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Livro: Karl Marx - O Capital, Livro III - Capítulo 38
Pgs. 769-778:
CAPÍTULO 38: "A renda diferencial: considerações gerais"
491 - Em nosso exame da renda fundiária, partiremos do pressuposto de que os produtos que pagam tal renda – nos quais parte do mais-valor e, por conseguinte, também parte do preço total, se resolvem em renda (para nosso propósito, bastará considerar os produtos agrícolas ou os produtos da mineração) –, ou seja, que os produtos do solo ou da mineração, como todas as demais mercadorias, são vendidos ao preço de produção.
492 - ...Grosso modo, é preço de custo médio (dado pelo trabalho socialmente necessário) mais taxa de lucro média. Como tudo isso é "médio", cada empresa terá sua variação nessas coisas aí e poderá se apropriar de uma quantidade diferente de lucro e mesmo mais-valor. O preço de produção tenderá a ser, assim, o preço médio, retiradas as oscilações no tempo gerada pelos jogos incessantes de demanda e oferta (que podem ser bem longos, creio). Algumas, com preço de custo mais baixo que o médio, venderão a "preço de produção" e terão lucro extra.
493 - Marx chama isso de "lucro extra normal": Todo lucro extra normal, isto é, não produzido por vendas fortuitas nem por flutuações no preço de mercado, está determinado pela diferença entre o preço de produção individual das mercadorias desse capital particular e o preço geral de produção que regula o preço de mercado das mercadorias do capital empregado nessa esfera da produção em geral ou o preço de mercado das mercadorias do capital total investido nessa esfera da produção.
494 - Possíveis fontes desse lucro extra normal: Eles provêm do fato de que há massas excepcionalmente grandes concentradas numa só mão – circunstância que desaparece quando se empregam, em média, massas de capital de mesma grandeza – ou de que um capital de determinada grandeza funciona de maneira especialmente produtiva – circunstância que desaparece quando o método de produção excepcional se generaliza ou é superado por outro ainda mais desenvolvido.
495 - O lucro extra de um fabricante que pode se utilizar ou monopolizar um recurso natural significativo também é algo possível: Ele provém da maior força produtiva natural espontânea do trabalho, vinculada à utilização de uma força natural, que não se encontra à disposição de todo capital na mesma esfera da produção – como por exemplo, a elasticidade do vapor – e cuja utilização, portanto, não é uma coisa óbvia a partir do momento em que o capital é investido nessa esfera. Provém, ao contrário, de uma força natural monopolizável, que, como a queda-d’água, só se encontra à mercê daqueles que dispõem de determinadas porções do globo terrestre e seus apêndices.
496 - O caso do monopólio: Suponhamos agora que as quedas-d’água, assim como o solo a que pertencem, se encontrem nas mãos de sujeitos considerados donos dessas partes do planeta e que decidam excluir o investimento do capital na queda-d’água e seu uso pelo capital. Eles podem autorizar ou negar a utilização. Mas o capital não pode criar a queda-d’água por si só. O lucro extra que se obtém ao utilizar a queda-d’água não emana, assim, do capital, mas do emprego de uma força natural monopolizável e monopolizada.
497 - ...Sob essas circunstâncias, o lucro extra se converte em renda fundiária, quer dizer, é embolsado pelo proprietário da queda-d’água.
498 - Quando o excedente tem tal derivação, ele é renda da terra, trata-se de monopolizar parte de um recurso. A renda não deriva "de seu capital como tal", mas "no fato de dispor de uma força natural limitada, separada de seu capital e passível de ser monopolizada".
499 - O próprio Marx, ao comparar essas coisas, fala em "produtividade relativa de determinados capitais individuais investidos numa esfera da produção". Aí um marxista, às vezes, reclama porque se usa um termo como "produtividade do capital". Claro que isso não quer dizer que o capital se valoriza, de fato, independentemente do que ocorre no mundo real (o do trabalho).
500 - Um recurso natural, mesmo útil, não necessariamente irá ajudar a gerar valor: Por exemplo, se a utilização do vapor, apesar de o carvão ter valor e a energia hidráulica não, garantisse vantagens superiores, que ficariam excluídas no uso da energia hidráulica e mais que as compensassem, a energia hidráulica não seria empregada e não poderia gerar nenhum lucro extra e, portanto, nenhuma renda. (...) a força natural não é a fonte do lucro extra, mas apenas uma base natural dele uma vez que é a base natural da força produtiva excepcionalmente elevada do trabalho.
501 - Valor-de-uso suporte do valor-de-troca: o valor de uso em geral é o suporte do valor de troca, mas não sua causa. Se pudesse ser criado sem trabalho, o valor de uso não teria valor de troca, mas conservaria sua utilidade natural como valor de uso. (...) Por outro lado, uma coisa não tem valor de troca sem valor de uso, ou seja, sem esse suporte natural do trabalho.
502 - Recurso natural e propriedade (esta apenas define quem fica com o lucro extra): Esse lucro extra existiria ainda que não houvesse propriedade fundiária nenhuma; ainda que, por exemplo, a terra à qual pertence a queda-d’água fosse utilizada pelo fabricante como terra sem dono. Portanto, a propriedade da terra não cria a parcela de valor que se transforma em lucro extra, apenas capacita o proprietário fundiário, o proprietário da queda-d’água, a transferir esse lucro extra do bolso do fabricante para seu próprio bolso. Ela é a causa não da criação desse lucro extra, mas de sua conversão à forma da renda fundiária e, assim, da apropriação dessa parte do lucro ou do preço da mercadoria pelo proprietário fundiário ou proprietário da queda-d’água.
503 - Pergunto-me se algumas observações de Marx não acabam por se tornar muito conceituais ou terminológicas. Chega-se a dizer que a terra não tem sequer preço, já que, o que se vende é o potencial de capitalizar renda: A queda-d’água, como a terra em geral ou como qualquer força natural, não tem valor, porque não representa um trabalho nela objetivado; por conseguinte, tampouco tem um preço, o qual normaliter [normalmente] não é senão o valor expresso em dinheiro. Onde não há valor, tampouco se pode eo ipso [precisamente por isso] representar qualquer coisa em dinheiro. Esse preço não é outra coisa senão renda capitalizada. A propriedade da terra capacita o proprietário a apoderar-se da diferença entre o lucro individual e o lucro médio; o lucro assim embolsado, que se renova anualmente, pode ser capitalizado e aparece, então, como preço da própria força natural.
504 - O resumo do mecanismo: Se o lucro extra que a utilização da queda-d’água rende ao fabricante é de £10 por ano e os juros médios são de 5%, essas £10 representam anualmente os juros de um capital de £200; e essa capitalização das £10 anuais que o proprietário pode extrair do fabricante graças à queda-d’água aparece, então, como valor-capital da própria queda-d’água. Que esta última não tenha valor nenhum em si mesma, mas que seu preço seja um simples reflexo do lucro extra embolsado, calculado de maneira capitalista, é algo que se manifesta de imediato no fato de que o preço de £200 representa apenas o produto do lucro extra de £10 durante 20 anos, enquanto, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, a mesma queda-d’água capacitará seu proprietário a embolsar anualmente essas £10 por um período indeterminado, por 30, 100, x anos, e que, por outro lado, se um novo método de produção não aplicável à energia hidráulica reduzisse de £100 para £90 o preço de custo das mercadorias produzidas pela máquina a vapor, desapareceria o lucro extra e, com ele, a renda e também o preço da queda-d’água.
505 - Enfim, é isso tudo aí que é a tal da renda diferencial.
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