Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista - Capítulo 7 ("PARTE B")

      

Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista 



(...) Pgs. 237-260:


"CAPÍTULO 7: "Socialismo de Mercado Moderno: Informação e Incentivos"


209 - "Socialismo de mercado real", digamos: A expressão ‘socialismo de mercado’ foi então associada às economias desses países em transição, embora a realidade dessas economias pouco se assemelhasse aos modelos teóricos de socialismo de mercado desenvolvidos na década de trinta. A partir de 1950 alguns países com economias centralizadas, em especial Iugoslávia e Hungria, buscaram implementar reformas que introduziam alguns elementos das economias de mercado. Mais tarde, países como China, União Soviética, Polônia, entre outros, seguiram, em graus diferentes, na mesma direção.


210 - (Achei a descrição que ele fez da Iugoslávia, no parágrafo seguinte, algo próximo do que Mises chamou de "economia sindical" ou algo do tipo. O próprio texto disse isso depois. E a Hungria pareceu mais os modelos dos teóricos do socialismo de mercado)


211 - Ao contrário da Iugoslávia, na Hungria as firmas permaneciam estatais, embora os mesmos processos de abertura comercial e liberalização de preços tenham ocorrido. Além disso, não se abandonou a alocação central de capital ou a ideia de que a economia deva seguir um plano central.


212 - Kornai propunha a reforma do "socialismo real" pelo motivo de que, pelo que entendi, as empresas não se empenhavam como poderiam para reduzir os custos. O Estado paternalista cobrindo prejuízos estaria levando a um desrespeito da restrição orçamentária na hora de adquirir e combinar insumos. ...Quando a restrição orçamentária for tênue, as firmas não reagem a variações nos preços dos insumos...


213 - ...Predomina, então, o rent-seeking. O resultado disso é que não haveria naquele país relação alguma entre o desempenho de uma firma, medido pelo lucro antes dos impostos e subsídios, e a ‘lucratividade’ final, medida após a redistribuirão de recursos. Kornai coloca que, em menor grau, esse fenômeno ocorre mesmo nos países mais capitalistas. 

 

214 - O diagnóstico de Kornai a respeito das dificuldades encontradas pelas economias que abandonaram o centralismo soviético influenciará não apenas a retomada moderna do debate do cálculo na década de noventa, mas também os autores da quarta fase identificada por Roemer, que buscam formas alternativas para o socialismo na década anterior. Os socialistas de mercado dos anos 90 virão isso como um problema de desenho de incentivos. Um "problema de agência". 


215 - Brus e Laski queriam ir adiante nas reformas liberalizantes: A descentralização da posse de capital, por sua vez, permite a exploração das oportunidades de ganho empresarial. Sem mercados de capital, além disso, perde-se a capacidade de alocar recursos entre setores e entre regiões e as decisões sobre investimento e poupança permanecem centralizadas.


216 - ...A proposta de socialismo de mercado desses autores será então caracterizada pela introdução de mercados de capital, além dos mercados de trabalho e bens de consumo já presentes nas demais propostas. Propõem então o desenvolvimento de bancos comerciais e empresas com capital aberto a fim de lidar com os problemas apontados acima. Para isolar a administração das firmas da interferência estatal, defendem os autores uma “separação do estado como proprietário do estado como administrador” (Brus e Laski, 1992:136): embora as firmas sejam autônomas na administração de seus ativos, o estado mantém o direito ao retorno do capital.


217 - A proposta de Alec Nove é praticamente a mesma, achei.


218 - O novo socialismo de mercado dá então um passo além da proposta de Durbin, que não fixava centralmente os preços mas retinha a propriedade pública dos fatores.


219 - O socialismo seria então definido não pelos seus meios, como a propriedade pública dos bens de produção, mas pelos seus fins. Roemer (1994:11) identifica estes com a igualdade de oportunidades para ‘auto realização e bem estar, influência política e status social’.


220 - Roemer e a bolsa de valores socialista: Cada cidadão adulto teria direito a um conjunto de vales correspondentes a uma fração do capital de cada firma grande do país. Na prática, Roemer (1992:110; 1993:96; 1994:49) imagina uma série de fundos mútuos detentores de portfólios idênticos de ações de todas as firmas, e cada habitante adulto por sua vez possuiria ações dos fundos mútuos. Quando um indivíduo morre, suas ações voltam para o estado, que as distribui entre aqueles que adquirem maioridade.


221 - ...A partir dessa situação inicial a bolsa de valores funcionaria de forma a equilibrar o valor das ações das firmas. A fim de que os pobres não vendam seus ativos aos ricos (devido à maior taxa de preferência temporal) ou aos mais informados, o que restabeleceria a desigualdade de direitos ao rendimento do capital, limitam-se os direitos de propriedade sobre os papéis: os indivíduos seriam proibidos de vender todos os seus ativos financeiros; as ações só podem ser trocadas por outras, não por dinheiro. (...) Tampouco poupanças acumuladas em dinheiro podem ser usadas para adquirir ações. Estabelece-se assim uma espécie de escambo de ações: a moeda corrente não serve como meio de troca nesses mercados. Embora não se possa ganhar com a troca de ações por dinheiro, os detentores das ações teriam direito aos lucros do capital representados pela ação.


222 - ...O financiamento de investimentos ocorreria via empréstimos bancários. Roemer se inspira no sistema bancário japonês, imaginando bancos ligados a um conjunto de firmas, de maneira semelhante aos keiretsus. As firmas teriam seu quadro de diretores formados por representantes dos fundos mútuos e do banco financiador.


223 - ...As firmas menores poderiam ser criadas e operadas de forma tradicional, com propriedade privada plena, o que garante a continuidade das inovações (feitas também nos departamentos de pesquisa das firmas grandes). A partir de um certo tamanho, contudo, as firmas pequenas sobreviventes teriam que participar do esquema proposto acima, sendo nacionalizadas.


224 - O Estado dirigindo o investimento e taxa de juros, nesse modelo, se dá pelas mesmas razões que Stiglitz apoia intervenções: "caso não houvesse externalidades nos investimentos e existissem mercados completos, o investimento poderia ser privado."


225 - Os gerentes/gestores teriam, então, incentivo para maximizar a alocação de capital: “O mercado de trabalho para gerentes não irá esquecer se um administrador de um banco perdoa empréstimos ruins ou tolera firmas de baixo desempenho frequentemente” (Roemer, 1994:77).


226 - ...Outras garantias são mencionadas, como o fato de que os funcionários dos bancos seriam pagos segundo o desempenho, a concorrência internacional seria permitida e os bancos teriam acionistas outros além do estado.


227 - Roemer também coloca que sua proposta iria tirar o poder do grande lobby (agente do rent-seeking). Ninguém mais concentra tanto capital ao ponto de induzir políticas públicas


228 - A apresentação da proposta de Roemer foi acompanhada por uma variante defendida pelo seu coautor, Pranab Bardhan. Este último interpreta o problema da restrição orçamentária tênue como constituído de duas partes: o problema de agência na administração das firmas e o problema político de compromisso crível por parte do estado de se ater às regras. Para resolver o primeiro problema, o autor propõe (Bardhan, 1993:147; Bardhan e Roemer, 1992:108) uma forma de socialismo de mercado na qual as firmas são sociedades de capital aberto com algumas ações pertencentes aos seus trabalhadores, instituições financeiras, fundos de pensão e governos locais, entre outros. A maioria das ações, porém, seria controlada pelas demais firmas pertencentes ao mesmo grupo e ao banco associado ao mesmo. Cada grupo de firmas estaria então associado a um banco principal. (...) O financiamento do capital das firmas seria feito pelos bancos principais, cujo sócio majoritário seria o governo central.


229 - Em Bardhan, os bancos possuem um papel mais central, não os agentes dispersos da bolsa: Os bancos, além de sua capacidade de resolver o problema de agência das firmas, estariam menos sujeitos ao comportamento míope encontrado nas bolsas, voltado para a lucratividade de curto prazo.


230 - Fleurbaey propõe esquema semelhante, mas um tanto mais preocupado com a democracia no local de trabalho, deixando para os bancos o papel de alocar capital entre as firmas. Já a redistribuição da renda, já que nesse esquema há a tendência de se afastar de uma distribuição igualitária, poderia ser realizada sem o uso de tributação, na mudança de gerações, impondo-se um limite ao montante que uma pessoa possa herdar, limite esse próximo da riqueza média per capita. (...) Finalmente, imagina o autor, haveria a adoção de planejamento indireto via impostos e subsídios para correção de externalidades ou para direcionamento do investimento em certas direções.


231 - ...Na proposta descrita acima, Fleurbaey pretende, com o financiamento de firmas por bancos, contornar alguns problemas identificados com os modelos de economias com firmas geridas pelos trabalhadores. Sem financiamento externo, as firmas tenderiam a investir menos do que o ótimo, por uma série de razões: os horizontes de vida dos projetos são maiores do que o tempo de trabalho futuro dos trabalhadores atuais; os trabalhadores novos ‘pegariam carona’ nos investimentos antigos e os trabalhadores seriam muito expostos ao risco, porque investem seu capital e trabalho em um mesmo empreendimento. Ao apelar para o financiamento externo via uma rede de bancos, tais problemas seriam contornados: o pagamento dos empréstimos pode ser simultâneo com os retornos do projeto, os novos trabalhadores também pagam as amortizações dos empréstimos e os bancos funcionam como seguradoras para os trabalhadores, cujo capital financeiro é investido em uma carteira diversificada de ativos. Além de seu papel de seguradora, Fleurbaey acredita como Bardham que os bancos teriam capacidade superior de monitorar a administração das firmas do que acionistas.


232 - E aí temos todo tipo de proposta de socialismo de mercado. Weisskopf: Nesse modelo híbrido, as firmas com mais de dez trabalhadores elegem conselhos a partir de eleições, com um voto por trabalhador. O conselho, por sua vez, contrata administradores das firmas, responsáveis pela gestão das firmas. ...Esse último ele explica pouco


233 - A última proposta moderna de socialismo de mercado que destacaremos foi sugerida por Yunker, que a denomina ‘socialismo de mercado pragmático’.


234 - Traz as regras de Yunker para evitar concentração de renda. É talvez o modelo que menos difere do capitalismo atual. Como nas propostas anteriores, firmas pequenas e profissionais liberais poderiam operar de forma independente. Yunker permitiria ainda a existência de firmas grandes livres do controle pelo BPO, desde que administradas pelos seus donos fundadores. Neste caso, seria cobrado um imposto sobre o capital igual à taxa normal de retorno do capital da economia. (...) A centralização do controle no BPO, para o autor, resolveria o problema de incentivo advindo da separação entre posse e controle dos ativos encontrada no capitalismo, pois o risco de demissão do executivo chefe seria maior. (Também achei, aqui, muito ligeira a explicação sobre esse tal de BPO).


235 - Rejeitada a tese austríaca de que existe algum problema de cálculo econômico, os novos críticos avaliarão o socialismo de mercado (antigo e moderno) sob o ponto de vista da Escola da Escolha Pública, contestando o pressuposto de agentes públicos benevolentes. (...) apontam os autores, no socialismo real podemos observar que bens escassos não têm seus preços elevados, o grau de concentração industrial é maior do que nas economias de mercado, o grau de poluição também é maior e não ocorrem inovações advindas de mais competição. (...) Os interesses dos políticos destruiriam qualquer esquema no qual firmas de fato obtivessem lucros.


236 - Uma parte da crítica: ...Qualquer administrador que ousar enfrentar o governo, ou o banco controlado pelo governo, atuará contra os próprios interesses pessoais. Da mesma forma, nenhum gerente de um banco controlado pelo governo irá recusar empréstimos a uma grande firma estatal quando o governo que o contratou o ‘aconselha’ a fazer o empréstimo. (Shleifer e Vishny, 1994:170). (Se o governo for mero garantidor da propriedade pública e a gestão for controlada pela base - acionistas, fundos desses ou sei lá o que -, creio que a crítica não se aplica).


237 - Os críticos imaginam modelos de socialismo: ...se o ditador maximizador de riqueza sofresse pressões políticas, o resultado seria ainda menos eficiente. Neste caso predominaria a construção de monumentos, exércitos, concessão da administração das firmas a conhecidos em detrimento de especialistas, industrialização fracassada, com firmas gigantes e ineficientes, mas como grande poder propagandístico e assim por diante.


238 - ..Se a hipótese de políticos auto interessados for válida, como os preços seriam ajustados no socialismo? Enquanto o governo desinteressado de Lange ajustaria os preços de forma a igualar oferta e demanda, um governo maximizador de renda tenderia a fixar preços abaixo do equilíbrio, de forma a gerar escassez, como de fato seria observável no socialismo real. Enquanto Kornai explica a constante falta de produtos pelo fenômeno da restrição orçamentária tênue – as firmas adquirem todos os insumos que puderem, visto que não se importam com o custo – os economistas da escola da Escolha Pública explicam o mesmo fenômeno como uma maneira de coletar subornos. (...) Se os impostos sobre os lucros das firmas socialistas forem próximos de 100%, como seria o caso nas economias socialistas, os gerentes das firmas não teriam interesse em vender ao preço de equilíbrio. Se uma escassez for mantida por meio de um preço baixo, a diferença apontada há pouco pode ser coletada como suborno, não sujeito a confisco.


239 - Barbieri critica a ideia de que a democracia serviria para revitalizar o socialismo: ...Se alguns grupos tiverem custos menores para se organizar, as decisões políticas refletirão os interesses desses grupos. Na realidade, de fato, é muito mais comum a formação de um grupo de pressão de produtores a favor de proteção comercial do que a de um grupo de consumidores a favor do comércio livre.


240 - Os argumentos de Escolha Pública foram vistos por Bardhan e Roemer (1994) como um exagero em uma direção oposta: embora não seja verdade que o governo seja completamente desinteressado, também não é verdade que seja exclusivamente composto de egoístas preocupados exclusivamente com dinheiro e carreiras. De qualquer modo, acreditam estes autores que suas propostas lidam satisfatoriamente com o problema de isolar as firmas de indevida interferência governamental. Os mecanismos que limitariam essa interferência, tal como imaginam os autores, poderiam inclusive ter o status de garantias constitucionais.


241 - Kornai: A tentação da burocracia de exercer o poder e não delegá-lo à gerência das firmas seria irresistível. E o gerente perderia tudo ao bater de frente com a burocracia. E sem a livre entrada, não há competição, nem mecanismo de seleção.


242 - Arnold faz um curioso exercício de imaginação. No socialismo, haveria uma "seleção natural", digamos, dos melhores administradores e/ou formas de administração pelos trabalhadores, já que o controle vem da base. As firmas que profissionalizassem seus processos decisórios teriam vantagens competitivas sobre aquelas que não o fizessem. Para que essa tendência de fato ocorra, o autor assume que as firmas são de fato submetidas à pressão competitiva. Ou seja, não ocorre o problema de restrição orçamentária tênue identificado por Kornai. (...) Nesse ambiente, progressivamente os trabalhadores abdicariam do controle dos ativos das firmas para se tornar meros vendedores de trabalho, na medida em que o sucesso empresarial fosse compensado com lucros e o insucesso com prejuízos.


243 - ...Houve discordâncias: Para Schweickart (1987a:310), a tese de Arnold dependeria da hipótese de “escassez de pessoas capazes e dispostas a inovar e administrar efetivamente”, hipótese esta que explicaria os altos salários dos administradores pela baixa oferta da habilidade administrativa, vista como um fator de produção.


244 - Arnold afirma que a habilidade empresarial não é "contratável". Só a administração. A habilidade empresarial só é testada no próprio processo competitivo, sendo dependente da rivalidade entre as firmas.


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