Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista - Capítulos 1, 2 (Parte "A")...
Livro: Fábio Barbieri - História do Debate do Cálculo Econômico Socialista
Prefácio
- Prefácio de 2013. Posiciona-se, desde já, claramente a favor do "Mises irrefutável", mas pretende contar a história da polêmica. "...Nada mais oportuno então do que a publicação como livro da minha tese de doutorado, que trata da história do debate do cálculo econômico socialista."
Pgs. 13-28:
"CAPÍTULO 1: "Introdução: A História de um Debate Centenário"
1 - Para Mises, não há como alocar de forma eficiente recursos escassos no socialismo em razão da falta de comparação nas combinações de fatores e insumos. Não há o sinal dos preços, por falta de mercado. Como calcular o custo-benefício das infinitas opções de produção? Seria o caos. É o chamado problema do cálculo econômico.
2 - Chegando a Lange: O conjunto de propostas de socialismo mais significativo foi formulado não por autores marxistas, mas sim por economistas neoclássicos, cujo programa de pesquisa reconhecia a importância do problema. (...) Na versão final do modelo de Lange, as firmas estatais seriam instruídas a minimizar os custos médios e igualar os custos marginais aos preços enunciados centralmente. O planejador estabeleceria os preços que, por tentativas e erros, seriam alterados de forma a igualar oferta e demanda.
3 - Lança umas interpretações polêmicas sobre o socialismo como se fossem "caso resolvido": Para essa tradição, não apenas os mercados, mas também os conceitos de valor, preço ou lucro desapareceriam no socialismo.
4 - No debate, Flauerbaey (1993) propõe como solução uma sociedade com firmas administradas pelos trabalhadores, mas que competem em mercados. Além da rejeição marxista dessa proposta, o próprio Mises (1981) classificou uma proposta semelhante não como socialista, mas sim ‘sindicalista’.
5 - Mises, assim como a maioria dos participantes do debate até a década de quarenta, definia o socialismo através da predominância da propriedade pública dos fatores produtivos. Isso pode ser visto em sua definição, feita em 1922: “Todos os meios de produção estão sob o controle exclusive da comunidade organizada. Isso e isso apenas é socialismo. Todas outras definições são enganadoras” (Mises, 1981:211). Roemer propunha isso mais a distribuição igualitária dos lucros.
6 - Faz uma ponderação realmente salutar sobre o que afinal é "fato" nesse debate todo. Robbins, por outro lado, disputa a tese de que a URSS alocava recursos de forma adequada, sem enormes desperdícios de recursos. A experiência dos primeiros anos da revolução bolchevique, por sua vez, foi utilizada por Brutzkus (1935) como prova da tese da impossibilidade: a abolição do sistema de preços teria causado o caos econômico. Esse fracasso é por sua vez atribuído por Nove e outros aos distúrbios causados pela Primeira Guerra Mundial.
7 - Planos quinquenais provam que planejamento funciona ou não? Nem isso é consenso: Michael Polanyi (2003:210), por outro lado, acredita que os planos anuais não envolviam planejamento em absoluto. Para ele, na realidade, o suposto plano seria um resumo sem significação de planos agregados travestidos de plano único (pág. 112). Seria como se no xadrez um chefe de equipe afirmasse: nosso plano é avançar 45 peões em uma casa, 20 bispos 3 casas na media, 15 torres 5 casas, e assim por diante, sem referência às posições do tabuleiro.
8 - Os processos de reforma na Iugoslávia e Hungria a partir da década de sessenta, por sua vez, foram ora vistos como um exemplo real dos modelos propostos no debate, que misturavam mercados com propriedade pública (Bergson, Drenowski), ora vistos apenas como um dos primeiros passos para o abandono do socialismo (Kornai).
9 - Drenovski (1961:342), com base nessa distinção, critica o irrealismo do modelo de ‘socialismo de mercado’ de Lange na medida em que este não lembra em absoluto o socialismo real. A teoria econômica do socialismo deveria ser então mais positiva, relacionada à economia soviética e menos normativa, como nos trabalhos de Lange, Lerner e demais ‘socialistas de mercado’. Barbieri discorda que o debate tenha que se limitar ao "socialismo real". A ciência também investiga consequências de meras hipóteses, como choque de asteroide ou qualquer possível novo sistema.
10 - Hayek, Popper e epistemologia: Podemos ilustrar a idéia do autor com um exemplo: embora a meteorologia não possa afirmar que amanhã ao meio-dia formar-se-á uma nuvem na forma de coelho, pode prever que sob tais e tais condições formar-se-ão cumulus nimbus, que apresentam uma série de características específicas. Hayek ilustra ainda o ponto com a teoria da evolução: embora esta não seja capaz de prever que conjunto de animais evoluirá em certa data futura, a teoria não é destituída de conteúdo empírico, pois existem certas previsões como por exemplo ‘o corte de um membro em sucessivas gerações de uma espécie não resultará no nascimento de indivíduos sem tal membro’. Hayek conclui então que se deve buscar refutar as teorias, como quer Popper; no entanto, o aumento da complexidade do fenômeno reduz forçosamente o grau de falseabilidade das teorias.
11 - Complexidade: Hayek (e também Michael Polanyi) denomina essas estruturas de ‘ordens espontâneas’. Embora nem todas as ordens espontâneas sejam complexas (Hayek, 1982:38), para que se obtenha um alto grau de complexidade é necessário transcender a capacidade cognitiva de um indivíduo ou grupo que tente planejar a estrutura em seus detalhes.
12 - Nesse sentido, Barbieri critica a metodologia neoclássica: A resposta a Mises, entretanto, baseou-se na teoria neoclássica. Inspirada que é na mecânica e não na teoria da evolução, esta teoria trata os fenômenos complexos do mercado como fenômenos simples. Um produto simplório como, digamos, uma laranja, apresenta uma quantidade enorme de dimensões competitivas, como tipos, tamanhos, frescor, localização geográfica, serviços que acompanham o produto, entre outras características, características essas que levariam anos apenas para que fossem listadas. (...) Os defensores da teoria reagem a esse tipo de crítica lembrando que toda teoria é uma simplificação e que o mapa mais realista (e inútil) é aquele com escala 1:1. Os austríacos "treplicam" que essas simplificações só servem para problemas de natureza pouco complexa, não para o funcionamento geral de uma economia. Segundo os mesmos, não dá para conhecer muita coisa. Exemplo: ...A imposição de um imposto de Pigou, por sua vez, além de desconsiderar o problema discutido acima, tem que pressupor para o seu cálculo que os custos, as funções de produção e as demandas sejam não só estáveis como também conhecidas, em flagrante oposição à realidade.
13 - O resumo da crítica austríaca aos modelos neoclássicos: a teoria é útil para descrever, em um plano altamente idealizado, o tipo de ajuste necessário para o funcionamento dos mercados, mas não para construir um sistema alocativo, como ao cristal da ilustração de Hayek mencionado anteriormente.
14 - (Enfim, uma surpreendente razoável introdução para um autor "austríaco", apesar de minhas críticas).
Pgs. 29-xx:
"CAPÍTULO 2: "A Pré-História do Debate"
15 - Hicks: ...Mas enquanto os clássicos olhavam para o sistema econômico primariamente pelo ângulo da produção, os catalaticistas o olhavam sob o ângulo da troca.
16 - O contraste entre as duas visões pode ser encontrado em autores ‘cataláticos’ já no período clássico. Say (1983:275), por exemplo, ao criticar Ricardo, afirma que a demanda final por diversos produtos influi sobre o valor de um deles em particular, na medida em que altera o valor dos serviços produtivos e, portanto, o custo de produção. Por outro lado, Marshall, no período neoclássico, recupera a teoria ricardiana do valor no longo prazo.
17 - Utilidade marginal e coeficientes técnicos: A escolha da proporção e quantidade de fatores, e portanto o custo de produção, depende de como varia ao longo do tempo a utilidade marginal desses fatores na produção de outros bens. Trata-se assim de uma escolha econômica, não uma escolha técnica. Comparam-se empregos alternativos de recursos escassos.
18 - Não só a propriedade privada é abolida, mas também os mercados e a moeda são vistos como próprios do capitalismo e, portanto, dispensáveis no socialismo. (Como sempre, ele tenta delimitar o objeto de estudo, mas "a real" é que já vi inúmeros socialistas propondo algo que conservasse moeda e/ou mercado, por exemplo). Sem mercadorias, termos como ‘valor’ perdem seu significado. (Pois é, alguns socialistas discordam dessa conclusão. Se ele for ler JB e Rubin, vai entrar em parafuso com tanta interpretação que existe sobre tudo isso aí).
19 - Lembra que a crítica ao programa de Gotha traz certo esquema: Dada a quantidade de trabalho realizada por cada pessoa, deduz-se o necessário para investimento e manutenção do capital, além de deduções para financiar escolas, hospitais e atendimento aos incapacitados. Efetuados os descontos, emite-se um vale que pode ser trocado nos centros de distribuição por bens que representam quantidade de trabalho equivalente. Marx salienta que esses vales não são moeda, pois não circulam em mercados. (...) Para que o esquema seja implementado, deve-se levar em conta a ‘duração e a intensidade’ do trabalho de forma a se obter uma medida padrão da quantidade de trabalho (pág. 9). Já na segunda fase do comunismo, com o esperado aumento da produtividade, dissociam-se o consumo e a contribuição de cada membro da sociedade.
20 - Coloca que a ideia de planejamento central vem mais com Lênin mesmo, em "Estado e revolução".
21 - "Nessa medida, portanto, uma forma de Estado é ainda necessária, que, ainda mantendo a propriedade pública dos meios de produção, preserva a igualdade do trabalho e equidade na distribuição dos produtos. (Lenin, 1920:99)"
22 - Em um sistema produtivo ‘anárquico’, os empresários têm a função de imaginar como atender as necessidades dos consumidores e estimar as condições futuras da demanda e produção. Essa função é desconsiderada na análise marxista da produção capitalista, como ilustra a seguinte passagem de Engels: "Todas as funções sociais do capitalista são agora realizadas por funcionários assalariados. O capitalista não tem função social alguma além de embolsar dividendos, rasgar cupons e jogar na Bolsa de Valores, na qual diferentes capitalistas destituem uns aos outros de seu capital". (Engels, 1914: 122)
23 - Kautsky: Moeda e preços não seriam abolidos. Para ele, “a criação de uma organização socialista não é um processo tão simples como pensávamos”.
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