Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista - Capítulo 6
Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista
Pgs. 181-...:
"CAPÍTULO 6: "A Batalha das Interpretações"
162 - Logo após o arrefecimento do debate, quando a teoria do equilíbrio geral ainda se desenvolvia e inspirava confiança entre economistas e o bloco soviético se expandia no pós-guerra, os economistas eram quase unânimes em afirmar que Lange havia vencido Hayek ("Lange, por sua vez, refuta a posição de Hayek, mostrando que o sistema de equações não precisa ser resolvido diretamente se o órgão planejador estabelecer diferentes preços até que um equilíbrio seja obtido por tentativas e erros."). Barbieri afirma que, com o colapso da URSS, isso mudou.
163 - Afirma que Schumpeter foi o principal culpado pela divulgação da suposta vitória de Lange. Barbieri observa: Nota-se que o autor coloca a questão em termos da consistência lógica do socialismo, distinguindo logo no primeiro parágrafo do capítulo XVI entre prova lógica (teórica) e viabilidade prática do socialismo.
164 - ...Critica a visão de Schumpeter: Ausentes grandes inovações, os agentes se comportam como tomadores de preços em um ambiente com tecnologias dadas. A falta de discussões metodológicas sobre a natureza das simplificações teóricas leva o autor a crer em um estado estacionário real e que a tarefa dos administradores socialistas seja unicamente determinada pelos fundamentos (dados) da economia, segundo a descrição teórica desses fundamentos.
165 - ...Dada a antipatia de Schumpeter pelo socialismo, sua formação austríaca e sua própria teoria sobre a destruição criativa inerente à competição empresarial, deveríamos esperar que o autor se posicionasse contrário ao socialismo de mercado, moldado na teoria do equilíbrio estático.
166 - Cita várias "réplicas" de Bergson em relação aos argumentos de Hayek, entre elas esta: ...Para Bergson, o teste ótimo de desempenho administrativo seria o lucro obtido pela firma. Entretanto, como já discutimos, a maximização de lucros, se seguida pelas firmas, violaria as regras de custo que levam à eficiência naquelas ocasiões em que temos condições diferentes das de competição perfeita.
167 - Ou este: ..."Em terceiro lugar, Bergson (1948: 436) enfrenta o argumento de Hayek de que o esquema de Lange seria rígido porque não reajusta preços continuamente e trata produtos diferenciados de forma homogênea. Embora reconheça o problema do conhecimento disperso, inclusive citando o artigo de Hayek de 1945, novamente Bergson minimiza as dificuldades, acreditando que o CPB poderia construir um aparato elaborado para fixar preços, descentralizado geográfica e funcionalmente."
168 - Talvez sob o impacto do artigo de Hayek, Lange faz nessa carta uma surpreendente declaração, incompatível com os escritos anteriores e posteriores do autor sobre o tema. Afirma Lange que a sugestão da fixação de preços pelo CPB não seria uma solução prática, mas um ‘recurso metodológico’ para mostrar que se podem encontrar preços de equilíbrio por um processo de tentativas e erros sem fazer o uso de mercados reais. Lange esclarece que quando o número de agentes for grande, deve-se deixar que os preços sejam determinados pelos mercados e não seria necessária a socialização. Apenas em casos de competição imperfeita a fixação central de preços seria uma sugestão prática de uso do mecanismo descrito no artigo.
169 - Coloca que, em 1969, Lange escreve como que migrando para a "solução matemática" (curiosamente "seguindo o caminho inverso ao de Dickinson"): Se eu fosse reescrever meu ensaio hoje, minha tarefa seria muito mais simples. Minha resposta a Hayek e Robbins seria: então qual é o problema? Colocamos as equações simultâneas em um computador eletrônico e obtemos a solução em menos de um segundo. O processo de mercado, com seus canhestros tateamentos, parece superado. De fato, ele pode ser considerado como um mecanismo de computação da era pré-eletrônica. (Lange, 1969:158)
170 - Cita a década de 80 como a virada na batalha das interpretações, mas o que diz, a seguir, contrasta com a ideia que quis passar no início do capítulo. A mudança foi apenas no "crescimento da interpretação minoritária", digamos assim. ...Embora esta última ainda predomine até hoje nos livros-textos, os trabalhos acadêmicos a respeito do debate feitos a partir de então foram em grande parte revisionistas.
171 - Engraçado que os irmãos Polanyi divergem. O Michael crê que os socialistas abondonaram, (indevidamente segundo ele?,) a proposta original de planejamento consciente da produção e deram muito espaço ao mercado.
172 - Para Karen Vaughn, autora do ressurgimento dos austríacos nos anos 80, a questão vai mais longe que o debate com os socialistas: ...os austríacos divergiram do mainstream a respeito da relevância e aplicabilidade dos modelos de equilíbrio estático nos quais o conhecimento é considerado como dado, os agentes reagem mecanicamente a esses dados e os incentivos fornecidos pelas diferentes instituições não influem no comportamento desses agentes. Com a teoria econômica se limitando ao modelo teórico convencional, a tese de Mises parece ser de fato refutada por Barone e as objeções teóricas de Hayek soam como objeções práticas.
173 - ...O que estava "fora dos modelos" é que contava, para ela. A inovação empresarial etc. ...Além disso, para a autora (pág. 537), os economistas favoráveis ao socialismo tentaram refutar os argumentos de Mises, o que parecia fácil, e ignoraram as ‘questões mais difíceis’ levantadas por Hayek.
174 - Há quem vá na linha de preferir Mises e colocar que o "socialismo de mercado" não é resposta válida contra o mesmo. Base do argumento: A atividade empresarial consiste essencialmente em abrir, modificar, expandir ou fechar empresas com base em especulações particulares sobre o futuro incerto. Por isso, na teoria de Mises, especial importância é dada aos mercados financeiros. A presença de lucros, por outro lado, premia aqueles especuladores que melhor anteciparam as necessidades futuras dos consumidores. O processo seletivo dado pelos lucros ou perdas, para Murrell (1983:95), estaria no coração da teoria de Mises. (...) A não ser por alguns breves comentários de Lerner sobre expectativas, não existe no socialismo de mercado ação especulativa, voltada para o futuro. No modelo de Lange, os agentes são tomadores de preços e não se fala em expectativas.
175 - Resumo da crítica de Lavoie: A rivalidade entre competidores seria responsável, para Lavoie (págs. 26 e 102), pela própria criação do conhecimento a respeito das funções de produção, o que inviabilizaria a solução do modelo de Lange. (Por essa aí, não existiria função de produção nem em Robinson Crusoé...)
176 - Para Lavoie e M. Polanyi, na esteira de Hayek, não é possível obter dados que se baseiam numa incomunicável habilidade empresarial. (essa conversa me parece confundir repartição de lucros/mais-valia com a criação deles).
177 - Alguns socialistas sequer concordam que existiria complexidade no problema alocativo fora do sistema de produção de mercadorias. O socialismo de mercado rejeita então a postura clássica dos defensores do planejamento, mas se limita à descrição de um equilíbrio sem se preocupar com os outros fatores presentes nos mercados reais que possam desempenhar um papel significativo na alocação de recursos.
178 - Hayek criticando Dickinson quando este apelava para a solução matemática: A distinção de Hayek entre conhecimento teórico do economista e conhecimento prático do agente deveria alertar Dickinson de que, para que tenhamos uma explicação, é legítimo o uso de abstrações que estilizam os dados sobre preferência, recursos e tecnologias. No mundo real, contudo, essas entidades simplificadoras se dissolvem em uma variedade enorme de detalhes, refletidos no conhecimento disperso entre todos os agentes sobre cada situação local. Tudo isso desaparece, por exemplo, quando se interpreta muito literalmente a noção de função de produção como uma relação constante e pouco mutável entre produtos homogêneos e insumos genéricos
179 - Crítica de Barbieri a Lange: Para Lange, a economia requer poucas adaptações, os produtos são homogêneos, as alternativas produtivas conhecidas pelos agentes, as expectativas não desempenham função alguma e o papel dos administradores se limita a reagir mecanicamente a preços dados. De fato, como vimos, este último autor acredita que os agentes nos mercados atuam da mesma forma que descreve a teoria da competição perfeita.
180 - Durbin era ainda mais descentralizador que Lange: Nesta última, a fixação centralizada de preços é abandonada em favor da fixação realizada pelos administradores dos monopólios nacionalizados, ainda que a fixação obedeça a regras impostas sobre custos. São mercados reais e não simulados.
181 - O argumento de ordem mais epistemológica: O desenvolvimento do conhecimento por meio de ‘conjecturas e refutações’, como descreve Popper, é apenas uma variante do mecanismo geral de seleção por tentativas e erros que encontramos tanto na biologia de Darwin, na filosofia da ciência de Popper ou na teoria da competição de Hayek.
182 - Barbieri discorda parcialmente da "solução de Lavoie" (que eu também "não curti" assim que li, mesmo sendo interessante o exemplo da bicicleta que o outro lá deu): Por um lado, considerar que o conhecimento disperso seja tácito e inarticulável permite que se critique o tipo de planejamento que pressupõe o conhecimento dos dados objetivos do problema e que reduz o problema à capacidade de processamento desses dados. Por outro, restringe-se sobremodo o que se pode dizer a respeito do processo de aprendizado dos agentes, de como o conhecimento subjetivo se aproxima ou não da realidade externa.
183 - Fransman (1987) coloca a distinção de forma clara no que chama de ‘paradoxo da IBM’: se o que diferencia as firmas são conjuntos de informação, pode-se perguntar como a IBM – processadora de informação por excelência – pôde cometer tamanho erro na década de sessenta ao privilegiar os mercados de mainframes em detrimento dos mercados de microcomputadores, enquanto pequenos empresários, sem a mesma capacidade de processamento de informação, tomaram a decisão empresarial correta? A resposta do autor coincide com a nossa: mais importante que ‘informação’ é o conjunto de crenças (o conhecimento) que gera hipóteses diferentes sobre a realidade. (Mas o que impede o socialismo de mercado de testar até mais hipóteses que o atual capitalismo? É proibido um setor "contracorrente"?)
184 - Quanto se reconhece que o conhecimento é falível, a diversidade é bem vinda. Porém, quando se pressupõe que os agentes já conheçam a realidade, como faz a teoria neoclássica, a diversidade passa a representar uma ineficiência: a diversificação nas características dos produtos é vista não como uma tentativa de descobrir as preferências dos consumidores, mas como uma tentativa de gerar poder de monopólio.
185 - Lavoie coloca como se nenhum empresário fosse realmente um tomador de preço. Está sempre tentando ter um papel ativo em relação aos mesmos. A concorrência leva à seleção.
186 - O MITI (Ministério...) japonês, ao qual freqüentemente se associa o sucesso econômico do Japão, acreditava na década de sessenta que o país não comportaria mais do que uma única fábrica de automóveis, que não se deveria investir em softwares e inicialmente negou à Sony o licenciamento da tecnologia americana de transistors porque acreditava que tal tecnologia não tinha futuro (Henderson, 1993:744). Tivesse o MITI autoridade de fato para planejar o investimento, o processo de descoberta do mercado teria sido barrado e o progresso tecnológico seria provavelmente menor. (Ok, mas o ponto não é que todos os planos darão certo)
187 - A falibilidade do conhecimento e a presença das mudanças no ambiente econômico requerem que o processo de correção de erros seja contínuo. O mercado não chega a um estado estacionário de equilíbrio ótimo. Gera adaptação, mas não esgota as possibilidades de troca.
188 - Ao final do capítulo, traz um debate epistemológico interno, caro aos austríacos: ...a solução popperiana que sugerimos, compatível com as idéias de Hayek, se choca diretamente com as crenças metodológicas de Mises, crenças estas defendidas até hoje por um grupo de economistas austríacos. (...) Os agentes econômicos erram e a teoria econômica deveria justamente investigar como a alocação econômica dos recursos depende de um processo de correção desses erros. O programa de pesquisa proposto por Hayek – a formulação de teorias sobre aprendizado – rouba então da economia a pretensão de estabelecer a validade de seus resultados apenas a partir do exame das implicações lógicas do conceito de ação humana proposital, como quer a metodologia misesiana.
189 - O chamado "subjetivismo radical": Os defensores do apriorismo misesiano irão então desferir um ataque simultâneo ao programa de pesquisa hayekiano, em duas frentes: Selgin (1990), sob um ponto de vista estritamente subjetivista, irá criticar as idéias de Lachmann e Kirzner derivadas do problema do conhecimento de Hayek e Salerno (1990, 1993) procurará dissociar as idéias de Mises das de Hayek, rejeitando as contribuições do segundo. É uma "confusão": Esse ataque deu origem ao debate interno a respeito das contribuições de Mises e Hayek à controvérsia do cálculo. Yeager (1994, 1996, 1997) e Kirzner (1976) defendem a relevância das objeções de Hayek ao socialismo, enquanto Salerno (1994, 1996), Rothbard (1991), Hoppe (1996) e Herbener (1996) defendem a tese de que o problema do cálculo de Mises seria diferente do problema do conhecimento de Hayek, sendo este último um desvio do argumento relevante...
190 - Barbieri defende Hayek no embate: Em Hayek, o subjetivismo e o realismo convivem e são representados respectivamente pelas conjecturas empresariais e pelo mecanismo impessoal de seleção por lucros e perdas.
191 - Para Selgin, a imaginação das vias alternativas de ação define a oportunidade de lucros. Não existiriam, como quer Kirzner, oportunidades de lucros objetivas, não percebidas, passíveis de serem descobertas.
192 - (Li o resumo da polêmica nas páginas seguintes. Curioso como nem eles se entendem direito)
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