritos por Böhm-Bawerk, Wieser, Marshall e Cassel não são descrições da sociedade presente, mas visões proféticas da economia socialista do futuro. (Dickinson, 1933:247) 


99 - Hayek, ao apontar problemas com a operacionalização da solução matemática e admitir que esta não seja impossível no sentido de ser contraditória logicamente, teria recuado para uma segunda linha de defesa em relação ao argumento de Mises, defendendo apenas a impossibilidade prática do socialismo.


100 - Lange: Só existiriam mercados reais para bens de consumo e trabalho. Os preços destes bens seriam então preços de mercado, no sentido de existir de fato trocas de bens por somas de dinheiro, enquanto os preços dos bens de capital seriam apenas entidades contábeis, parâmetros que devem ser levados em conta nas decisões alocativas das firmas.


101 - Ainda Lange: O Comitê Central de Planejamento exerce as funções do mercado. Ele estabelece as regras para a combinação dos fatores de produção e escolha da escala de produção de uma planta, para a determinação da produção de uma planta, para a determinação da produção da indústria, para a alocação de recursos e para o uso paramétrico dos preços na contabilidade. Finalmente, ele fixa os preços de modo a equilibrar a quantidade ofertada e demandada em cada mercado.


102 - Quanto ao salário, Lange propõe distribuição do dividendo social proporcional ao mesmo. (Então, ao que entendi, admite maior desigualdade para preservar incentivos).


103 - Lange minora o problema do cálculo: ...Os consumidores e administradores das firmas tomariam decisões descentralizadas, sem a necessidade de resolver centenas de milhares de equações. Bastaria que se observassem as quantidades demandadas e ofertadas. Barbieri coloca que faltou discutir alguns problemas, por exemplo: ...diferenças de qualidade e tipos de bens ou freqüência de reajustes de preços. Faz várias outras indagações depois. 


104 - Para Lange, após listar várias vantagens do socialismo, coloca que o problema seria estar sujeito não à falta de critérios alocativos, mas sim ao perigo da burocratização. Funcionários públicos sem a energia dos empresários, por exemplo.


105 - Durbin: ...Ao contrário de Lange, porém, além de mercados de bens de consumo, existem mercados ‘livres’ de bens de produção, com compras, vendas e preços descentralizados.


106 - Os trustes socializados, atuando em mercados, seriam instruídos pela ‘Autoridade Central’ a seguir duas regras (Durbin, 1936:678): (a) que as firmas calculem o produto marginal dos fatores móveis em sua produção; (b) que os recursos móveis sejam sempre movidos ao emprego de maior produtividade.


107 - Realmente as questões de "dinâmica" do sistema não parecem tão diferentes assim do que pode ocorrer num sistema privado: O problema seria mais complexo se a demanda diminuísse, visto que o capital fixo, agora redundante, já estaria aplicado na produção. Neste caso, duas vias de ação seriam possíveis: ou a firma maximiza lucros no curto prazo, reduzindo a produção para obter o maior lucro possível (já que o lucro normal não pode ser obtido) e no longo prazo ajusta-se o montante de capital fixo, ou a firma mantém o capital e é instruída a produzir até que a receita marginal cubra o custo marginal, o que seria teoricamente correto, já que o capital específico já aplicado não tem custo de oportunidade (bygones are bygones). O prejuízo incorrido neste segundo caso seria compensado pelos lucros existentes nos outros trustes, desde que todas as indústrias sejam estatais, para que a compensação seja possível. Durbin apresenta motivos, porém, para considerar a primeira solução mais simples. 


108 - ..."A Autoridade Central simplesmente diz aos representantes locais: “Eis aqui uma planta. Seja qual for a produção, faça-a ao menor custo total possível. Produza o máximo possível de forma a obter lucro normal sobre o custo de trocar sua planta. Quando, por uma mudança nas condições do mercado, você não puder obter lucro normal, então obtenha o maior lucro possível (isto é, produza no ponto no qual a receita marginal se iguala ao custo marginal sem lucro normal). Quando não for possível obter lucro normal, você estará produzindo menos do que a capacidade para a qual a planta foi construída e você deve então considerar qual planta menor, trabalhando na sua capacidade, iria produzir uma quantidade menor e obter lucro normal. No longo prazo essa planta deve ser construída." (Durbin, 1936:686)


109 - Tanto o socialismo de mercado ‘artificial’ de Dickinson e Lange quanto o ‘real’ de Durbin foram alvo de críticas feitas por Abba Lerner sob o ponto de vista do programa de pesquisa neoclássico. (...) Lerner é um defensor do socialismo, acreditando que, apesar dos defeitos, os trabalhos dos três autores mencionados refutam a tese da impossibilidade do cálculo econômico. A discordância de Lerner se refere ao tipo de regras que as firmas socializadas deveriam seguir.


110 - Essência da crítica de Lerner: Quando o caso competitivo ocorrer, o preço será igual ao custo médio e ao custo marginal, no longo e no curto prazo. A alocação correta de recursos da economia, porém, exige apenas que o preço seja igual ao custo de oportunidade marginal. (Igualar o preço ao custo marginal equivale, em termos dos insumos, a escolher as quantidades dos fatores até que o produto marginal de cada fator multiplicado pelo preço do produto seja igual ao preço do fator.) (...) Quando as condições competitivas estiverem ausentes, a regra p = CMg continua representando o desejável em termos de bem estar. Exigir que se iguale o preço ao custo médio mínimo seria apenas copiar um acidente do modelo, não o seu aspecto desejável. A competição perfeita é um meio, não um fim.


111 - Entre as críticas menos centrais, Lerner (1936-7:73) mostra que o fundo social deve ser independente do nível de salário, não uma porcentagem deste, como afirma Lange, se se pretende não distorcer a alocação de trabalho. Lange (1936-7b) aceita este argumento de Lerner.


112 - Ainda Lerner: os administradores setoriais aumentam ou diminuem o número de firmas de modo que o preço se iguale ao custo médio. Quando o preço for superior ao custo médio o setor é expandido e vice-versa.


113 - Lerner quer os custos marginais de curto e longo prazo coincidindo com o preço. Que se chegue a isso. 


114 - Lerner aponta que a regra correta a ser seguida no socialismo seria encontrada no texto de Durbin, que admite que o preço deveria cobrir o custo marginal quando parte do capital for fixo e não tiver custo de oportunidade.


115 - A fim de defender exceções à regra do custo marginal, Durbin é relutantemente levado pelas preocupações práticas a fazer uso de um argumento sobre incentivos, assunto excluído das discussões por todos os socialistas de mercado do período.


116 - Lerner não vê problemas de incentivos na admissão de prejuízos: Em primeiro lugar, a eficiência administrativa poderia ser feita por comparação de custos de firmas diferentes produzindo o mesmo bem.


117 - Lerner conclui sua réplica observando que mesmo que a regra do custo médio seja mais fácil de seguir do que a do custo marginal, não segue que deva ser implementada, pois só a segunda garante alocação ótima de recursos.


118 - Dobb, marxista, vai por outra linha. Afirma que a preferência do consumidor não é sagrada. Bem-estar pode ser gerado sem levar em conta as escolhas livres de consumo de indivíduos, até em razão da existência de bens difusos, de difícil cálculo. Parece que cita parques e afins. 


119 - Lerner colocou que, de qualquer forma, mesmo com um consumidor centralizado planejador, o problema alocativo continuaria necessitando de suas soluções, mas criticou o paternalismo de Dobb.


120 - De certa forma, Lerner diverge de Mises e Marx: ...crê que o mercado pode ser adaptado no socialismo, importando-se apenas alguns de seus aspectos, ou equivalentemente, que os aspectos essenciais do funcionamento dos mercados são independentes das instituições.


121 - Lerner, porém, parece Mises ao criticar Dobb aqui: ...o uso de cálculo econômico através de mercados é necessário diante da complexidade da tarefa, já que existirão ‘milhares de produtos e milhares de fatores, sendo combinados em milhares de maneiras diferentes em milhões de unidades produtivas diferentes, nas quais as realocações de fatores podem ser do tipo mais complicado’ (Lerner, 1934-5b:153). Nesse cenário, não existiriam técnicos capazes de dominar todos esses elementos complexos, de modo que se possa alocar os recursos sem o auxílio dos preços de mercado.


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