Livro: Alan Greenspan - Capitalismo na América - Capítulo 7 ("PARTE A")
Livro: Alan Greenspan - Capitalismo na América
Pgs. 233-258
"CAPÍTULO 7: "A GRANDE DEPRESSÃO"
222 - Wall Street estabeleceu-se como coração da economia americana na década de 1920.
223 - Algumas das pessoas mais sábias do país aplaudiam a alta do mercado. Em 1927, John Raskob, um dos principais financistas do país, escreveu um artigo para o Ladies’ Home Journal, “Everybody Ought to Be Rich” (Todos têm que ser ricos), aconselhando pessoas com recursos modestos a colocarem suas economias no mercado de ações. Irving Fisher também achava, um ano depois, que o "platô alto" tinha vindo pra ficar.
224 - ...Outros mostravam-se mais céticos: enquanto o mercado decolava em 1927, o secretário do Comércio, Herbert Hoover, condenou a “orgia de especulações alucinadas” em Wall Street e começou a explorar formas de encerrá-la. Conta também a história de Joseph Kennedy e o engraxate. (...) Em outubro, o mercado caiu 37%. Quem havia comprado com margem foi massacrado.
225 - ...Teria sido só um dia - ou no máximo um mês - ruim? Em abril de 1930, o Dow Jones Industrial Average havia retornado ao seu patamar do início de 1929 — ou seja, praticamente o dobro do nível atingido em 1926. O New York Times declarou despreocupadamente que a matéria jornalística mais importante de 1929 fora a expedição do Almirante Byrd ao polo sul. A resposta era "não". Ficaria muito pior:
226 - Wall Street fora reduzida a uma cidade fantasma. Duas mil casas de investimentos fecharam as portas. O preço de um título patrimonial na Big Board caiu de 550 mil dólares antes da quebra para 68 mil. As corretoras de valores declaravam “dias de maçã” — folgas não remuneradas a cada mês para permitir que corretores necessitados complementassem sua renda vendendo maçãs nas calçadas. O Empire State Building, cuja construção fora encomendada por John Raskob em 1929 como um monumento ao “estilo de vida americano, que permitia a um menino pobre fazer fortuna em Wall Street”, foi apelidado de “Empty State Building”, em referência à crise e aos escritórios vazios (empty). O Union League Club tinha uma sala onde certificados de ações sem valor foram usados como papel de parede.
227 - O quanto queda de bolsa, por si só (se é que isso seja possível existir), afeta a economia real? Análises econométricas sugerem que, por si só, mudanças nos preços dos ativos têm um efeito notável sobre o PIB, correspondendo a quase 10% do seu crescimento nos anos pós-guerra.8 Considerando que as parcelas do PIB relativas a ações e ativos eram praticamente as mesmas nos anos de 1927 e 1932, e nos anos do pós-guerra, o colapso do mercado de ações deve ter tido um “efeito sobre a riqueza” significativo. Alavancagens originaram calotes contagiosos. Quedas em efeito dominó.
228 - Em 1932, a produção industrial, o PIB real e os preços haviam caído 46%, 25% e 24%, respectivamente, em relação aos níveis de 1929. Os acionistas viram grande parte do valor de seus ativos evaporar. As empresas reduziram seus investimentos de 13 bilhões de dólares em 1929 para menos de 4 bilhões em 1933. A produção de carros e casas foi ao chão, o que demandava menos das outras indústrias. Foi efeito dominó. Em grandes centros industriais de Ohio houve desemprego de mais de 50%. O desemprego médio dos EUA foi de 25% no pior momento da crise.
229 - De 1932 a 1935, pela primeira vez na história americana, o número de pessoas que deixaram o país foi maior do que o número das que chegaram.
230 - A recuperação entre 1933 e 1938 foi insuficiente para sequer recuperar os níveis. Então, em 1939 houve a chamada "depressão de Roosevelt". O desemprego voltava a superar 11%, índice de 1931! A dívida aumentava e a recuperação não era convincente.
231 - Dívida explodiu durante e depois da I Guerra e isso teria consequências pesadas uma década mais tarde. No período de 1929 a 1932, quase todos os Aliados recusaram-se a pagar suas dívidas (a Finlândia foi uma exceção honrável), e a América respondeu adotando o protecionismo. (...) (Na verdade, "intensificando, viu Greenspan?). A Grã-Bretanha era, sem dúvida, a principal potência financeira do mundo: dois terços do crédito comercial que garantiam o fluxo de produtos através do mundo, ou cerca de 500 milhões de dólares por ano, passavam por Londres.
232 - ...O padrão-ouro funcionava graças a cooperação/coordenação internacional. Quando o Barings Bank quase faliu em 1890, graças a empréstimos imprudentes feitos à Argentina, ameaçando desestabilizar os mercados financeiros londrinos, os bancos centrais da França e da Rússia emprestaram dinheiro ao Banco da Inglaterra e a crise foi evitada. A mera certeza de que o Banco da Inglaterra podia recorrer a somas tão grandes de dinheiro e usá-las com excelência era o bastante para acalmar os mercados. Na frase de Keynes, a Grã-Bretanha era “a maestrina da orquestra internacional”.
233 - Consequências da I Guerra: No final da década de 1920, os Estados Unidos superavam a produção europeia em 50%. Antes da guerra, a América era importadora de capital: 2,2 bilhões de dólares em 1914, por exemplo. Após a guerra, passou a ser exportadora: 6,4 bilhões de dólares em 1919. As potências aliadas chegaram ao fim da guerra devendo 12 bilhões de dólares ao Tesouro americano, a Grã-Bretanha, com uma dívida de 5 bilhões, a França, com uma dívida de 4 bilhões. Cita também a grande quantidade de ouro acumulada pelos EUA. Já a Inglaterra estava com suas reservas de ouro quase esgotadas!
234 - Greenspan critica que os EUA não tenham se esforçado para assumir a batuta no pós-guerra. Todas as principais potências europeias consideravam o retorno ao padrão ouro (que haviam abandonado durante a guerra) a maior prioridade. Mas não conseguiram ajustar sua taxa de câmbio de forma a refletir seu poder econômico agora reduzido. A manifestação mais calamitosa disso foi a decisão de Winston Churchill, na época secretário do Tesouro, de fazer a Grã-Bretanha retornar ao padrão ouro, com uma paridade de 4,86 dólares por libra esterlina ou 4,25 libras por onça-troy de ouro, o nível ocupado antes de a Grande Guerra destruir a civilização europeia. A sobrevalorização da libra matou a competitividade da indústria e levou a desemprego e greves.
235 - O sistema ia ruindo: ...Em 1931, com 22% da força de trabalho desempregada, o governo britânico, com suas reservas de ouro diminuindo rapidamente, retirou a libra esterlina do padrão ouro pela primeira vez em tempos de paz desde que Sir Isaac Newton estabelecera a paridade com o ouro em 1717. A libra caiu mais de um terço em relação ao dólar (de 4,86 para 3,25 dólares), forçando outros países a seguir o exemplo da Grã-Bretanha — primeiro, os Estados escandinavos e bálticos, com seus laços estreitos com o mercado britânico, e depois o Japão, seguido de grande parte da América Latina.
236 - Greenspan defende que não foram "algemas de ouro" o problema, mas sim "algemas de orgulho". O padrão-ouro poderia ser reajustado. Pra piorar, muita gente defendia o isolacionismo americano, coloca. Um dos piores exemplos da irresponsabilidade da América foi a Lei Tarifária Smoot-Hawley de 1930, que aumentou as tarifas alfandegárias em uma média de 18% sobre novecentos bens de consumo e 575 produtos agrícolas.
237 - ...A Lei Tarifária Fordney-McCumber de 1922 já havia aumentado ainda mais as tarifas. A Smoot-Hawley aumentou de 40% para 48% a alíquota média incidente sobre as mercadorias tributáveis pela alfândega, o que significou um aumento de preço de 8% sobre uma grande variedade de produtos. Outros países haviam começado a aumentar suas tarifas alfandegárias antes da Lei Smoot-Hawley. O volume das importações americanas já tivera uma queda de 15% no ano anterior à aprovação da lei. Ainda assim, a lei foi um exemplo clássico do problema mais geral do fracasso da América em assumir o papel da Grã-Bretanha na liderança da ordem comercial global. Houve muita resistência (cita várias), mas a lei foi aprovada.
238 - ...Grupos de interesses pressionavam por carnes mais suculentas. Políticos responsáveis recuavam. E, no final das contas, Herbert Hoover viu-se usando seis canetas de ouro para assinar uma monstruosidade de uma lei que fixava tarifas específicas sobre 3.300 itens. Um grande passo na guerra tarifária que minguou o comércio global. O volume de negócios globais encolheu de cerca de 36 bilhões de dólares em 1929 para cerca de 12 bilhões em 1932.
239 - Deflação e depressão: A deflação forçava os devedores a reduzirem o consumo, levando a mais quedas nos preços. As quedas dos preços levaram a uma contração econômica geral. No início de 1934, mais de um terço dos proprietários de casas das cidades americanas padrão estava atrasado com a hipoteca. Quase metade dos fazendeiros também, atrasados na hipoteca, e afundados em dívidas.
240 - Sistema bancário dos EUA na crise: ...O Canadá tinha quatro bancos nacionais, cada um com ramificações por todo o território, com bolsos cheios, acionistas espalhados e clientes diversificados. A América tinha 25 mil bancos, a maioria subcapitalizados, com 52 regimes de regulação diferentes e dependentes dos caprichos das economias locais. A falência de bancos era comum até em períodos bons: na década de 1920, mais de quinhentos faliam por ano. Entre 1929 e 1933, 40% dos bancos da nação (9.460) faliram. Em 1930, o Bank of the United States (que devia seu nome a um marketing inteligente, e não a qualquer status oficial) sofreu a maior falência de um banco na história americana até hoje, congelando cerca de 200 milhões de dólares em recursos dos depositantes.
241 - Cenário político: o BC/FED era "incompetente" e a troca entre presidentes demorava na época três meses entre a eleição e posse, o que deixou o país em modo de espera entre fim de 1932 e março de 1933.
242 - O Fed descobriu por acidente sua ferramenta mais poderosa para definir a política monetária, a política de Mercado Aberto. Depois da Primeira Guerra Mundial, alguns bancos distritais do Federal Reserve estavam negociando tão pouco com outros bancos que os formuladores de políticas temiam que eles não produzissem receita suficiente para pagar as despesas esperadas. Assim, no primeiro semestre de 1922, os bancos do Fed passaram a comprar mais títulos do governo que pagam juros para melhorar seus ganhos. Isso teve o efeito previsto de aumento das reservas dos bancos comerciais por todo o país, levando à redução das taxas de juros de curto prazo. O Fed logo se deu conta de que tinha uma ferramenta incrivelmente poderosa nas mãos: comprando títulos no mercado aberto, podia aliviar as condições de crédito e as taxas de juros.
243 - Surgia o FOMC. Porém, havia divisões internas e, segundo Greenspan, muitas medidas erradas foram tomadas. O Fed alimentou o frenesi especulativo de 1926-28, conservando as taxas de juros muito baixas, a fim de manter o valor da libra esterlina ao encorajar um fluxo de capital direcionado à Grã-Bretanha. Em seguida, pesou a mão na compensação, aumentando quatro vezes as taxas de juros em 1928 e 1929, de 3,5% para 6%, e dificultando que as pessoas fizessem empréstimos para investimentos. O Fed também contribuiu para o problema das falências de bancos ao negligenciar a criação de sistemas de segurança — por exemplo, quando o Bank of the United States faliu em dezembro de 1930.(...) no outono de 1931, o Fed piorou uma situação que já era de desespero com um grande aumento das taxas de juros objetivando garantir a manutenção do valor do dólar. Contexto, porém, era de contas nacionais imprecisas e situação inédita de depressão. Tudo novidade. "Risos" aqui: Um ano após a quebra, muitos americanos acreditavam estar no meio de uma crise — não tão ruim, é claro, como a súbita contração de 1920.
244 - Limitações para combater a crise: O governo federal era minúsculo: os gastos totais em 1929 somavam apenas 3,1 bilhões de dólares, ou 3% do PIB. O Federal Reserve só tinha quinze anos em 1929, e ainda estava pegando o jeito. Hoover não era 100% laissez-faire, mas muita gente no seu governo e partido sim. Sem dúvida, existiam republicanos que acreditavam que a solução era não fazer nada: segundo relatos, Andrew Mellon, secretário do Tesouro herdado por Hoover de Coolidge, acreditava que a melhor solução para a Depressão seria uma liquidação no atacado.
245 - Hoover reagiu rapidamente à desaceleração da economia propondo uma mistura de redução de impostos e investimentos em infraestrutura. Levou grandes empresários à Casa Branca e os fez prometer manter os salários e, com isso, evitar uma erosão do poder de compra: Henry Ford, um dos mais proeminentes convidados na Casa Branca, imediatamente reduziu os preços dos carros e aumentou as remunerações dos funcionários para sete dólares por dia. Afirma, porém, que o então presidente era ruim de política/discurso/inspirar pessoas. FDR era o oposto. Como Winston Churchill do outro lado do Atlântico, ele era um aristocrata com um toque popular.
246 - Os intelectuais de Franklin Delano Roosevelt: O membro fundador do gabinete de beca e capelo foi Raymond Moley, professor de Direito da Universidade Columbia. Entre outros membros proeminentes estavam Adolf Berle, professor da Columbia Law School e coautor de A moderna sociedade anônima e a propriedade privada (1932), e Rexford Tugwell, economista da Universidade Columbia. Herdeiros dos intelectuais progressistas do início do século XX, eles assumiram ao extremo todas as virtudes (ou vícios) dos progressistas. Acreditavam, acima de tudo, no poder do governo. O poder das grandes empresas deveriam ser regulados, mas sem a destruição ou diminuição das mesmas. Era no que acreditava a maioria do grupo.
247 - De acordo com a autoridade controladora da moeda de Hoover, “a gota d’água” veio com a decisão do governador de Michigan de declarar um feriado bancário estadual em 14 de fevereiro de 1933. Seguiu-se uma onda de pânico. As retiradas em espécie tiveram um grande aumento de 15 de fevereiro a 8 de março, e a quantidade de moeda em circulação aumentou quase 2 bilhões de dólares. Aumentaram também as retiradas de ouro do Federal Reserve Bank de Nova York, deixando o saldo em ouro do Fed bem abaixo do patamar estatutário de 40% das notas do Federal Reserve para apenas 24% (o Fed depois suspendeu os requisitos para as reservas em ouro). Ao final do horário comercial de 4 de março de 1933, de acordo com uma estimativa de Allan Meltzer, da Universidade Carnegie Mellon, os bancos em 35 dos 48 estados haviam declarado feriado bancário.
248 - FDR e o fim das corridas aos bancos: ...a primeira coisa que fez ao assumir a presidência foi induzir o Congresso a aprovar o Emergency Banking Act. A nova lei deu a FDR o poder de oferecer garantias de 100% para depósitos bancários. (...) Ele também reformou o mercado de valores mobiliários criando a Securities and Exchange Commission e forçando as companhias a publicarem informações detalhadas, como seu balanço patrimonial, demonstrativo de resultados e os nomes de seus diretores. Até então, Wall Street fora dominada por um punhado de pessoas com informações privilegiadas, como J. P. Morgan.
(...)
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