"Livro": Numa Mazat - Um estudo heterodoxo da (...) Rússia - Introdução e Capítulo 1
"Livro": Numa Mazat - Um estudo heterodoxo da trajetória econômica contemporânea da Rússia
Pgs. 1-15
"Introdução"
1 - É uma dissertação de mestrado de cem páginas. Umas oitenta "líquidas". Data do ano de 2007. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Econômicas do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Economia da Indústria e da Tecnologia. (...) Orientador: Prof° Carlos Aguiar de Medeiros. Franklin Serrano também ajudou.
2 - A introdução é meio que só um "resumão" e apresentação do que será tratado. Um rodapé interessante tem uma fonte buscando estimar o que seria "elite" na URSS: Kotz (1997) estima que a “super-elite” da URSS não tinha mais de 4 000 membros, incluindo os maiores responsáveis políticos, militares e administrativos. A elite, num sentido menos restritivo, incluindo responsáveis intermediários, devia contar com pouco mais de 100 000 pessoas, número pequeno se for comparado com a situação nos países ocidentais. (De toda forma, números bem menores que o do texto que acabei de fichar hoje. Essa é uma das dificuldades de estudar esses países).
Pgs. 16-53
"CAPÍTULO 1: "As tentativas de reforma do sistema soviético"
3 - O organograma administrativo (confundido com o do Partido especialmente nos altos escalões) ia dos ministérios setoriais até as empresas estatais. Assim, a burocracia econômica chegou a representar mais de 90% do total dos funcionários públicos civis no fim da era soviética e cerca de 15% da população ativa. Cada nível hierárquico era controlado por um diretor, responsável pela execução do Plano. Até 1929, porém, os planos eram mais de curto prazo mesmo.
4 - ...A natureza imperativa do planejamento soviético foi perfeitamente ilustrada pela seguinte observação feita por Stalin: “nossos planos não são previsões, mas sim, instruções”. Preferida à sua versão indicativa, a planificação rígida impunha a cada empresa seu volume de produção, seu nível de investimento, sua política salarial e seu abastecimento em insumos. (...) Até os métodos de produção e a introdução de novas tecnologias eram centralmente decididos. Nos anos 80, os organismos da planificação soviética chegaram a administrar 17 setores produtivos, 260 ramos, mais de 1,3 milhões de empresas industriais ou agrícolas e cerca de 24 milhões de preços.
5 - Era uma salada de planos. Tinha plano com todo tipo de duração e também subplanos. (...) A coordenação do conjunto de planos era realizada mediante uma colaboração direta entre os organismos de planificação. O Gosplan era a instituição chave da planificação centralizada. De fato, ele assumia a planificação da produção, quando os preços eram fixados pelos ministérios e pelo Comitê de Estado para os Preços. O Gossnab, por sua parte, estabelecia a repartição das máquinas e equipamento entre as unidades de produção.
6 - ...Como já foi indicado, toda a hierarquia administrativa era acompanhada, paralelamente, da hierarquia do Partido Comunista, e as duas decidiam sobre as sanções e as promoções dos funcionários, a priori segundo critérios integrando o bom cumprimento do Plano.
7 - "Demandas" do imenso território: ...Esse esforço foi realizado num tempo recorde e a União Soviética já tinha se dotado, em 1936, da maior rede ferroviária do mundo.
8 - Bukharin preferia uma estratégia de crescimento mais equilibrada entre agricultura e indústria. Bukharin, que foi um dos promotores da NEP, considerava, por exemplo, que as exportações de cereal permitiriam importar parte das máquinas e equipamentos necessários para industrializar a União Soviética. Tal posição não foi a vencedora, como já sabido.
9 - Em 1980, o Ministério da Economia soviético estimava as despesas militares em 2,8 % do PIB. Hoje, à luz dos documentos que foram descobertos nos arquivos soviéticos depois de 1991, as estimativas vão de 15 a 25% do PIB, com os preços planificados.
10 - As reformas de Kruschev não deram certo e o texto diz que por isso é que ele teve que ceder o poder a Brejnev em 1964. As repúblicas compondo a União Soviética foram dotadas de mais competências, incluindo um certo controle sobre as atividades das empresas presentes no seu território. Os dirigentes das empresas receberam, também, mais autonomia. A maior medida tomada foi, no entanto, a transferência de competência na gestão econômica (o cumprimento dos objetivos definidos pelo Plano) dos ministérios centrais para os “sovnarkhozes” (conselhos econômicos locais), sediados em cada região da U.R.S.S.. O objetivo era acabar com a compartimentagem das decisões entre ministérios, que prejudicava a coerência das decisões e diminuía a complementaridade e a interação entre as unidades produtivas, e tentar responder de forma mais adequada à demanda da população por produtos de consumo mais sofisticados. (...) Infelizmente, os ministérios só transferiram parcialmente suas competências para os sovnarkhozes. O sistema híbrido que resultou disso enfraqueceu a coordenação central sem substituí-la realmente por uma maior autonomia das unidades de produção.
11 - A reforma Kosygin, de 1965, marcou a volta da gestão econômica nas mãos dos ministérios e, assim, o abandono das medidas tomadas por Khrouchtchev. A reforma Kosygin pretendia simplificar a planificação, aumentar a descentralização, preservando, no entanto, a fixação dos preços e dos indicadores de desempenho a nível central. Assim, o número de metas (centralmente fixadas) a serem cumpridas pelas empresas foi reduzido e uma serie de incentivos (financeiros e outros), financiados a partir dos lucros, foi criada para ajudar ao cumprimento dos objetivos do Plano.
12 - As coisas não ficam muito bem explicadas nos resumos da dissertação, mas enfim... Contudo, a reforma Kosygin fracassou por associar objetivos irreconciliáveis como a centralização, a descentralização e a simplificação. Assim, atentos a garantir suas prerrogativas, os ministérios não deixaram os mercados atacadistas se desenvolverem. Da mesma forma, a autonomia das empresas era limitada pela rigidez dos indicadores. O objetivo de simplificação não foi atingido porque os ministérios começaram rapidamente a multiplicar as metas anexas. Tem uma parte elogiada do cálculo da depreciação do capital fixo, mas ficou solta na explicação.
13 - Reformas de 73 foram um engodo maior ainda pelo visto: A idéia da reforma de 1973 era promover uma maior colaboração entre as unidades produtivas e permitir uma gestão por especialistas setoriais, mais competentes que os funcionários dos ministérios para orientar a atividade das fábricas. Da mesma forma, associações de pesquisa científica deviam ser promovidas pelas associações industriais, a fim de favorecer o surgimento de inovações tecnológicas. (...) Muitas empresas foram integradas a associações de empresas e a associações industriais. No entanto, as associações de empresas e as associações industriais nunca se tornaram uma realidade funcional. Elas sempre permaneceram uma criação administrativa porque os ministérios não se deixaram tirar seu poder sobre as empresas.
14 - Números oficiais da época para o PIB: De fato, muitos estudos mostraram que a taxa de crescimento tal como era calculada pelo Ministério da Economia da URSS não era confiável. Por isso, será usada a taxa de crescimento do PIB tal como ela foi calculada pelo Joint Economic Committe.
15 - Havia um problema de informação (volta o debate do planejamento...)? Apesar de um verdadeiro exército de dois milhões de funcionários, os organismos soviéticos de planificação sempre tiveram muita dificuldade para articular suas ações e seus objetivos. As políticas de informatização do sistema, a partir dos anos 60, não foram bem sucedidas. O maior programa de informatização empreendido foi o projeto “Ogas”, que tentou implementar sistemas automatizados de gestão nas unidades de planificação nos anos 70. Essa ambiciosa tentativa de informatizar fracassou porque, como todas as outras, não conseguiu reduzir a complexidade informacional da planificação. Essa complexidade vinha tanto da dificuldade de escolher indicadores relevantes quanto da ignorância parcial dos planificadores sobre as informações necessárias para a elaboração dos planos. Com efeito, muitas vezes as empresas não repassavam as boas informações, ou transmitiam apenas informações parciais e o destinatário teórico (divisões dos ministérios, Gosplan,...) não recebia necessariamente a informação.
16 - A demanda não era referência. A satisfação do cliente, muitas vezes o próprio Estado, não figura entre as prioridades das empresas. De qualquer forma, não havia nenhuma sanção ao nível das vendas porque não existia concorrência entre os bens.
17 - Coloca que uns insumos existiam em excesso e outros em déficit.
18 - A assimetria de informação entre os diferentes atores do Plano abria o espaço para ajustamentos unilaterais. Assim, as empresas tendiam a pedir mais recursos do que elas precisavam realmente para cumprir seus objetivos. Elas sabiam que a alocação dos recursos da parte dos organismos de planificação ficava sempre abaixo do necessário para realizar as metas. Da mesma maneira, os planificadores subestimavam intencionalmente as alocações para cada empresa, levando em conta o comportamento que foi descrito agora. Seguia daí uma situação de perpétuo deslocamento em relação às regras oficiais. No mais, a restrição oramentária branda meio que eliminava o risco de falência. (...) a “soft budget constraint”, já evocada neste artigo, conduzia a uma permanente “investment hunger” (fome de investimento) da parte das empresas, sem real contrapartida.
19 - As empresas do setor militar-industrial eram geralmente monopolistas, beneficiando-se de privilégios consideráveis, como a prioridade de financiamento e de abastecimento em insumos. Elas dispunham dos melhores operários, técnicos, engenheiros e cientistas. (...) As descobertas científicas realizadas no quadro das atividades militares raramente ganhavam aplicações civis. Esse fenômeno se dava devido à falta de interesse em desenvolver essas aplicações, mas, também, a uma verdadeira cultura do segredo. Assim, ao contrario do que aconteceu nos Estados Unidos, onde as universidades são o elo tradicional entre a pesquisa com fins militares e as aplicações civis, a economia soviética pouco se beneficiou da pesquisa realizada no âmbito do complexo militar-industrial.
20 - Problemas da planificação soviética: Ora, o plano fixava as metas em relação ao ano anterior, sem levar em conta eventuais ganhos em produtividade. As empresas não tinham, então, nenhum incentivo para adotar métodos ou técnicas mais eficientes de maneira independente porque isso poderia significar um uso menor de insumos e comprometer o cumprimento das metas, tais como elas eram formuladas. (...) A implementação de recursos organizacionais ou técnicos mais avançados supõe, também, a aceitação de um período de latência para integrá-los corretamente ao processo produtivo. Mas a economia soviética, com seus planos cotidianos, tornava toda forma de modernização autônoma muito delicada.
21 - A União Soviética podia orgulhar-se de um alto nível de pesquisa no campo das ciências exatas, com a matemática. Mas a URSS teve muita dificuldade para converter esses incontestáveis sucessos na ciência fundamental em avanços no campo da computação e da automatização. O enfoque nas aplicações militares impediu os dirigentes soviéticos de reparar o extraordinário potencial que representava a informática para a economia civil. Ficaram foi atrasados na informatização. Vários textos soviéticos ou americanos mostram também a relutância da URSS frente ao desenvolvimento das novas tecnologias da informação, considerado pelo regime uma ameaça para seu controle sobre a sociedade civil.
22 - Segredos e segredos. A própria interação entre os cientistas soviéticos era dificultada por uma lógica institucional de estrita separação entre as unidades de pesquisa. Elas só podiam se comunicar através de um processo administrativo muito complicado, o que tornava difícil a difusão dos avanços e a colaboração cientifica.
23 - Consumo: Vale notar que a baixa da taxa de crescimento do consumo real observada nos anos 70 foi limitada pela compra de produtos no exterior. Essas importações foram principalmente financiadas pelo aumento da quantidade de divisas oriundas das exportações de petróleo, cujo preço internacional despencou depois da crise de 1973. A queda dos preços do petróleo aliada à estagnação econômica piorou bastante o quadro do consumo soviético nos anos 80. (...) A lista dos bens de consumo racionados ficou mais extensa e o mercado negro se desenvolveu bastante:
24 - ...Dispor de dinheiro não era, então, uma garantia para consumir. O mercado negro era um corretor perverso dessa situação e não é inocente ver sua importância crescer com as dificuldades de abastecimento no mercado de bens de consumo controlado pelo Estado. O escambo tendeu, também, a se desenvolver principalmente no interior da URSS. Infelizmente, é difícil apresentar evidências quantificadas, devido à ausência de números oficiais.
25 - Moeda "paralela" na URSS: ..De fato, se uma empresa já tinha gastado seu orçamento e não podia pagar o preço dos insumos cuja entrega era prevista pelo Plano, ela beneficiava de um crédito da parte da empresa fornecedora chamado “crédito comercial”. Esse mecanismo, mesmo proibido, era muito comum. Isso contribuiu para criar uma grande quantidade de créditos inter-empresas. Os organismos planificadores lamentavam a existência desse financiamento paralelo porque tornava difícil o controle monetário.
26 - De quem era a culpa pela baixa produtividade da agricultura soviética? Para Mazat... os trabalhadores rurais, sejam integrantes das fazendas estatais ou das fazendas coletivas, podiam cultivar um pedaço de terra para o consumo próprio. Essa tolerância, introduzida na NEP para acabar com as revoltas rurais, acabou gerando um efeito perverso considerável. De fato, a maioria dos trabalhadores rurais consagrava mais tempo a seu pedacinho de terra do que à fazenda. A venda dos produtos dessa atividade no mercado negro (com preços bem maiores do que os preços oficiais) chegou a representar mais de 25% do valor total da produção agrícola soviética. Essa é certamente a explicação mais relevante para o baixo nível de produtividade constatado na agricultura da URSS.
27 - URSS e corrupção: ...o sistema bancário soviético foi um grande fator de enriquecimento ilegal. Com efeito, cada empresa dispunha de duas contas no Banco Central, separando de maneira estrita, pelo menos teoricamente, a moeda scriptural da moeda fiduciária. Na verdade, durante toda a era soviética, as empresas achavam meios ilegais para converter a moeda fiduciária em moeda scriptural. Os dirigentes das empresas e do Partido Comunista costumavam se beneficiar bastante dessas operações. Esse é um dos fatores que explicam a existência de soviéticos dotados de uma fortuna pessoal. Esses “aparatchiks” costumavam, também, comprar divisas a fim de poder freqüentar as lojas de produtos importados, onde o pagamento devia ser feito com moeda estrangeira.
28 - Além disso, uma verdadeira economia paralela se desenvolveu na URSS. Seu surgimento não pode ser datado com precisão, mas ela conheceu seu grande desenvolvimento durante o período Brejnev, a partir do final dos anos 60. Ela permitia que as pessoas adquirissem bens de consumo que não eram disponíveis no mercado oficial. Como já vimos, os produtos agrícolas eram os mais procurados no mercado negro, depois vinham os produtos de luxo, supostamente inexistentes na União Soviética.
29 - URSS e crise emergética? O aumento considerável da produção de gás a partir de meados dos anos 70, ilustrado pela figura 1.2.6 mostra bem que a estratégia de substituição estava funcionando. De fato, o gás era de exploração mais fácil que o petróleo e as reservas bem maiores. Então, parece contestável falar de crise energética na União Soviética dos anos 70 e 80, como foi feito na época e como continua aparecendo na literatura. O que aconteceu foi uma reorientação da política energética do país. (...) Vale lembrar que a substituição do petróleo pelo gás não podia ser imediata, sendo que havia grandes variações do consumo de energia na Rússia entre o verão e o inverno. Ora, o gás é transportado por gasoduto cuja capacidade é limitada e a construção de novos equipamentos era longa e custosa. O fruto desse esforço, realizado nos anos 70 e 80, foi recolhido a partir do final dos anos 90. Hoje, a Rússia é o maior país produtor e exportador de gás no mundo.
30 - Elevação de taxas de suicídio, alcoolismo e índices de saúde estagnados ou pior marcaram as últimas décadas da URSS. Outro sinal da deterioração social foi o aumento da criminalidade, que atingiu números muito altos no final dos anos 80. (...) Apesar dessa explosão da criminalidade, a URSS possuía uma taxa de homicídios mais baixa do que a dos Estados Unidos.
31 - URSS e o Afeganistão: Um golpe militar, em abril de 1978, colocou um regime marxista no poder em Kabul. O novo governo era fortemente apoiado pela União Soviética, que tinha um interesse estratégico no controle indireto do Afeganistão. Mas os oponentes (nacionalistas e religiosos) desse regime pró-soviético conseguiram montar uma resistência armada tão eficiente que, em dezembro de 1979, o governo estava pronto para ser derrubado. Foi nesse momento que, alegando um tratado de amizade assinado em 1978, as tropas soviéticas invadiram o Afeganistão para restabelecer o controle do governo sobre o país. O então presidente afegão, julgado fraco demais, foi executado e substituído por um diplomata totalmente controlado por Moscou. Acabou sendo um desastre. Guerra impopular mesmo antes da derrota e bem custosa, ao que entendi.
32 - A questão das causas do ressurgimento dos nacionalismos achei mal explicada (há, porém, dado interessante de certa superrepresentação russa na elite dirigente. Já no que tange ao investimento em infraestrutura, coloca que a desaceleração verificada no "pós-Stálin" tornou o sistema de transporte de carga mais congestionado, limitando o potencial da economia.
33 - Outro fator para a queda parece ter partido de um diagnóstico incorreto sobre o real motivo dos problemas de incentivos na economia soviética. A política de redução dos objetivos de crescimento nos planos qüinqüenais de 1976-1980 e 1981-1985 foi implementada com o propósito de melhorar a eficiência econômica do sistema e de aumentar a qualidade dos produtos. A idéia era que uma pressão menor sobre os dirigentes de empresas para aumentar a produção permitiria a esses dirigentes concentrar-se mais no aumento do padrão qualitativo dos outputs e da produtividade. Como observa Kotz (1997), essa decisão foi sem dúvida um erro de política econômica. De fato, o encolhimento do investimento ligado a essa redução dos objetivos de crescimento se materializou numa queda da taxa de inovação.
34 - Menciona vários tipos de explicações para a decadência soviética. Algumas têm forte verniz cultural ou mesmo francamente idealista: Alguns insistem num esgotamento das “fundações morais” do sistema soviético. Isso significa que o país teria perdido essa ética do esforço e da dedicação integral que fez seu sucesso. Uma ilustração desse fenômeno teria sido a substituição das primeiras gerações de administradores soviéticos considerados honestos, idealistas e dedicados por novas gerações preguiçosas, corruptas e sem ideal, unicamente interessadas na acumulação de privilégios e na promoção social. (...) Outros argumentam que o potencial genético da URSS ficou pior com o passar do tempo, devido à eliminação das pessoas mais inteligentes e criativas durante o período stalinista.
35 - Ponderações: ...o suposto enfraquecimento do potencial intelectual do país é desmentido pelos progressos na educação e pelos sucessos na pesquisa cientifica. Mas algumas observações, como o esgotamento da oferta de mão de obra, ou a queda da dedicação da população ao sistema soviético correspondem à realidade.
36 - A tese do "relaxamento da disciplina" (que seria o similar "socialista" da força da concorrência capitalistas segundo algumas teorias) foi usada até por Gorbachev pra justificar suas reformas. Alguns colocam que foi um problema crescente no "pós-Stálin".
37 - Teoria da "perda de controle": Com o tempo, a economia da URSS teria se tornado um verdadeiro Leviatã. De fato, a organização hierárquica do sistema soviético ficou cada vez mais complicada, com a criação maciça de novos cargos, sem justificativa funcional. Assim, a configuração piramidal do sistema soviético teria favorecido a distorção das informações usadas para a planificação, como pode acontecer em certas grandes empresas, cujo desempenho cai, devido ao desperdício informacional.
38 - Teoria/explicação sociológica: Os soviéticos queriam mais conforto material, melhores serviços públicos e aceitavam cada vez menos um sistema autoritário e excessivamente centralizado. Essa contestação crescente era sinônimo de menos esforço realizado para atingir os objetivos planificados, o que explica, em parte, a queda da produtividade constatada a partir dos anos 70. Para oferecer melhores condições de vida e garantir mais liberdade, o sistema tinha, então, que mudar. (...) Esse conflito entre a sociedade soviética e seu próprio sistema era, também, acompanhado de um conflito distributivo dentro da população soviética. De fato, muitos integrantes do sistema, que seja os dirigentes de empresa, os intelectuais ou os responsáveis administrativos estimavam, apesar dos seus privilégios, merecer muito mais do ponto de vista material. Dirigentes queriam se diferenciar mais. Enfim, muito grupos queriam mudanças (ainda que não do mesmo tipo, segundo entendi).
39 - Logo, Gorbatchev percebeu a necessidade de reformar profundamente o sistema soviético. Esse processo de renovação ia levar o nome de “Perestroika” (reconstrução). O propósito da Perestroika era, então, o de acelerar o crescimento econômico da União Soviética. Mas, como observa a conselheira de Gorbatchev Tatiana Zaslavskaia, essa meta foi ficando mais complexa. (...) Ele identificou dois grandes problemas que deveriam ser prioritariamente resolvidos para retomar o caminho do crescimento: o relaxamento da disciplina dos trabalhadores e o modo de regulação da economia soviética. De fato, Gorbatchev pensou que, para solucionar o primeiro problema, era necessário acabar com a tradição de comando rígido dentro das empresas e favorecer uma maior participação dos trabalhadores na gestão e nos processos de decisão. Da mesma forma, ele estava convencido de que, para resolver o segundo problema, deviam ser introduzidos no sistema soviético incentivos, até então ausentes, como o lucro e a concorrência.
40 - Glasnost e sua relação com a Perestroika: A primeira parte do programa da Perestroika foi a liberdade de opinião. Assim, a chamada “Glasnost” (abertura) devia abrir um espaço de discussão a fim de determinar o melhor caminho para conduzir as reformas. Além disso, Gorbatchev esperava que a Glasnost o ajudasse a conquistar a adesão de uma população que tinha se afastado muito do sistema soviético e de seus dirigentes. Ele achava que era a única opção para levar seus compatriotas a acompanhar e apoiar a renovação do modelo soviético. (...) A Glasnost não começou numa data precisa. Por exemplo, já em maio 1985, Gorbatchev cancelou a censura de vários filmes e livros que tinham sido considerados anti-soviéticos. Mas, o verdadeiro ato de nascimento da Glasnost foi um discurso de março 1986 durante o qual ele incitou a mídia a criticar a burocracia comunista. Esse convite foi aceito com entusiasmo pelos jornalistas, logo em seguida acompanhados por todos os intelectuais. O movimento de questionamento do sistema, seja na mídia ou nos círculos acadêmicos, só foi se ampliando ao longo do tempo. Como veremos mais tarde, muitos exerceram esse “direito de crítica” bem além do que estava querendo Gorbatchev.
41 - A primeira parte da reforma econômica visava aumento da disciplina e renovação do aparelho produtivo envelhecido. Não eram mudanças radicais. Esperava-se a reaceleração do crescimento desde já. Foram autorizadas algumas cooperativas também (iniciativa privada ainda tímida, de pequena escala e com clientela local). De toda forma, em 87 a estagnação continuava clara. Foi aí que começaram a aprofundar. Supostamente se avançaria na autogestão, mas num contexto crescentemente de mercado. Cada empresa teria que administrar seu próprio orçamento de funcionamento, decidindo sobre a evolução dos salários e dos investimentos. O autofinanciamento supunha a geração de lucro, cuja repartição entre os funcionários e o investimento seria decidida internamente. Essa lei mostra claramente um avanço decisivo na regulação da economia soviética, onde são introduzidos elementos de mercado.
42 - Um passo importante na direção da introdução da iniciativa privada e na abertura econômica da União Soviética foi a Lei sobre as empresas estrangeiras, publicada em janeiro de 1987, que permitia a criação de “joint ventures” por firmas não soviéticas na URSS.
43 - A segunda fase (1988-89) aprofunda a combinação de planejamento com descentralização: ...a lei de 1988 era bem mais radical. Ela autorizava a constituição de cooperativas que podiam vender seus produtos ou seus serviços diretamente para o público. A lei garantia a propriedade das cooperativas e permitia a contratação de empregados, mesmo se elas deviam funcionar em parte com o trabalho dos seus membros. (...) A segunda fase da reforma econômica foi, então, uma verdadeira revolução, que começou a derrubar os dois princípios fundadores do sistema soviético: a propriedade estatal dos meios de produção e o planejamento centralizado diretivo. Também acabou não tendo muito resultado. Houve crescimento econômico fraco, de um a dois por cento.
44 - ...A terceira fase, que começa no final de 1989, escapou do controle de Gorbatchev. Assim, ao contrário de muitos acadêmicos, consideramos que essa terceira fase não pertence mais à Perestroika, porque foi abandonada a idéia de preservar traços socialistas na economia da URSS. Por isso, decidimos integrá-la à parte seguinte, que trata do fracasso da Perestroika.
45 - Por fim, alguns passos no sentido da democratização: Na reunião de 1987, foi proposta a legalização da presença de vários candidatos nas eleições dos soviets. Essa prática foi oficializada com a nova Lei eleitoral de dezembro de 1988, que abria caminho para eleições mais livres, com candidatos não necessariamente oriundos do PCUS.
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