Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista - Capítulo 8

       

Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista 



Pgs. 261-288:


"CAPÍTULO 8: "Informação, Conhecimento e Complexidade do Problema Econômico""


245 - Afirma que os modelos de Roemer e Bardhan possuem muitas restrições à livre-competição e lança exemplos lá. 


246 - Roemer e Bardhan acreditam que a liberdade de estabelecimento de pequenas firmas e o financiamento de laboratórios de pesquisa bastariam para manter a capacidade inovadora na economia. Barbieri não.


247 - No fundo, o argumento de Barbieri é que, na prática, as empresas, mesmo descentralizadas, não são punidas pelos seus erros. O mecanismo de seleção falha porque sempre há uma instância maior, em última ordem, para salvar. (o crescimento econômico mundial que vi após 2008 deve ter sido uma miragem então, pois o "salvamento" não foi algo tão diferente do que ele descreveu como falha do "socialismo de mercado"). Como a diminuição de renda advinda do erro é deslocada para instâncias mais amplas, a competição entre os agentes se transfere da esfera econômica para a política, na disputa para se livrar do ônus de arcar com o prejuízo. Neste ponto a análise da escola de escolha pública complementa a análise austríaca.


248 - Barbieri: A proposta fracassaria por desconsiderar um aspecto real dos mercados que está fora da análise de equilíbrio tradicional: o processo empresarial de descoberta.


249 - O'Neill, Marx e os mercados: A objeção genuína de Marx se referiria à incapacidade de coordenação dos agentes justamente devido ao processo competitivo que Hayek afirma que levaria à coordenação. À maneira de Stiglitz, O’Neill utiliza o exemplo do estanho de Hayek para afirmar que este último autor teria dito que o sistema de preços comunica toda a informação necessária para coordenar os mercados. Além de discordar essa afirmativa ‘de Hayek’, o autor questiona a afirmação de que a informação contida nos preços seja suficiente para a coordenação das atividades nos mercados. Para que isso ocorra, os agentes deveriam estar cientes dos planos de ação dos demais, caso contrário haveria excesso de produção causado pela reação de produtores isolados a uma variação de preços sem levar em conta a mesma reação dos demais. Essa ignorância mútua estaria na base da explicação marxista das crises. Para O'Neill, "paredes de vidro" resolvem o problema da complexidade. O mercado estaria "bloqueando" a coisa: ..."Essa característica é específica ao mercado como um sistema de produtores independentes competindo entre si pela venda de bens. Não é uma consequência da complexidade ou da mudança." (O’Neill, 1989:209, ênfase no original)


250 - ...O socialismo de mercado moderno deveria, inclusive, buscar de alguma forma corrigir isso. Eliminar paredes entre firmas. Mesmo que incorpore competição. 


251 - De Dobb, "Adaman e Devine (1996)" tiraram a ideia de socialismo como planejamento "ex ante", coordenando as decisões de investimento das firmas, levando em conta as relações intersetoriais, os possíveis gargalos no que se refere à produção futura, externalidades no consumo e assim por diante. A partir daí, faz uma curiosa salada assimilando as críticas de Lavoie (o cara do "tácito"): “Em nosso ponto de vista, a lição para os socialistas do debate do cálculo é que a atenção deveria se focar na possibilidade de combinar planejamento com a articulação de conhecimento tácito” (Adaman e Devine, 1996:529).


252 - ...A chave do modelo deles? A propriedade social atribui direito de participação nas decisões sobre o uso de um conjunto de ativos a todos aqueles que são afetados por essas decisões. Seria uma negociação entre grupos: No que diz respeito à propriedade social das firmas, as decisões devem ser tomadas em conjunto pelos trabalhadores, consumidores, comunidades locais e regionais onde as firmas se situam, órgãos de planejamento central e regional, grupos defensores do meio ambiente e grupos voltados para a defesa de oportunidades iguais para grupos de interesse específicos.


253 - ...Por outro lado, os autores afirmam que as firmas fixariam seus preços com base nos custos médios de longo prazo, calculados com base na quantidade de trabalho empregada na produção dos bens


254 - ...As indústrias, por sua vez, decidiriam o montante de expansão na sua capacidade produtiva através da discussão nos chamados ‘corpos de coordenação negociada’, que reuniriam os consumidores, as firmas do setor, as firmas fornecedoras de insumos e as firmas consumidoras de produtos, comissões de planejamento global, nacional e regional preocupadas com inovações, desenvolvimento regional ou relações entre indústrias, além de outros grupos interessados no setor. (...) Os corpos de coordenação decidiriam sobre os investimentos a partir de informações sobre o desempenho das firmas, estimativas de mudanças, custos e demanda com a capacidade atual e com a adoção de inovações, além de opiniões sobre as causas das diferenças de desempenho e também sobre as condições econômicas e sociais das diversas localidades.


255 - ...os autores afirmam que as transações de mercado seriam mantidas, mas as forças de mercados seriam substituídas pelo planejamento ex ante através das discussões. Barbieri achou tudo muito cheio de lacunas. 


256 - Barbieri critica também a solução da negociaçã/coversa coletiva (Adaman e Devine). Para Hayek, a humanidade transcendeu esse limite através da evolução de instituições, como o sistema de preços, que forneceram mecanismos de correção de erros impessoais, que dispensam o controle consciente imaginado pelos marxistas.


257 - Critica as propostas de coordenação socialista, visto que, em caso de erro, todos os ovos estarão na mesma cesta, digamos. Não há planos alternativos em curso para sobreviverem à seleção e provarem que a maioria estava errada. 


258 - Do jeito que Barbieri fala, parece até que ele defende que o mercado capitalista é infalível (o que certamente não defende): O controle consciente do processo produtivo sugerido nos dois textos, para que represente um ganho de eficiência em relação à competição nos mercados, deve em última análise pressupor infalibilidade do conhecimento. Evitam-se com isso os desperdícios da competição; mas, se o conhecimento for falível, o plano fracassa como um todo.


259 - Cottrell e Cockshott: A proposta de solução ao problema do cálculo dos autores é baseada na teoria do valor trabalho e combina a matriz insumo-produto de Leontieff com um mecanismo de tâtonnement semelhante ao idealizado por Lange. O valor νi de uma unidade do bem i, medido em termos de quantidade de trabalho empregada em sua produção, é dado pela quantidade de trabalho diretamente empregada λi acrescido do valor dos bens de capital usados na produção do bem. Esse valor é dado pelo valor νj de cada insumo multiplicado pelo coeficiente técnico aij que diz quantas unidades do insumo j devem ser utilizadas na produção do bem i. (...) Essa formulação é acompanhada da reafirmação dos autores da crença marxista de que o trabalho de agentes diferentes pode ser reduzido a um denominador comum. 


260 - ...Adicionando mais equações, arremata: ...Calculado o valor dos bens em termos de horas de trabalho, os consumidores, de posse de seus vales, cujo valor é equivalente ao número de horas trabalhadas por eles, demandam os bens que quiserem. No curto prazo, a autoridade responsável pelos preços efetua reajustes de preços de forma a obter um equilíbrio entre oferta e demanda.


261 - Cottrell e Cockshott também colocam que a "solução matemática" é cada vez mais possível: Estimando que a economia soviética possuía 10 milhões de produtos, a inversão de uma matriz 107x107 seria viável com o auxílio desses algoritmos e pelo fato de que grande parte da matriz de fato seria composta por zeros (cada produto utiliza um número relativamente pequeno de insumos). (...) Quanto à coleta dos dados, Cotrell e Cockshott (1993:103) imaginam uma rede de computadores interligando as firmas, cada uma delas apresentando uma planilha na qual são reportadas as condições atuais da produção, em termos da quantidade de insumos e produtos, codificados de forma padronizada.


262 - Eles também batem de frente com o misticismo austríaco: O ponto válido de que uma economia dinâmica deve estar constantemente em busca de novos métodos e produtos, e portanto as informações sobre as ‘funções de produção’ não são dadas de uma vez por todas, tende a se diluir, em Mises e Hayek, naquilo que se pode chamar de ‘misticismo do empresário’ – um subjetivismo radical para o qual não podemos ver justificação científica. (Cotrell e Cockshott, 1993:90, n.r.).


263 - Contra-argumentação de Horwitz: ...uma analogia entre o uso de preços de mercado e o uso da linguagem. Da mesma forma que uma palavra só tem significado no contexto fornecido pelas demais palavras, também os preços não são entidades objetivas, mas só têm significado se forem parte do processo de competição. Embora pouco clara, a analogia pode ser entendida através da discussão que se segue.


264 - O exemplo das teias de aranha - finas, rápidas de fazer e que pouco capturam? Ou densas, envolvendo mais tempo de trabalho e que muito capturam? - de Dawkins é interessante. Alchian resume: Como firmas maximizadoras de lucros, aranhas que constroem teias cujo benefício marginal da seda e do trabalho supere o seu custo marginal tendem a sobreviver e reproduzir. Como em Alchian, tudo ocorre ‘como se’ a aranha fosse capaz de realizar o cálculo econômico de custos e benefícios. (Ok, mas o fato de a aranha não fazer cálculo não quer dizer que o processo não pudesse ser racionalizado a partir de dados observáveis a fim de apostar numa determinada evolução. Inclusive já há cientista "nostradâmico" brincando disso hoje)


265 - Barbieri dá a entender que a seleção artificial não serve muito, pois os parâmetros dos modelos são, por demais, manipuláveis (isso é praticamente uma crítica aos neoclássicos, a meu ver): O programador tem que tomar uma decisão acerca de quanto custará uma dada extensão de “seda”, na mesma moeda em que determina o valor de um “inseto”. O programador poderia alterar à vontade a taxa de conversão de moeda. Ele poderia, vamos dizer, duplicar o “preço” da seda.... A taxa pela qual a “carne” de inseto é convertida em filhotes de aranha também é decidida pelo programador. A decisão é arbitrária e, se alterada, produzirá um resultado evolucionário diferente. (Dawkins, 1998:78)


266 - ...Ademais: O processo de seleção natural em geral leva em conta uma infinidade de características dos animais que interagem de forma complexa, como agilidade, dureza do couro, tamanho de dentes e assim por diante. Para podermos avaliar em um modelo a eficácia desses instrumentos para a caça de uma presa, precisaríamos recriar no computador toda a biologia e a física. Não há como obter sucesso nessa tarefa, por mais complexos que sejam nossos programas. (Sim, mas modelos econométricos, por exemplo, que explicam salário em meras duas variáveis como escolaridade e experiência obtém um resultado bem aproximado, mesmo que a gente saiba que existam muitas outras em jogo).


267 - Defende-se, em suma, que o sistema de preços e seu processo de seleção natural é complexo demais para ser imitado. Não é possível computar todas as variáveis. No processo evolutivo surgem soluções criativas e inovadoras para gerar tais vantagens.


CONCLUSÃO


268 - É mais um resumo do que foi apresentado. Há uma interessante tabela com os debates que ocorreram (e olha que nem tem todo mundo!). Na tabela, o autor da primeira coluna iniciou cada disputa, o símbolo ‘⇒’ indica que o autor da primeira coluna criticou o da segunda e ‘⇔’ indica que houve resposta à crítica por parte do segundo.




269 - Ele montou, inclusive, esquemas de socialismo de mercado:



270 - É isso. Bom livro até.



FIM



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