Livro: Karl Marx - O Capital, Livro II - Prefácios e Introduções
Livro: Karl Marx - O Capital, Livro II
Pgs. 1-104:
PREFÁCIO – O LIVRO II DE O CAPITAL
1 - O prefácio ao Livro II (Leio aqui a edição da Boitempo) é de Michael Heinrich. Sobre Marx, diz: Já no capítulo 4 do Livro I ele dizia: “o capital não pode ter origem na circulação, tampouco pode não ter origem na circulação. Ele tem de ter origem nela e, ao mesmo tempo, não ter origem nela”[1].
2 - O Livro III representa a parte mais antiga de O capital, enquanto o Livro II compreende os manuscritos mais recentes, escritos entre dez e quinze anos mais tarde. As ideias desenvolvidas no Livro II não foram incorporadas no Livro III. (...) Não só as pesquisas de Marx sobre temas do Livro III continuaram a avançar após 1865 – do que são testemunho os cadernos de excertos não publicados, além dos manuscritos sobre temas do Livro III, publicados na MEGA II/4.3 e na MEGA II/14 –, mas também as ideias desenvolvidas nos manuscritos posteriores para o Livro II tiveram grandes consequências para a elaboração do Livro III, consequências essas que, aqui, podem ser somente indicadas.
INTRODUÇÃO DA EDIÇÃO ALEMÃ
3 - Esta introdução é de autoria conjunta dos editores do volume MEGA-2 II/13: Izumi Omura, Keizo Hayasaka, Rolf Hecker, Sejiro Kubo, Akira Miyakawa, Kenji Mori, Sadao Ohno, Regina Roth, Shinya Shibata e Ryojiro Yatuyanagi.
4 - Engels sobre seu trabalho de editor: "reproduzir os manuscritos o mais literalmente possível, modificando o estilo apenas nos casos em que o próprio Marx o teria feito, e inserindo sentenças explicativas ou de transição quando absolutamente necessário e, além disso, quando o sentido era perfeitamente indubitável. Frases cuja interpretação deixavam margem a alguma dúvida, mesmo que a mais remota, foram preferencialmente reproduzidas ao pé da letra. As reformulações e inserções realizadas por mim não chegam a dez páginas impressas e são de natureza puramente formal. (p. 79-80)".
5 - ...Porém, quando se compara a versão final de Engels com os manuscritos de Marx, percebe-se uma série de diferenças[6]. Além de modificações estilísticas e traduções de inúmeras passagens citadas por Marx no original inglês e francês, encontram-se várias supressões e acréscimos. Significativas são diversas modificações dos termos técnicos empregados por Marx[7].
6 - No que diz respeito ao trabalho de redação de Engels, trata-se principalmente da questão de como ele acolheu as diversas revisões que Marx realizara no texto e de suas decisões diante de duas ou mais versões disponíveis. Especialmente interessantes são os casos em que Engels deixa conscientemente de cumprir a sua regra de utilizar sempre a última versão do manuscrito de Marx. Isso vale sobretudo para a seção I e os primeiros capítulos da seção II (ver p. 81).
7 - Toda a polêmica sobre conceito de circulação que se apresenta nessa introdução na verdade é bem chata. Não captei exatamente o aspecto concreto do(s) debate(s). Algumas partes me lembraram o fabuloso gerador de lero-lero. Enfim, talvez funcionasse bem como posfácio esse texto, não como "introdução". Boa parte são informações soltas do tipo "O capítulo 3, “O ciclo do capital-mercadoria”, provém principalmente do manuscrito V". Primeiro que vou esquecer isso em dois segundos. Segundo que não se apresenta qualquer questão social concreta que isso muda. Se é mera curiosidade de como Engels organizou os escritos de Marx, podia ter ficado em algum lugar menos importante que uma introdução, tipo um apêndice opcional, sei lá.
8 - E mesmo partes que poderiam ter, talvez, alguma consequência concreta são amplamente mal explicadas (o "e daí" da coisa): "...Resultam daí, no entanto, problemas relativos à síntese dos temas discutidos, bem como ao peso conferido a cada um deles. Isso vale sobretudo para o segundo item, já que Engels, em sua construção, não apenas o subdividiu em sete capítulos como também elevou ao nível de capítulos os pontos que Marx referira como subitens."
9 - "...Sua reflexão conduziu ao fato de que a parte do capital adiantado com a qual se compram os meios de trabalho tem de ser chamada de capital fixo, porquanto nessa parte do capital a transferência de valor e, por conseguinte, a reposição de valor ocorrem de modo fracionado e gradual. A parte do capital que se faz necessária para adquirir matérias-primas e forças de trabalho é chamada de capital circulante (ou fluida), já que nessa parte do capital a transferência de valor e, portanto, a reposição de valor ocorrem de uma vez só."
10 - Faz toda uma discussão dos possíveis erros de Marx e Engels nas tabelas dos tipos de rotação. Assim sem conhecer o livro, fica uma discussão meio vazia, visto que não está claro, para mim, sequer a importância delas.
11 - Apesar de tudo, algumas partes são interessantes por mostrar a trabalheira que foi para deixar tudo um todo coerente (ou quase isso): ...Assim, Engels não podia tomar como base a última versão disponível, porque nela esses pontos centrais não haviam sido tratados. Essa é a razão pela qual decide tomar o manuscrito II como norte e se valer do manuscrito VIII para os temas ausentes no primeiro. Ele usou a maior parte do manuscrito VIII, porém reorganizou a estrutura da exposição e complementou com textos do manuscrito II, mais claramente encadeados, todos os pontos da argumentação que não são discutidos no manuscrito VIII. A parte do manuscrito VIII não incluída por Engels na redação final não ultrapassa duas páginas impressas...
12 - Muita coisa que o texto está problematizando nem dá para entender o porquê, eis que não li os trechos que menciona. Não sei se a problematização é idiota/irrelevante, errada ou se faz total sentido. Aparentemente, há várias discordâncias do pessoal da MEGA com as escolhas editoriais de Engels. Qual o grau de relevância delas? O texto não me parece claro. Ainda mais sem uma leitura anterior do Livro II.
13 - Como mostra a longa história da pesquisa sobre o “problema da transformação”, o suposto dos produtos não-básicos pode representar uma efetiva contraprova da fórmula marxiana do preço, e, de fato, desde Ladislaus Bortkiewicz esse suposto tornou-se a regra entre os críticos de Marx.
14 - Nessa linha da crítica a Marx situa-se também o economista japonês Kei Shibata, cujas análises, realizadas no anos 1930, são extremamente elucidativas das concepções originais de Marx[157]. Shibata dividia o conjunto dos bens econômicos em: 1) “labourers’ consumers’ goods”, que são consumidos apenas pelos trabalhadores; 2) “capitalists’ consumers’ goods”, que só existem para serem consumidos pelos capitalistas; 3) “labourers’ producers’ goods”, que servem apenas de meios de produção para produzir a si mesmo e “labourers’ consumers’ goods”, e 4) “capitalists’ producers’ goods”, que só podem ser consumidos para produzir a si mesmos, “capitalists’ consumers’ goods” e o dinheiro. Para ele, os bens se chamam “labourers’ goods” quando são “labourers’ consumers’ goods” ou “labourers’ producers’ goods”. “Labourer’s goods” não são outra coisa que “basic products”[158]. (...) A divisão em dois setores dos meios de produção e meios de subsistência, que formam a base dos esquemas de reprodução redigidos por Engels, constitui a difundida imagem da teoria da reprodução em O capital. Justamente por isso essa divisão quádrupla dos bens realizada por Shibata é de grande importância para a reconstrução da teoria marxiana.
15 - O texto parece propor uma redefinição artificial e abstrata do que seria "taxa de lucro geral", solução que achei a mais falsa possível. O capitalista não olha para taxa de lucro como algo definido por teóricos marxistas. Ele realoca capital para o setor de bens de luxo sempre, obviamente, que esse estiver atrativo. Não há "taxa de lucro geral" sem isso. Enfim, posso não ter entendido, mas, se essa é a conclusão dos autores sobre o assunto, é deveras decepcionante. Quando enfim falam sobre algo concreto...
16 - Marx e a "taxa de acumulação" entre setores se tornando constantes com o tempo: A passagem do manuscrito VIII que Engels apresenta como “primeiro exemplo” contém seis esquemas de sequências temporais de Marx sobre a base das três hipóteses mencionadas. No entanto, a passagem correspondente no manuscrito VIII apresenta uma série de erros de cálculo, que contrariam as hipóteses assumidas por Marx [167]. Esses erros foram corrigidos por Engels em sua redação. Por mais imaturas que sejam as reflexões de Marx nesse ponto do texto, elas nos proporcionam uma visão de seus próprios esquemas de sequência temporal. (...) Aqui está claro que não se trata do crescimento equilibrado. A constatação de que a reprodução ampliada leva a um crescimento equilibrado resulta – quando resulta – apenas da exposição corrigida por Engels, e não da apresentação original de Marx.
17 - ...“Agora vemos que a taxa de crescimento da produção [output] do setor I é 10% do ano 0 ao ano 1, e do ano 1 ao ano 2, ao passo que a do setor II é 6,67% do ano 0 ao ano 1 e 10% do ano 1 ao ano 2. Portanto, temos apenas um ano de crescimento desequilibrado antes do ano 2, quando ambos os setores se expandem à mesma taxa, 10%. Assim, as cifras no final do ano 2 são exatamente as mesmas que aquelas no final do ano 1, multiplicadas pelo número comum 1,1. O ano 3 é nada mais que uma repetição do ano 2 numa escala ampliada, e assim por diante, ad infinitum. Desse modo, vemos que na economia de Marx prevalece uma tendência a um crescimento equilibrado, que é muito mais forte que a convergência proferida pelos economistas neoclássicos, tais como Solow, Meade e Uzawa, porque qualquer estado de crescimento desequilibrado desaparecerá na economia de Marx num único ano.” Michio Morishima, Marx’s Economics (Cambridge, Cambridge University Press, 1973), p. 120.
Engels - Prefácio da primeira edição
18 - Engels descreve a "via-crucis": Apenas uma dessas versões (o manuscrito IV[a]), quando muito, fora revisada e preparada para a impressão, mas a maior parte dela também se tornou obsoleta, devido a reelaborações posteriores. Parte do material, embora acabada quanto ao conteúdo, não o estava com relação à forma; fora redigida na linguagem em que Marx costumava elaborar suas anotações: num estilo descuidado, repleto de expressões coloquiais, frequentemente sarcásticas, além de termos técnicos ingleses e franceses e, muitas vezes, frases e até páginas inteiras em inglês; as ideias pousavam sobre o papel da forma como iam se desenvolvendo no cérebro do autor. Se boa parte do conteúdo fora exposta em detalhes, outra parte, de igual importância, estava apenas esboçada; os fatos que servem de ilustração ao material estavam reunidos, mas pouco ordenados, e muito menos elaborados; muitas vezes, no fim de um capítulo, na pressa do autor de passar ao capítulo seguinte, não havia mais do que algumas sentenças fragmentárias, a indicar o desenvolvimento ali deixado incompleto; por fim, havia a notória caligrafia, que às vezes nem o próprio autor lograva decifrar.
19 - A parte sobre a acusação de que Marx plagiou Rodbertus é cheia de ironias. Me diverti.
20 - “De onde provém o mais-valor do capitalista” e, inclusive, do proprietário fundiário A. Smith já sabia; Marx reconhece isso claramente em 1861, ao passo que Rodbertus e a turba inteira de seus admiradores, que brotam como cogumelos sob a chuva morna de verão do socialismo de Estado, parecem tê-lo esquecido em absoluto.
21 - Engels dedica trechos a se lamentar do seguinte (em essência): "Confesso que, ao escrever estas linhas, sinto um pouco de vergonha. Que a literatura anticapitalista inglesa dos anos 1820 e 1830 seja totalmente desconhecida na Alemanha, apesar de Marx já tê-la referido diretamente na Miséria da filosofia e tenha citado grande parte dela – o panfleto de 1821, Ravenstone, Hodgskin etc. – em vários pontos do primeiro livro de O capital, é algo ainda aceitável. Mas que não apenas o literatus vulgaris [escritor vulgar], que se agarra desesperadamente à casaca de Rodbertus e que “não aprendeu realmente nada”, mas inclusive o professor catedrático e “jactante de erudição”[ad] tenha esquecido sua economia clássica ao ponto de lançar seriamente sobre Marx a acusação de ter copiado de Rodbertus coisas que já se podem ler em A. Smith e em Ricardo – isso demonstra a que nível chegou, hoje, a decadência da economia oficial". (Referência a Rudolph Meyer e Adolph Wagner)
22 - Narra a interessante história dos descobridores do "oxigênio", que tentaram catalogar a "invenção" dentro das categorias já existentes da "química flogística". Ex: ...encontrou um tipo de ar “tão puro ou tão livre de flogisto que, em comparação com ele, o ar corrente já parecia impuro”. Chamou-o de “ar desflogizado”. Pouco depois, Scheele encontrou na Suécia o mesmo tipo de ar e demonstrou sua existência na atmosfera. Percebeu também que esse ar desaparecia quando se queimava um corpo nele ou em ar corrente, razão pela qual lhe batizou de “ar de fogo”[af]. ...Priestley e Scheele haviam encontrado o oxigênio, mas não sabiam o que tinham em mãos. “Continuavam presos a categorias” flogísticas, “tal como as haviam encontrado já prontas.” (...) Mas tendo Priestley comunicado em Paris seu descobrimento a Lavoisier[ag], este se pôs a investigar toda a química flogística à luz desse novo fato, até descobrir que o novo tipo de ar era um novo elemento químico; que, na combustão, não é o misterioso flogisto que escapa do corpo ignescente, mas que é esse novo elemento que se combina com o corpo que queima, e, desse modo, pôs de pé a química inteira, que, em sua forma flogística, estava de cabeça para baixo. E ainda que, como afirmou mais tarde, Lavoisier não tenha descoberto o oxigênio ao mesmo tempo que os outros e independentemente deles, é ele o verdadeiro descobridor do oxigênio, ao contrário dos outros dois, que apenas o encontraram, sem sequer suspeitar o que haviam encontrado. (Isso tudo porque Engels quer colocar Marx como o verdadeiro descobridor da mais-valia, por mais que tantos antes já tivessem tateado a categoria).
23 - Engels sobre Rodbertus: ..."Mas o próprio Rodbertus desviou-se desse caminho, ao orientar o desenvolvimento da teoria ricardiana para a segunda direção, a da utopia. Com isso, ele renunciou à condição de toda crítica: a independência. Passou então a operar com um objetivo preconcebido, e tornou-se um economista tendencioso [Tendenzökonom]. Uma vez prisioneiro de sua utopia, ele se fechou para qualquer possibilidade de progresso científico. De 1842 até sua morte, Rodbertus girou no mesmo círculo, repetiu sempre as mesmas ideias, já desenvolvidas ou mencionadas em suas obras anteriores, sentindo-se ignorado, considerando-se plagiado, quando em sua obra nada havia a plagiar, e, por último, recusando-se, não sem intenção, a reconhecer que, no fundo, ele não havia senão redescoberto aquilo que já havia sido descoberto há muito tempo”
24 - Engels contra Ricardo: O trabalho é a medida do valor. No entanto, o trabalho vivo, ao ser trocado pelo capital, apresenta um valor inferior ao do trabalho materializado pelo qual ele é trocado. O salário, o valor de uma determinada quantidade de trabalho vivo, é sempre inferior ao valor do produto criado por essa mesma quantidade de trabalho vivo, ou na qual esta se materializa. (...) Não é o trabalho que é comprado e vendido como mercadoria, mas a força de trabalho.
25 - Ainda Engels (com Marx) contra Ricardo. Este último diz "...Mas se empregam quantidades desiguais de trabalho vivo, eles não podem produzir mais-valor, ou, como dizem os ricardianos, lucro de mesma grandeza". Engels corrige: Ora, o que ocorre é justamente o contrário. Na realidade, capitais iguais, qualquer que seja a quantidade de trabalho vivo que empreguem, produzem em tempos iguais, em média, lucros iguais. Aqui se apresenta, portanto, uma contradição na própria lei do valor, contradição que já fora encontrada por Ricardo e que também sua escola foi incapaz de resolver. Tampouco Rodbertus pôde evitar essa contradição; mas, em vez de resolvê-la, fez dela um dos pontos de partida de sua utopia (Zur Erkenntniß..., p. 131). Marx já resolvera essa contradição no manuscrito Contribuição à crítica...; a solução se apresenta, segundo o plano de O capital, no Livro III.
.
Comentários
Postar um comentário