Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais - Capítulos 4 e 5 (PARTE "A")

                                                                             

Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais



Pgs. 235-251


"CAPÍTULO 4: "Repartição da mais-valia"


182 - O sobrelucro resulta da desigual repartição da mais-valia entre os capitalistas. (...) É precisamente nesta parte de valor não aproveitada pelos capitalistas retrógrados que tem origem o sobrelucro de que se beneficiam os capitalistas inovadores.


183 - A distinção que ele faz entre repartição e apropriação da mais-valia ficou no plano abstrato pra mim. Quais os efeitos práticos dessa diferenciação, por exemplo?


184 - Os mecanismos da mais-valia relativa suscitam uma produção de nova mais-valia incomensuravelmente superior à fração destruída, mas disso são os capitalistas das empresas mais produtivas que se aproveitam, e não os das retardatárias. Para estes, o aumento geral da produtividade implica uma perda relativa de capital, a que se acresce a perda absoluta.


185 - ...Também são mecanismos de concentração: As pressões resultantes da concorrência pela produtividade parecem obrigar inelutavelmente as empresas retardatárias a copiar as inovações introduzidas, ou ultrapassá-las criando tecnologias ainda mais avançadas. E, para aqueles capitalistas que não o conseguirem e se apropriarem apenas de um montante de mais-valia inferior à desvalorização de capital que sofrem, restará a solução da venda do estabelecimento ou até da falência


186 - A pequena retardatária - a depender do nível disso - pode conseguir sobreviver mediante guerra de preço. A competição no nível dos preços representa uma completa inversão da concorrência clássica. Não se destina a pressionar pela igualização dos sistemas de produção, mas resulta precisamente da intransponibilidade dos obstáculos erguidos a essa homogeneização. Uma solução para que isso não desmonte toda a possibilidade de lucro é tentar aumentar a mais-valia absoluta já que não se consegue evoluir a relativa.


187 - Os mecanismos da circulação são, neste modelo, constituídos fundamentalmente pela repartição intercapitalista da mais-valia, a qual decorre da concorrência na produção. (Simples assim? Mas se há extorsão de mais-valia mesmo nos setores da circulação... Creio que a coisa deveria ser mais complexa. Vide nossas definições de trabalho produtivo).


188 - Simbiose com as CGP: Aquelas empresas que mais estreitamente se relacionam com dadas CGP e com as instituições políticas centralizadoras e coordenadoras dos processos econômicos são as que aparecem em primeiro plano no desenvolvimento geral da produtividade e, assim, ocupam o lugar de ponta nos mecanismos da mais-valia relativa.


189 - Contesta Marx, pois este supostamente teria defendido em caráter absoluto que os capitais tenderiam a afluir a empreendimentos de baixa composição orgânica a fim de aproveitar maiores possibilidades de lucro. Diz JB: É para os ramos com composição orgânica superior, e não inferior, que o capital tende a afluir, porque é neles que encontra as condições de produtividade mais favoráveis para o declínio dessa mesma composição orgânica. (Penso que o capital está pouco se lixando para "composição orgânica" e vai para onde possa obter maior taxa de lucro, variando o setor "do momento", até por razões que Marx explicou. Tem a ver com as CGP de cada jurisdição/país também. É por isso que vão muito pra país rico.).


190 - Cita que muitas empresas se aproveitam de maior influência sobre as CGP. Creio que fala de capital político mesmo, para conseguir benesses tributárias e afins. Isso também acentuará a distribuição desigual da mais-valia.



Pgs. 252-264


"CAPÍTULO 5: "Dinheiro"


191 - Mais (ou menos) do que resolver, JB preferiu jogar no lixo o problema da transformação. Evoca os efeitos das inovações tecnológicas dos ciclos de mais-valia relativa sobre os retardatários para dizer que: ...Apenas uma parte desta desvalorização resulta no sobrelucro de que se beneficiam os capitalistas que controlam as empresas tecnologicamente inovadoras. A parte restante implica uma perda de valores, não realizados em proveito de nenhum capitalista. Assim, os mesmos mecanismos que asseguram a criação exponencial de valor acarretam, ao mesmo tempo, perdas de valor. É por isso desprovida de fundamento a equivalência que Karl Marx tão frequentemente estabeleceu — embora ocasionalmente compreendesse também o contrário — entre o valor do output total e a soma total dos preços. Se essa equivalência não tem razão de ser, perde então qualquer validade a concepção dos preços particulares como expressão, direta ou transformada, dos valores particulares; só uma correspondência global entre ambos os conjuntos poderia justificar a pretensa relação expressiva entre as parcelas componentes de um e outro


192 - ...Quando, por qualquer razão natural ou econômico-social, as condições de produção de um dado bem são dificultadas e a produtividade declina, aumentando o valor de cada um dos bens daí em diante produzidos, acresce igualmente o valor atribuído aos bens do mesmo tipo resultantes das condições anteriores. Torna-se, por isso, duplamente impossível estabelecer qualquer equivalência entre o valor do output global e a soma total dos preços.


193 - A crise só faz acelerar algumas coisas: Na crise agravam-se as condições de funcionamento do sistema e as suas causas são as do próprio sistema; a sua especificidade, enquanto retração do capital, é a de generalizar a desvalorização, a qual, em âmbito mais reduzido, é um aspecto sempre indissociável do processo de aumento da produtividade


194 - Ele próprio confirma. O modelo de JB deixa de lado a questão. Como mostrei na seção anterior, os capitalistas apoderam-se primeiro globalmente da mais-valia produzida pela totalidade da classe trabalhadora, para em seguida a repartirem entre si, até a apropriação final, por cada um, da fração que lhe corresponder. Não há, neste modelo, nenhuma relação expressiva, direta ou transformada, entre o valor de um dado bem e qualquer dos seus preços possíveis


195 - O dinheiro não exprime os valores; permite o funcionamento desequilibrado e imprevisível deste modo de produção. (...) O dinheiro é, no modelo que aqui apresento, precisamente a condição para que a economia possa funcionar e possa, portanto, ser real.


196 - Se eu lembro se isto aqui é verdade? Claro que não lembro. ...Ao mesmo tempo que se referia sempre com neutralidade ao dinheiro-metal precioso, a esse pretenso dinheiro-mercadoria, Marx reservava sarcasmos e expressões pejorativas para o papel-moeda, o dinheiro de crédito e as demais formas consideradas meramente simbólicas, que apresentava como algo de perverso e mesmo de fictício.


197 - Ouro só serviu por um tempo: Enquanto o aumento da produção do ouro e da prata permitiu acompanhar o aumento do dinheiro em circulação e depois, numa fase seguinte, o mero acréscimo das reservas consideradas necessárias, estes metais preciosos puderam, sem inconvenientes práticos, continuar a desempenhar seu papel na esfera monetária. Quanto mais amplo, porém, ia sendo o desenvolvimento do capitalismo e quanto mais volumosas, por isso, eram as emissões monetárias, tanto mais reduzida se tornava a fração que no total ocupava o dinheiro metálico. Nos termos legais, a cobertura em metal precioso requerida para a emissão de notas pelos bancos centrais foi sendo progressivamente complementada por outras formas de dinheiro, como divisas estrangeiras, letras comerciais, títulos do tesouro, obrigações do governo e outros títulos.


198 - Ainda hoje há quem "só veja" o ouro: Pretender que o metal precioso serve de garantia a uma massa monetária que ultrapassa em expoentes cada vez mais consideráveis é condenar ao absurdo o conceito de garantia


199 - JB também coloca que o lastro em metais eram a preferência da aristocracia e seu gosto pelo entesouramento. Sob o ponto de vista social, esse círculo vicioso reflete a completa ultrapassagem da aristocracia pelas classes capitalistas, que recorrem aos tipos de dinheiro que lhe são próprios.


200 - Se o dinheiro não exprime valores, mas torna operacional a relação entre as suas defasagens, então não é uma mercadoria que garante cobertura ao dinheiro. Quaisquer que sejam os seus tipos, o dinheiro no capitalismo adquire validade apenas porque e na medida em que se reproduz a atividade produtora de mais-valia.


201 - Por um lado, no processo de aumento da produtividade, o crédito decorre do desenvolvimento da integração econômica, globalizando os capitalistas que, mediante o capital assim concentrado, enfrentam cada vez mais estreitamente associados a força de trabalho; e as operações de crédito constituem também, por outro lado, mecanismos da desigual repartição da mais-valia.


202 - A todo tempo, JB insiste numa diferenciação da sua concepção e a de Marx e marxistas. A sociabilização se dá já na produção e não na esfera de circulação. A produção já enseja relação social. Capitalismo não é um sistema em que as relações sociais se dão exclusivamente por meio das mercadorias. Por isso que me parece dizer que a mais-valia já é apropriada globalmente antes de mudar de esfera. A circulação teria a ver com a repartição. Na prática das coisas, ainda não sei bem qual a diferença...


203 - ...JB contra os marxistas ortodoxos: ...E confirma-se, assim, que um quadro teórico onde não se concebe um relacionamento social na produção requer a atribuição ao dinheiro das características de mercadoria.


204 - Karl Marx retroprojetou a sua concepção mítica de mercado livre-concorrencial numa pretensa “produção mercantil simples” que, enquanto forma pré-capitalista, é também mera fantasia, sem qualquer existência histórica. (...)  JB corrige a suposta fantasia: O que caracterizava este sistema era a possibilidade de oscilação de um mesmo bem material entre duas funções econômicas radicalmente distintas: ou, por um lado, artigo de presente, de escambo ou mercadoria; ou, por outro, dinheiro.


205 - Evoca os estudos sobre as múltiplas civilizações. Sucedeu com muita frequência que um bem correntemente preferido e que, por conseguinte, tantas vezes figurava entre os presentes e nas operações de escambo, fosse também, em virtude dessa difusão, utilizado como suporte da função dinheiro. Documentam-se então múltiplos casos de alteração de bens, tornando-os impróprios para qualquer outro uso que não fosse o monetário. Armas e instrumentos de trabalho metálicos, ao mesmo tempo utilizados nas suas funções específicas e como dinheiro, começaram progressivamente a repartir-se entre os que eram fabricados na forma usual e os que sofriam mudanças no formato, eventualmente variações acentuadas na dimensão, que os deixavam sem qualquer possibilidade de corresponder ao uso original e os reservavam para a função monetária. Nestes casos, coexistiam as armas e instrumentos que pela sua forma podiam continuar a servir na guerra ou nos ofícios produtivos e aqueles que, em virtude das modificações introduzidas, eram exclusivamente destinados a dinheiro. Até animais e tecidos foram, por vezes, modificados permanentemente a fim de virarem irreversivelmente dinheiro. Enfim, dá vários exemplos. 


206 - ...É certo que nem todos os elementos preferenciais de presentes ou de escambo sofreram esse processo de diferenciação. Em muitos casos, objetos, animais e cereais continuaram na mesma forma útil a ser utilizados nos sistemas de presentes e de permutas, e nos de dinheiro. (...) Quando surgiu um dinheiro completamente especializado, isso ocorreu precisamente em ruptura, e não em associação, com a forma de mercadoria. O desenvolvimento histórico não produziu qualquer dinheiro-mercadoria, mas um dinheiro antimercadoria.


207 - BC's e estabilidade: É esta conjugação, e mesmo harmonização, dos interesses globais dos capitalistas que serve de garantia e de cobertura às notas; e, enquanto o ritmo de emissão corresponder à taxa de crescimento do output em cada país, as notas serão aceitas pelo público como aquilo que pretendem ser.


(...)


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