Livro: Karl Marx - O Capital, Livro III - Capítulo 23
Livro: Karl Marx - O Capital, Livro III - Capítulo 23
Pgs. 461-484:
CAPÍTULO 23: "Juros e lucro do empresário"
294 - Marx observa que há uma diferença não só quantitativa, mas também qualitativa, entre os juros e o lucro "que sobra". O primeiro vem da mera "inatividade/propriedade" do capital. Tudo que sobejar será "ganho empresarial". A astúcia do capitalista produtivo pode fazer com que a parcela desse "lucro excedente" seja bem alta. Em outras palavras: Essa separação qualitativa entre as duas partes do lucro bruto, que faz com que os juros sejam fruto do capital em si mesmo, da propriedade do capital, sem levar em conta o processo de produção, e o ganho empresarial seja fruto do capital atuante, do capital que atua dentro do processo de produção e, portanto, do papel ativo que o aplicador do capital desempenha no processo de reprodução – essa separação qualitativa não constitui de modo nenhum um entendimento puramente subjetivo do capitalista monetário, de um lado, e do capitalista industrial, de outro. (Até porque, mesmo que o capitalista produtivo consuma o empréstimo sem produzir qualquer coisa, terá que pagar esses juros e o principal. Essa parcela não quer saber se e como haverá produção. É independente disso).
295 - Marx coloca, ainda, que mesmo o capitalista que trabalha com o capital próprio leva essa divisão em conta. Pelo que estou entendendo, está implícita nessas considerações a noção de custo-oportunidade. Afinal, quem possui capital pode ganhar dinheiro simplesmente emprestando. Se o cara está "empreendendo" com capital próprio e recebendo apenas a taxa de juros como retorno, antes não fazer nada mesmo. Só empresta e vai pra Maldivas. Enfim... Resume Marx: Para essa divisão, como divisão qualitativa, é indiferente se o capitalista tem realmente de repartir seu lucro bruto com outro ou não. O empregador do capital, ainda que trabalhe com capital próprio, desdobra-se em dois personagens: o simples proprietário do capital e o empregador do capital. Seu próprio capital, com relação aos tipos de lucro que ele gera, decompõe-se em propriedade do capital, capital fora do processo de produção, que rende juros por si só, e capital dentro do processo de produção, que, como capital em ação, gera o ganho empresarial.
296 - Considerados qualitativamente, os juros são o mais-valor gerado pela mera propriedade do capital. (...) Em ambos os casos, a parte do lucro bruto que se distingue dos juros aparece para ele como ganho empresarial, e os próprios juros aparecem como um mais-valor que o capital gera por si só e que, por conseguinte, ele geraria ainda que não fosse investido produtivamente.
297 - "...a taxa de juros – apesar de sua dependência em relação à taxa geral de lucro – é determinada de maneira independente...".
298 - Um ponto é meio que óbvio, mas deve ser reforçado. Uma coisa é certa sombra da outra. O lucro do capital monetário não tem como existir sozinho. "A ideia de converter o capital total da sociedade em capital monetário, sem que existam pessoas que comprem e valorizem os meios de produção – sob cuja forma se encontra a totalidade do capital, com exceção de uma porção relativamente pequena existente em dinheiro –, é evidentemente absurda". (...) Se um número desproporcionalmente grande de capitalistas resolvesse converter seu capital em capital monetário, a consequência disso seria uma enorme desvalorização do capital monetário e uma enorme queda da taxa de juros; muitos se veriam imediatamente na impossibilidade de viver de seus juros e, portanto, forçados a reconverter-se em capitalistas industriais.
299 - É porque uma parte do lucro se converte em juros que a outra parte aparece como ganho empresarial.
300 - O capitalista que "trabalha" (e há uma razão para essa ideia estar "necessariamente" na cabeça dele): Em oposição aos juros, o ganho empresarial se apresenta para o capitalista como independente da propriedade do capital e, mais ainda, como resultado de suas funções de não proprietário, como... trabalhador. (...) representa, antes, seu próprio salário, um salário de supervisão do trabalho, wages of superintendance of labour; um salário maior que o do assalariado comum, 1) por ser um trabalho mais complexo e 2) porque ele mesmo paga seu próprio salário.
301 - Não esquecer: o capitalista monetário, representado pelo capitalista ativo, participa da exploração do trabalho. (...) o lucro é produzido antes que nele se opere essa divisão e antes que se possa falar dela.
302 - Força de trabalho: "Também pode ocorrer que alguém a compre e não a coloque para trabalhar produtivamente; por exemplo, empregando-a para fins puramente pessoais, para o serviço doméstico etc."
303 - Trata do trabalho de supervisão e gerência do trabalho. Chega a dizer até que é produtivo, já que tão necessário quanto o de um maestro. (Engraçado que um serviço doméstico também é necessário. Entretanto...). Por outro lado – abstraindo de todo departamento comercial –, esse trabalho de supervisão necessariamente surge nos modos de produção que repousam sobre o antagonismo entre o trabalhador como produtor direto e o proprietário dos meios de produção. Quanto maior é esse antagonismo, maior é o papel desempenhado pela supervisão. Por isso, ela atinge seu auge no sistema escravista.
304 - Marx coloca que os proprietários de escravos diziam que o trabalho não-pago do qual se apropriavam eram o "salário do proprietário", a devida recompensa pelo trabalho de supervisão e organização da massa de trabalhadores.
305 - ...Nesse âmbito, ninguém conseguiu superar um defensor da escravidão nos Estados Unidos, o advogado O’Connor, que num comício em Nova York, no dia 19 de dezembro de 1859, disse, sob a bandeira: “Justiça para o Sul!”: "“Now, gentlemen” [“Ora, cavalheiros”], dizia, entre grandes aplausos. “A essa condição de servidão o negro está destinado por natureza [...]. Ele é forte e vigoroso para o trabalho, mas a natureza que lhe deu esse vigor privou-o ao mesmo tempo tanto da inteligência para governar quanto da vontade de trabalhar.” (Aplauso.) “Ambas lhe foram negadas. E a mesma natureza que o privou da vontade de trabalhar deu a ele um senhor, encarregado de coagi-lo e fazer dele – no clima ao qual ele estava adaptado – um servidor útil tanto para si mesmo como para o senhor que o governa [...]. Afirmo que não constitui injustiça nenhuma deixar o negro na condição em que a natureza o colocou e dar a ele um senhor que o governe [...], tampouco significa privá-lo de quaisquer de seus direitos se o obrigamos a trabalhar em retribuição, a pagar a seu senhor uma justa compensação pelo trabalho e pelo talento que este empregou em governá-lo e torná-lo útil para si mesmo e para a sociedade.”"
306 - Comparado ao capitalista monetário, o capitalista industrial é um trabalhador, mas um trabalhador no sentido de capitalista, isto é, um explorador do trabalho alheio.
307 - Empresas capitalistas por ações: A separação entre o salário de administração e o ganho empresarial, que nos demais casos aparece como algo fortuito, é aqui constante.
308 - Na fábrica cooperativa desaparece o caráter antagônico do trabalho de supervisão, uma vez que o diretor da fábrica é pago pelos trabalhadores, em vez de representar o capital perante eles.
309 - A evolução das coisas: ...o simples diretor de uma empresa, que não possui o capital sob título nenhum, nem como empréstimo nem sob qualquer outra forma, desempenha todas as funções reais que correspondem ao capitalista ativo como tal, quem permanece no processo de produção é apenas o funcionário; o capitalista desaparece como personagem supérfluo.
310 - Em suma: Com o desenvolvimento da cooperação da parte dos trabalhadores, das empresas por ações da parte da burguesia, desapareceu o último pretexto para a confusão do lucro do empresário com o salário de administração, e o lucro revelou ser também na prática aquilo que ele já era indiscutivelmente na teoria: simples mais-valor, valor pelo qual não se paga equivalente nenhum, trabalho realizado e não pago; de maneira que o capitalista atuante explora realmente o trabalho e, quando opera com capital emprestado, divide o fruto de sua exploração em juros e lucro do empresário, que é o excedente do lucro sobre os juros.
311 - Afirma, ao que entendi, que muitos cargos eram mais figurativos que qualquer outra coisa: "Os debates perante o tribunal de falências mostram que esse salário de supervisão costuma ser inversamente proporcional à supervisão realmente realizada por esses diretores nominais."
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