Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais - Capítulo 3 (PARTE "A")

                                                                           

Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais



Pgs. 170-197


"CAPÍTULO 3: "Integração econômica"


131 - Cria os conceitos "condições gerais de produção" e "unidades particularizadas de produção":  Enquanto as CGP iniciam a generalidade das remodelações tecnológicas e dão aos seus efeitos o âmbito mais vasto possível, cada UPP limita-se a veicular tais efeitos ao longo da linha de produção em que diretamente se insere, e dessa apenas. Instituições repressivas, as de saúde, ensino, urbanismo e afins entram nas CGP. Há, ainda, energia, transportes, comunicações... Infraestruturas em geral.


132 - Repressão e mais-valia relativa: Sob este ponto de vista, a distinção entre a mais-valia absoluta e a relativa consiste na alternativa entre a intervenção generalizada das forças repressivas desde o primeiro momento dos conflitos, para travá-los a todo custo, e a sua presença enquanto pano de fundo social, para enquadrar as reivindicações e tentar assegurar o sentido em que poderão ser assimiladas e recuperadas.


133 - Coloca que o urbanismo serve pra baratear a vigilância também, além de poder arquitetar meios de evitar resistências físicas (remodelação de Paris pós-Comuna foi o exemplo citado). 


134 - Outro integrantes das CGP: ...Condições gerais da operatividade do processo de trabalho. São as condições para que o processo de trabalho, definido como processo de exploração, possa ocorrer materialmente. (...) Em primeiro lugar, os centros de investigação e de pesquisa, tanto teórica como aplicada, mediante os quais os capitalistas realizam e reproduzem o seu controle sobre a tecnologia empregada, dela excluindo os trabalhadores. Em segundo lugar, as várias formas de captação, veiculação e armazenamento de informações, que conferem aos capitalistas o controle dos mecanismos de decisão e lhes permitem impor à força de trabalho os limites estritos em que pode expressar opiniões ou tomar decisões relativamente aos processos de fabricação.


135 - Inclui ainda, na CGP, armazenagem geral, publicidade e os sistemas de veiculação, cruzamento e comparação de informações que permitem o estabelecimento de relações entre produtores e consumidores.


136 - Nota-se, coloca, que diferentes instituições ou unidades podem ter mais de uma função das CGP.


137 - Estado amplo: ...No interior de cada empresa, os capitalistas são legisladores, superintendem as decisões tomadas, são juízes das infrações cometidas, em suma, constituem um quarto poder inteiramente concentrado e absoluto, que os teóricos dos três poderes clássicos no sistema constitucional têm sistematicamente esquecido, ou talvez preferido omitir. E, no entanto, a lucidez de Adam Smith permitira-lhe já colocar ao lado do poder político, tanto civil como militar, o poder de comandar e usar o trabalho alheio.


138 - Numa perspectiva a longo prazo e em traços muitíssimo gerais, podemos admitir que, quanto mais reduzidas forem as possibilidades de extorsão da mais-valia na sua forma relativa e, portanto, quanto mais obstáculos se depararem à concentração do capital, menos fortes e de âmbito mais limitado serão os laços que integram reciprocamente os capitalistas. Nestas condições, é mínima a coesão entre eles, não havendo regras de jogo claramente definidas e aceitas por todos, o que diminui a possibilidade de existência de uma democracia formal e torna mais sistemático o recurso ao autoritarismo. Como, porém, a própria debilidade das relações intercapitalistas é um fator de instabilidade, ao mesmo tempo que autoritários, estes regimes são muito pouco sólidos e uma sucessão de golpes e contragolpes acaba, afinal, por constituir uma forma de rotativismo no interior das classes dominantes.


139 - Um resumo da questão central das empresas enquanto órgãos de poder: ...a luta de classes, motor da mais-valia relativa, acarretando o reforço da integração econômica das empresas, permite-lhes prosseguir a centralização política na sua esfera própria. Quanto mais estreito o relacionamento recíproco dos polos de acumulação do capital, tanto maior é a coesão estabelecida entre os capitalistas. (...) Em conclusão, a superestrutura política evolui no sentido do reforço do Estado A e das suas funções centralizadoras, com a consequente redução da esfera de poder do Estado R e o enfraquecimento das suas instituições.


140 - Repressão e vigilância não ficam apenas ao Estado Restrito. Da história do capitalismo estadunidense na segunda metade do século XIX, é indissociável o nome de Allan Pinkerton, antigo sindicalista que fundou aquela que viria a ser a maior agência de polícia privada, reputada entre outras coisas pela repressão às organizações trabalhistas e pelo ataque a greves, com um sangrento cortejo de vítimas, executadas pela lei ou abatidas privadamente. Esta tendência, ao prosseguir, adequou-se à evolução dos conflitos sociais e hoje o pessoal das agências de segurança especializadas, excluindo, portanto, os que são empregados diretamente pelas empresas, atinge nos Estados Unidos cerca do dobro do número de policiais e congêneres a serviço do Estado R, com um orçamento quase duplo também. Nos últimos anos tem-se manifestado ainda, em vários países, uma tendência para entregar a empresas particulares a construção e administração de prisões. Ao mesmo tempo que uma percentagem cada vez maior das instituições repressivas se coloca na dependência direta do Estado A, aumenta drasticamente o número dos que são visados pela sua atuação. Cita, ainda, o uso de polígrafos nos inquéritos privados de algumas empresas. (...) Deste modo, pretende selecionar-se um conjunto de trabalhadores altamente produtivos, o que mostra que as novas técnicas de repressão se inserem na orientação geral de recuperação e assimilação dos conflitos sociais.


141 - Quando alguma instituição que se situava na esfera das formas tradicionais de poder é privatizada, isso significa apenas que o Estado R reduziu o seu âmbito, em benefício do Estado AO que quer dizer que o sufrágio se secundariza relativamente à cooptação


142 -  Como, ao mesmo tempo, é uma prática corrente a dos subsídios patronais e sindicais a partidos e candidatos concorrentes ao sufrágio, completa-se o cerco efetuado pelo Estado A ao Estado R.


143 - Corporativismo a la "Socialismo Real": O modelo da cooptação, característico do Estado A, começou aqui a presidir à totalidade das instituições de ambos os tipos de aparelho de poder. Por outro lado, como foi esta precisamente uma variante em que o caráter ditatorial do Estado R se combinava com o caráter fortemente repressivo do Estado A, os sindicatos burocratizados fundiram-se inteiramente, tanto com as direções das empresas, como com as instituições originárias do Estado R. A articulação entre os três componentes, que caracterizava o corporativismo, deu lugar, na variante leninista-staliniana, a uma verdadeira fusão.


144 - Início da tragédia na URSS: As formas sociais resultantes da luta dos trabalhadores industriais haviam se extinguido na Rússia quando o operariado se dispersou e se dissolveu na guerra civil, para ser assimilado num exército de base camponesa e direção bolchevique


145 - Capital externo: Já no século XIX e nos inícios do século XX o capital estrangeiro organizava grandes plantações ou construía ferrovias e canais em torno dos quais adquiria verdadeiros direitos de soberania, rivalizando com os Estados tradicionais autóctones ou sendo mesmo, tantas vezes, mais forte do que eles. Mas o fator novo e de importância decisiva é o estreito relacionamento estabelecido nas últimas décadas entre o capitalismo local e as filiais das maiores empresas mundiais. É este talvez o ponto de maior contraditoriedade no processo de evolução do corporativismo, pois que o poder assumido nestes países pelas instituições cooptadas oriundas do Estado R depara com a crescente influência das transnacionais, empresas que em tantos casos são economicamente mais fortes do que o conjunto econômico-político autóctone.


146 - Essa contradição entre o caráter localizado dos Estados R e a crescente importância de um Estado A que supera as fronteiras tem a sua expressão ideológica no chamado “antiimperialismo”, que constitui, portanto, uma problemática exclusivamente interna às estruturas de poder capitalistas, sem em nada afetar diretamente a situação da força de trabalho enquanto explorada.


147 - Coloca o "neocorporativismo informal" como tendência. Quanto maior for o desenvolvimento da mais-valia relativa e, por conseguinte, quanto mais se estreitar a integração econômica, tanto mais fácil e operante será o contato pessoal entre os detentores do poder e maior será a informalidade no funcionamento do Estado, em detrimento dos mecanismos constitucionalmente estabelecidos. É este contexto que explica a nova importância dos clubes sociais, dos lobbies, dos convênios a portas fechadas e de tantas outras reuniões de perfil dificilmente definível por quais os detentores de poder se relacionam à medida das necessidades. Será esta informalidade o alvo das transformações futuras?


148 - Ainda há democracia em tal cenário? Fica assim excluída a participação popular da definição da democracia. Por isso a liberdade deixa de ser entendida por estes novos ideólogos como a capacidade de intervenção nos mecanismos de Estado e passa a ser explicitamente apresentada como uma função da possibilidade de escolha por parte do consumidor, defrontado com um leque cada vez mais amplo de produtos de uso corrente. Está-se deste modo apenas conceituando o processo mediante o qual se produz num tempo de trabalho decrescente um crescente volume material de inputs da força de trabalho. Em condições de desenvolvimento da mais-valia relativa, os ideólogos do capital definem a liberdade, afinal, como o reforço da exploração.


149 - ...Por isso as empresas transnacionais tornaram-se o principal elemento motor do neocorporativismo, assumindo hoje o lugar de vanguarda na remodelação da superestrutura política. Se considerarmos como uma primeira fase a do predomínio do Estado R, a segunda foi inaugurada com o prevalecimento do Estado A e dos seus modelos organizativos e a terceira fase, que começamos hoje percorrer, consiste na transnacionalização do Estado A. Quase um governo mundial.


150 - Conclusão de JB:  Esta perspectiva dinâmica permite afirmar que cabe hoje às transnacionais o papel motor na síntese mundial das superestruturas políticas, na constituição informal em escala supranacional de um neocorporativismo, como aliás alguns lúcidos ideólogos do capitalismo vem insistindo desde a década de 1960.


(...)


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