Samuel Pessoa (2018) - A miséria da crítica heterodoxa, Por que os juros são altos

 

Samuel Pessoa (2018) - A miséria da crítica heterodoxa, Por que os juros são altos


1 - Coloca a conta da crise do governo Dilma em dois fatores principais: A primeira foi a piora fiscal que houve de 2008 até 2014. Nesse período o superávit primário do governo central reduz-se de 2,7% do PIB para -1% do PIB. Esses dados tabulados por Gobetti e Orair (2017) já consideram somente receitas recorrentes e limpam os dados das pedaladas fiscais. O segundo teria sido o intervencionismo da "Era Mantega". Coloca que a PTF, que vinha crescendo bem até 2011 (argumenta), teve crescimento nulo no triênio 12-14. (...) Se considerarmos somente o biênio 2012-2013 o crescimento médio da PTF foi de 0,5% ao ano. Se considerarmos taxas médias quadrianuais anualizadas de crescimento da PTF elas crescem de 2001 até 2007 quando atinge 2,7%. A partir de ai um longo processo de queda atingindo 1,7% para o quadriênio terminado em 2013 e 0,6% para o terminado em 2014.


2 - Não foi por falta de demanda que a economia desacelerou-se. Por exemplo, o impulso fiscal em 2014 foi de 2 pontos de percentagem (pp) do PIB. Nos sete anos entre 2008 e 2014 o impulso fiscal foi negativo somente em 2011 em 0,5 pp do PIB


3 - Fiscal crescendo e PIB estagnado ou caindo... Implosão da dívida. 


4  - Uma das características do intervencionismo foi promover forte sobreacumulação de capital em setores cuja rentabilidade era baixa. Os exemplos mais flagrantes foram a indústria naval e toda a cadeia de petróleo em particular o refino. Adicionalmente, vultosos empréstimos subsidiados estimularam sobreinvestimento na indústria automobilística, tanto de automóveis de passeio quanto de caminhões. Rapidamente foi construída grande capacidade ociosa na indústria.  


5 - Coloca inclusive que o MCMV parou de se expandir quando o aperto fiscal se impôs. No setor sucroalcooleiro a política econômica estimulou grandes investimentos no primeiro governo Lula com longos prazos de maturação. O endividamento do setor subiu muito. Quando a capacidade produtiva ficou pronta a política de controle de preço da gasolina inviabilizou financeiramente o setor. Todo o setor de construção civil se preparou para eliminar em alguns anos o histórico déficit habitacional. Havia elevado otimismo entre os empresários do setor com o programa MCMV.


6 - Estou por fora de tal especificidade desse debate: Além do descuido da responsabilidade fiscal nas contas da União, o Tesouro Nacional, quando da gestão Arno Augustin, compactuou com a irresponsabilidade fiscal dos Estados. Fato que está na raiz do atual desastre das contas de diversos Estados.


7 - Culpa principalmente a heterodoxia nacional: O particular entendimento da heterodoxia brasileira de que as economias operam permanentemente abaixo da plena capacidade e o particular entendimento do princípio da demanda efetiva (PDE) de que todo investimento cria a sua própria poupança acabou por criar o caldo de cultura que permitiu o descalabro fiscal.


8 - Di Nardi e colaboradores (2010) mostram que boa parcela da poupança dos idosos se deve menos ao desejo de deixar heranças mais aos elevados e imprevisíveis custos médicos. Analogamente, Kopecky e Koreshkova (2014) mostram para a economia americana que o risco de terminar a vida em um asilo cujo custo médio é de U$5 mil mês explica boa parte da poupança individual.


9 - Desalavancagem: Seja para o Japão, em que as firmas ficaram muito endividadas após o estouro da bolha de ativos em meados dos anos 90, ou seja, para a economia americana, em que as famílias ficaram muito endividadas após o estouro da bolha imobiliária, houve, em resposta ao endividamento forte elevação da poupança que reduziu os juros. Os juros baixos são um processo transitório mas que pode ser alongar por décadas enquanto o processo de redução do endividamento continua. (Pois bem, mas não está havendo desalavancagem alguma, logo... Como assim?!)


10 - Uma redução da taxa de desconto intertemporal, 𝜌, em função, por exemplo, de elevação da expectativa de vida, ou uma redução da taxa de crescimento da renda, fruto, por exemplo, de redução da taxa de crescimento do progresso tecnológico, g, podem explicar redução dos juros reais. (Óbvio?!) (...) E, como vimos, juros baixos podem agravar essa necessidade: como o rendimento da aplicação reduz-se a pessoa para garantir um padrão de vida na velhice terá que poupar ainda mais. Se a expectativa de vida cresce a necessidade de poupar eleva-se.


11 - Dois outros fatores frequentemente lembrados como explicações da queda da taxa de juros, ainda em um contexto de horizonte infinito, são alteração da natureza do progresso técnico recente, muito poupadora em capital, e a piora da distribuição de renda, que reduz a demanda por consumo. (...) As empresas modernas do paradigma tecnológico da informação têm muito menos capital físico do que as empresas do paradigma tecnológico da segunda revolução industrial, isto é, do aço, energia elétrica, e do motor de combustão interna. Compare, por exemplo, a Apple com a General Motors. O capital da Apple é não tangível associado às patentes e à capacidade intelectual de seus técnicos. (...) Aparentemente o progresso técnico reduziu a quantidade de poupança real necessário para construir as novas empresas, o que contribui para reduzir a taxa de juros. (...) Adicionalmente o progresso técnico poupador de capital concentra muita riqueza, muito valor, nas mãos das pessoas que promovem a inovação.


12 - Eggertsson e colaboradores (2017), a partir de um modelo de gerações sobrepostas calibrado para a economia americana, decompõe a queda de 4 pontos percentuais (pp) que houve na taxa de juros na economia americana entre os anos 70 e agora. Concluem que a queda da taxa de crescimento tecnológico, a elevação da expectativa de vida e a redução da taxa de crescimento populacional explicam redução dos juros em 6pp, enquanto que a elevação do estoque de dívida como proporção do PIB explica elevação da taxa de juros em 2pp.


13 - A China é uma economia com a renda per capita próxima da brasileira e com um nível de desigualdade próximo da desigualdade brasileira mas com taxas de juros muito menores do que as nossas. Samuel indica que isso tem a ver com a China poupar 50% do que produz. 


14 - Chamon e colaboradores (2013) documentam o impacto sobre a elevação da poupança associada à fortíssima elevação na variância da renda. Adicionalmente mostram que a reforma previdenciária de 1997, que reduziu para a geração mais velha que ficou no regime de transição a taxa de reposição das aposentadorias urbanas de 75% para 60%, desempenha papel importante no aumento da poupança no período.


15 - Brasil seria o reverso da China (inclusive a poupança caiu 7 p.p. no período 92-14): Entre os anos 70 e hoje passamos pelo processo de redemocratização que colocou na agenda o gasto social e a necessidade de construção de uma rede ampla e abrangente de seguros públicos. Entre 1992 e 2014 o gasto primário da União saiu de 11% do PIB para 20%. Como mostrado por Almeida e colaboradores (2015) esse aumento espetacular do gasto público ocorreu em rubricas ligadas aos gastos sociais e aposentadorias, dos trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público. (...)  Enquanto a China passou pelo bônus demográfico em um período de redução do gasto social e forte elevação do risco individual, pelo processo de construção dos mercados, o Brasil, ao longo do período do bônus demográfico, construiu instituições que reduziram o risco


16 - O resultado é que o gasto previdenciário brasileiro em excesso ao “normal” da média internacional – este “normal” seria o gasto explicável por aqueles três fatores – foi de 7 pontos percentuais do PIB. Da amostra de 101 países, após a Ucrânia somos o país que mais gasta com previdência – isto é, o que tem o maior excesso em relação ao “normal” tal como definido acima.


17 - Keynes em 1937 sobre o Reino Unido: Recomendava no texto publicado no The Times no dia 13 de janeiro de 1937, também reproduzido em Hutchison (1977), que os impostos fossem elevados, o investimento público reduzido e que as importações fossem estimuladas, com vistas e combater o excesso de demanda.


18 - Critica a heterodoxia por tratar o gasto do Estado como moto-perpetuo. Crescer seria tão fácil que se torna quase impossível entender porque há subdesenvolvimento. Economias monetárias não teriam qualquer restrição já que o investimento gera a sua poupança. Afirma que, nessa história, a chance de inflação parece até não existir. Tudo sempre dá certo. E sempre se está longe da plena atividade (pleno vapor... pleno emprego... sempre há ociosidade... etc.)


19 - Crescimento x Poupança. Quando trabalhamos com os dados agregados há suporte para a visão heterodoxa. Por exemplo, Loayza e colaboradores (2000) documentaram que há, para dados agregados, correlação entre elevação da taxa de crescimento da economia e elevação da taxa de poupança. Aparentemente os autores heterodoxos subscrevem o modelo de formação de hábito que sugere que o consumo não responde às elevações da renda que sejam percebidas como permanentes, como sugerido pelo modelo tradicional, pois há um componente do consumo associado ao hábito. (...) Os resultados macroeconômicos indicam somente correlação entre crescimento e poupança. Como sabermos se há ou não causalidade? Os estudos com dados microeconômicos não tem sido muito positivos para a hipótese de formação de hábitos. Dynan (2000) para a economia americana, Chamon e Prasad (2010) para a China, Rob e Teppa (2010) para a Holanda e Iswamoto (2013) para o Japão não encontram evidência de formação de hábito na poupança. Rhee (2004) encontra alguma evidência estatísticas mas muito pouco significativa


20 - Keynes e a NAIRU: A noção de que havia um ponto a partir do qual a economia encontrava-se a pleno emprego é claríssima em Keynes. No capítulo X da Teoria Geral (...). É verdade que em mais de uma passagem da Teoria geral Keynes acredita que é mais comum a economia estar aquém do que além do desemprego.


21 - Diversos trabalhos estabelecem que é possível haver situações em que haja austericídios.27 A dificuldade no caso da economia brasileira são os elevadíssimos juros reais como um fenômeno aparentemente de equilíbrio. Por exemplo, Delong e Summers (2012) investigam sob quais condições uma expansão fiscal é autofinanciável, isto é, seu impacto sobre o crescimento da economia é tão elevado que após a política fiscal expansionista a relação dívida-PIB cai. A condição depende das taxas de juros serem baixas. (Isso eu penso sempre também).


22 - Aqui um clássico do "explique melhor": Carrière-Swallow e colaboradores (2018) documentam que o multiplicador fiscal na América Latina gira ao redor de 0,9.


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