Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista - Capítulos 3, 4 ("PARTE A")
Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista
Pgs. 69-100:
"CAPÍTULO 3: "O Argumento da Impossibilidade do Cálculo Econômico Socialista"
49 - Coloca que Max Weber e Boris Brutzkus também fizeram tal crítica em 1920, mas chamando menos atenção.
50 - De fato, os trabalhos de Pareto e Barone revelavam a neutralidade da tradição walrasiana no que diz respeito à possibilidade do socialismo, neutralidade essa que também caracterizará a vertente marshalliana.
51 - Na segunda década do séc. XX, o sociólogo Max Weber desenvolveu, de forma independente dos outros dois autores, a crítica econômica ao socialismo, no segundo capítulo da sua obra prima Economia e Sociedade. Embora tenha sido influenciado pela Escola Austríaca, e Mises em particular, Weber afirma (1997:82) que seu livro já estava sendo impresso quando foi publicado o artigo de Mises.
52 - ...Quanto à crítica em si, aparentemente Weber não desenvolveu quase nada.
53 - Brutzkus conta que em 1921, durante a NEP, existiu um pequeno período de relativa tolerância em relação à literatura não comunista e assim ele decidiu publicar seu artigo, intitulado “The Doctrines of Marxism in the Light of the Russian Revolution” na revista The Economist russa. O texto foi publicado com apenas alguns parágrafos censurados. No ano seguinte, com o recrudescimento da censura, o autor foi preso e deportado, juntamente com a diretoria do jornal
54 - Trotsky sobre Brutzkus e "ideólogos": “não são no presente momento perigosos para a república, mas complicações externas ou internas podem surgir que nos obrigariam a fuzilar esses ideólogos. Melhor então deixá-los ir ao exterior."
55 - Brutzkus atribui o fracasso do período posteriormente denominado ‘economia de guerra’ à ausência de cálculo econômico em termos monetários. (Bom... Tinha uma guerra e uma gripe espanhola...)
56 - ...No socialismo, estimativas incorretas dos benefícios e custos de uma ação resultam em desperdícios em termos econômicos que são sentidos pela população sem que seus administradores sejam afetados. Isso seria exatamente o que estaria ocorrendo na Rússia: a ‘atrofia do cálculo econômico’ nas grandes empresas russas impusera enormes custos em termos de organização do sistema econômico sem que os administradores precisassem se preocupar com o problema.
57 - ...Ausente a possibilidade de contabilidade de custos em termos monetários, o governo precisa controlar as empresas por outros meios. Explica-se assim o surgimento do gigantesco aparato de supervisão e controle, que progressivamente consome os recursos do setor produtivo.
58 - Para Brutzkus, o decreto soviético que estabeleceu a obrigatoriedade do cálculo em horas de trabalho nunca foi posto em prática, dada a impossibilidade de se saber a priori a quantidade de trabalho socialmente necessária para a produção dos bens. (Usa a média vigente?...)
59 - ...Brutzkus conclui que apenas em uma economia estacionária existe uma relação completa entre custos e preços. (Barbieri passa sempre de forma muito curta pelas explicações)
60 - Contesta o planejamento centralizado, por mais estatisticas em tempo quase real que esse possa ter: As necessidades da população, por exemplo, não podem ser estabelecidas a priori.
61 - Economia de guerra: Para Brutzkus, os setores que funcionam adequadamente manteriam a vitalidade devido ao contato com alguma forma de mercado e obtenção de recursos por conta própria e não através dos favores do estado por meio dos Glavki.
62 - Isentar a guerra de "culpa", como ele faz, é algo claramente ideológico. A Revolução Russa veio, por exemplo, ainda na Rússia em ascensão capitalista justamente devido a uma guerra, por exemplo.
63 - Passa a analisar Mises. A conclusão deste é: Portanto na comunidade socialista toda mudança econômica se torna uma empreitada cujo sucesso não pode ser avaliado antecipadamente nem determinado retrospectivamente. Ocorre apenas tateamento no escuro. O socialismo é a abolição da economia racional.
64 - Mises: O autor argumentará que o cálculo econômico só é possível se baseado na formação de preços de mercado e não que a alocação de recursos é ótima quando se usa o sistema de preços, como muitas vezes é interpretado o seu argumento. De fato, logo depois de explicar como o cálculo baseado no sistema de preços permite a avaliação do valor das diversas vias de ação, Mises (1935:99-100) aponta os limites desse sistema de cálculo. O próprio valor da moeda se altera ao longo do tempo, mesmo em um sistema monetário relativamente estável. Além disso, ficam fora da avaliação aqueles bens que possuem utilidade mas não são trocados em mercados, pois nesses casos não se formam preços. Mises vai além e afirma que o cálculo monetário só tem sentido na esfera das trocas econômicas.
65 - As infinitas possibilidades de combinações de consumo/uso de bens (de produção, por exemplo) dependem do sistema de preços (só no capitalismo, diria Gustavo do PSTU) e, consequentemente, da moeda. Apenas este é capaz de dispensar uma impossível onisciência do ente planejador.
66 - (Não anoto crítica de Mises com que não concordo logo de cara. "Ah, recursos naturais escassos"... Como o próprio texto diz, são levados indiretamente "em conta" pelo trabalho que isso envolve.
67 - Coloca que é difícil calcular custo-oportunidade, por exemplo, de construir estradas. É preciso moeda, unidade monetária para comparar custos e benefícios. Em espécie, não se calcula.
68 - Importante ressaltar que a crítica de Mises não se dirige a formas "socialistas" que mantém mercados: ...Quando o “sindicato do carvão” provê o “sindicato do aço” com carvão, nenhum preço pode ser formado, exceto quando ambos sindicatos são só proprietários dos meios de produção empregados em seus negócios. Isso não seria socialização, mas sim capitalismo dos trabalhadores e sindicalismo. (Mises 1935:112)
69 - Tenho achado os argumentos de Mises meros achismos fracos, tipo este: "De qualquer forma, ao se enfrentar o problema, descobre-se que, com a socialização dos meios de produção, desaparece o interesse material dos administradores pelos lucros das firmas, o que, segundo o autor, explicaria o fracasso das experiências de nacionalização de indústrias. Esse fracasso não pode ser remediado pela adoção de práticas administrativas mais comerciais ou mesmo pela contratação de empresários para gerir empresas públicas, pois o tipo de administração eficiente não depende de características pessoais, mas sim da pressão competitiva gerada pela busca de lucros, eliminada no socialismo". Assim fosse, sociedades de economia mista ou empresas públicas, por exemplo, dando recordes seguidos de lucro seriam uma abominação. Há outras formas de pressão a explorar. Basta haver controle da base, beneficiados materiais, sobre possíveis dirigentes, por exemplo.
Pgs. 89-xx:
"CAPÍTULO 4: "O Socialismo de mercado"
70 - Cita que os primeiros neoclássicos que responderam a Mises foram "socialistas fabianos", interessados na conciliação de classes.
71 - Hoff (1981:204), seguindo Hayek, classifica as respostas ao desafio de Mises ao longo do debate do cálculo em cinco categorias: em primeiro lugar temos propostas de cálculo em termos naturais (em espécie), em seguida propostas baseadas na teoria do valor trabalho, em terceiro lugar as soluções matemáticas (que envolvem método experimental), em quarto lugar a recomendação do cálculo baseado em considerações de custos marginais e, finalmente, as tentativas de introdução da competição no socialismo.
72 - Explica pouco a polêmica Mises-Neurath, mas observa que mesmo socialistas rejeitavam a ideia de "valor natural" do segundo.
73 - A proposta de Leichter de como o cálculo do valor de todos os bens seria feito no socialismo se encaixa no tipo 2 mencionado acima: o cálculo, para ele, seria feito tendo como unidade contábil a quantidade de horas de trabalho empregadas na produção, que serve também de base para o esquema de distribuição baseado em vales. Os salários seriam ajustados pela habilidade e intensidade do trabalho feito. (Novamente não se aprofunda muito a discussão aqui).
74 - Polanyi e Heimann pensaram um socialismo com preços. ...publicaram trabalhos que procuravam basear a organização do socialismo em cartéis setoriais. Seria um planejamento descentralizado.
75 - ...Em sua proposta, a propriedade dos bens de produção pertence à Comuna, organismo político que representa os interesses mais gerais da sociedade e é estabelecido por eleições. A condução da produção, no entanto, é responsabilidade das Associações de Produtores, cujos membros são eleitos pelos trabalhadores de cada setor produtivo. A união das associações formaria o Congresso das Associações de Produtores. Tanto esse congresso quanto a Comuna têm funções legislativas e executivas. As decisões resultam na interação entre esses dois organismos, que levariam em consideração não apenas as questões relevantes à eficiência econômica, mas também os interesses mais amplos da sociedade.
76 - A crítica que Mises [1923] faz a proposta de Polanyi diz respeito à forma vaga como se definem direitos de propriedade. No esquema proposto, conflitos inevitavelmente surgiriam entre as duas organizações. Nada é dito sobre como tais disputas seriam resolvidas. Se a propriedade de fato fosse da comuna, teríamos planejamento central, caso em que o próprio Polanyi afirma que não se pode resolver o problema do cálculo. Se a propriedade e o poder de decisão fossem das associações de produção, teríamos não uma forma de socialismo, mas sim de sindicalismo.
77 - Heimann: monopólios setorais com cálculo monetário mesmo. Não ficou claro, para mim, se há planejamento central. Os gerentes dos monopólios seriam instruídos a fixar preços segundo os custos de produção, evitando-se a exploração de ganhos de monopólio.
78 - Resposta de Mises: O cálculo fundado em preços baseados nos custos, por sua vez, resultaria em argumento circular quando estes são entendidos no sentido austríaco de custos de oportunidade, já que custo de oportunidade é igual à importância subjetiva da alternativa preterida em uma escolha. Os custos seriam equivalentes ao valor apenas no equilíbrio em uma economia estática. Diz ainda, Mises, que "competição pacífica" não funciona. Falta o incentivo.
79 - Semelhante às propostas de Polanyi e Heimann, temos ainda uma solução baseada em monopólios feita por Jakob Marschak. Muito mais sindicalista, porém.
80 - Por último, alguns anos mais tarde, temos propostas que podemos classificar como ‘soluções matemáticas’, feitas já em termos da teoria de equilíbrio geral por Herbert Zassenhaus e Kläre Tisch, esta última em sua tese de doutoramento, orientada por Schumpeter. (...) Para que isso seja feito, é necessário o conhecimento dos fundamentos da economia: demandas, coeficientes técnicos (e sua variabilidade) e as dotações de recursos. Esse conhecimento, para os defensores da solução matemática, poderia ser obtido pelo órgão responsável pela direção da produção.
81 - Neoclássicos socialistas fabianos (rejeitam a ditadura do proletariado em favor da democracia parlamentar inglesa, por exemplo): A abordagem de equilíbrio geral foi utilizada por Taylor (1929), Dickinson (1933) e Lange (1936-7) para propor esquemas socialistas que substituem os mercados por um sistema artificial de preços.
82 - ...As abordagens austríaca e marshalliana, por sua vez, foram utilizadas por Durbin (1936) e Lerner (1937) para propor economias socialistas nas quais se permitiriam mercados em que os participantes seriam firmas estatais, cuja atuação seria determinada por regras ditadas centralmente. Em ambos os casos, a incorporação no socialismo de um sistema de preços (real ou artificial) justifica a classificação das propostas como ‘socialismo de mercado’.
83 - Mesmo Lange, mais distante do socialismo inglês e mais voltado ao planejamento central no qual não são permitidos mercados para bens de capital, defende a existência de um sistema de preços – ainda que em larga medida artificial – na operacionalização do socialismo.
84 - “Eu acredito que a substituição dos ajustes instintivos do sistema competitivo pela previsão consciente, e o estabelecimento de uma autoridade social no lugar da busca pelo controle monopolístico privado, irá criar uma economia mais balanceada e mais seguramente progressiva” (Durbin, 1949:21).
85 - Embora a alocação de recursos nas firmas existentes seja feita via sistema de preços, imitando-se o comportamento ideal das firmas da teoria da competição, os defensores do socialismo de mercado defendem alguma forma de planejamento central na determinação dos investimentos ou na coordenação intersetorial das indústrias. Isto é justificado pela maior capacidade que teria o Estado de enxergar o processo econômico como um todo, em comparação com a miopia dos agentes isolados atuando em interesse próprio.
(...)
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