Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais - Capítulo 2 (PARTE "C")
Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais
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Pgs. 121-143
"CAPÍTULO 2: "Mais-valia relativa e mais-valia absoluta"
95 - Longa explicação-resumo do modelo de JB sobre as economias de subsistências presas no ciclo vicioso da mais-valia absoluta: Deste modelo demográfico e social resulta que, em primeiro lugar, o caráter prematuro do trabalho juvenil e a sua freqüência limitam o período destinado à formação da força de trabalho. Em segundo lugar, quanto mais importante é a fração ocupada pelas formas arcaicas na obtenção dos bens de subsistência, tanto mais se reduz o trabalho em âmbito doméstico dedicado à educação dos jovens; e, dadas as dificuldades de acumulação verificadas no sistema de mais-valia absoluta, os capitalistas estão longe de poder compensar aquela redução com o desenvolvimento de instituições especializadas na formação de força de trabalho; desta conjugação de fatores decorre que é nula ou mínima a defasagem entre o tempo de trabalho incorporado nos jovens trabalhadores e o incorporado nos progenitores. Em terceiro lugar, como esta situação ocorre num contexto de elevado crescimento demográfico, se o tempo de trabalho despendido na formação da força de trabalho enquanto conjunto não aumenta, ou aumenta apenas muito escassamente, o incorporado na formação de cada um dos indivíduos do conjunto estagna ou até diminui. Os jovens trabalhadores não são, portanto, capazes de um trabalho mais complexo, o que acarreta uma dupla conseqüência: por um lado, os capitalistas não podem se beneficiar dos mecanismos de desvalorização da força de trabalho após a sua passagem de output a input; por outro lado, capazes somente de um trabalho pouco qualificado, os novos trabalhadores que entram no processo de trabalho podem sustentar apenas a exploração conforme a mais-valia absoluta, prolongando-se assim a estagnação tecnológica e confirmando-se, uma vez mais, que é a qualificação da força de trabalho o agente motor do progresso técnico. Daí vem a ausência de choques culturais/geracionais na estagnação econômica.
96 - Lutas pela redução legal de jornada podem ter efeitos diversos em cada categoria, pois o mix mais-valia-relativa/absoluta depende do contexto. Capitalistas sempre querem extrair o máximo de que forma for. O estabelecimento legal ou contratual de uma jornada mais curta é uma forma de homogeneizar em nível estritamente jurídico uma força de trabalho heterogênea em nível econômico e social. A definição do horário-limite possibilita a organização efetiva dos processos de trabalho consoante a mecanismos econômicos distintos: ou mediante formas de trabalho mais complexo e, em geral, mediante o acréscimo da produtividade, o que se insere nos mecanismos da mais-valia relativa; ou mediante a intensificação do esforço despendido, o que decorre da mais-valia absoluta. Pode assumir deste modo uma aparência de igualdade social aquilo que, na realidade, é heterogêneo e diversificado.
97 - Temos então a forma clássica pela qual as maiores empresas, as mais modernas tecnologicamente, organizam-se recorrendo preferencialmente aos mecanismos da mais-valia relativa, enquanto a mais-valia absoluta prevalece em grande número de pequenas empresas que, tecnologicamente retardatárias, estão para com as primeiras em posição de subcontratantes. Não quero com isto dizer que, em todas as subcontratantes, a produtividade esteja condenada à estagnação. Sucede com muita freqüência que, quando se inauguram novos ramos de produção, as pequenas empresas detenham por algum tempo a tecnologia de ponta, enquanto o processo de concentração não faz sentir os seus efeitos e enquanto as grandes empresas, já estabelecidas em outros ramos, não consideram os novos caminhos suficientemente desbravados para poderem, sem risco, investir nos tipos de tecnologia que se confirmarem como os mais adequados.
98 - Subcontratadas: Trata-se de uma particularização meramente jurídica da propriedade, pois as pequenas empresas estão inteiramente cercadas pelas grandes, quer quanto à obtenção dos inputs de que necessitam, quer quanto ao mercado para o seu output, ou constituído exclusivamente pelas grandes empresas para as quais laboram por contrato, ou por estas dominado. A grande fica com o filé. As atividades que permitem maior expansão via mais-valia relativa. Assim, não só o processo formal de concentração incide sobretudo na área da mais-valia relativa como, para operar mais velozmente, repele as unidades econômicas em que prevalecem, ou tendem a prevalecer, os mecanismos da mais-valia absoluta.
99 - Coloca que, num primeiro momento do capitalismo, o crescimento da utilização de matéria-prima pôde ser extensivo, aumentando as áreas de plantios e afins. A partir de certa altura, o desenvolvimento da produtividade nas áreas mais industrializadas começou a exercer sobre a procura de matérias-primas pressões a que os processos meramente extensivos foram incapazes de responder. Os setores primários tiveram que entrar na corrida da mais-valia relativa.
100 - ...Estas pressões ocasionam os seguintes mecanismos: a) aumento dos investimentos em países ou regiões exclusiva ou preponderantemente produtores de matérias-primas, destinados a remodelar os processos de cultivo ou extração, de maneira a torná-los mais intensivos; b) aumento dos investimentos nos ramos produtores de matérias-primas nos países mais industrializados, ou abertura aí desses ramos; c) investimentos nos países mais industrializados, destinados a iniciar a fabricação de sintéticos, ou aumento de dos investimentos já existentes nesse ramo; d) remodelações tecnológicas que reduzam o input de matérias-primas necessário a cada unidade de output. Coloca que o "a" é o mais complicado, por falta de mão-de-obra qualificada.
101 - Argumenta que, em tese, é mais fácil para o capital externo que o interno dinamizar as economias "atrasadas". A partir das filiais das transnacionais desenvolvem-se, portanto, nos países ou em vastas regiões onde prevalece a mais-valia absoluta, polos de mais-valia relativa. Porém, dificilmente farão um país crescer só por elas, digamos assim. Nas vastas áreas onde prevalece a mais-valia absoluta, aquele número reduzido de empresas que, mais ou menos, se desenvolve conforme a mais-valia relativa depara com um obstáculo fundamental, resultante da fraquíssima produtividade com que aí se cultiva a grande parte das subsistências da força de trabalho. A intenção é "aproveitar" e não a de "desenvolver".
102 - Traz uma extensa lista de melhorias agrícolas recentes que servem até mesmo à estrutura arcaica se aplicadas. Tais técnicas incidem, em primeiro lugar, na produção de alimentos, pela criação de novas variedades de cereais, sobretudo de trigo, arroz e milho, mais resistentes à doença e rendendo maiores colheitas; pela introdução de novos tipos de fertilizante; pelo desenvolvimento de uma infraestrutura de irrigação e drenagem; pela difusão de novos instrumentos e processos de cultivo; pela introdução de inseticidas, pesticidas e herbicidas. Em segundo lugar, são também introduzidas novas técnicas nos sistemas de trabalho doméstico, por exemplo divulgando formas de cozinha e aquecimento que poupem lenha. Nos países ditos subdesenvolvidos, cerca de 4/5 da madeira cortada destinam-se à combustão, de modo que uma poupança neste setor diminuirá o desbravamento florestal, conservando-se assim melhor os solos, com o consequente aumento da produtividade agrícola. Em terceiro lugar, induzem-se técnicas na produção de força de trabalho, divulgando-se novas formas de controle da natalidade.
103 - ...Aumenta-se a área plantada sem necessariamente mudar a qualificação da mão-de-obra (compatibilizando com a estrutura familiar arcaica).
104 - Articulação entre as mais-valias nos países de ponta (Não sei se mudou muita coisa lá dos anos noventa pra cá): ...Nestes países regidos pela mais-valia relativa, o capitalismo prosseguiu, de maneira deliberada e planificada centralmente, uma política de subsídios, tarifas aduaneiras e restrições e controles variados, para criar um ambiente econômico que permitisse às pequenas explorações agrícolas familiares atingirem elevadíssimos níveis de produção por área cultivada. A mais-valia relativa ia passando a operar. Chegou-se então à situação em que o enorme aumento de produção agrária, articulado com um forte crescimento geral nestas economias mais industrializadas, permitiu a redução, não apenas relativa, mas absoluta, da mão-de-obra rural, diminuindo o número de famílias camponesas e, nestas, diminuindo o número de membros que se dedicam às atividades agrárias.
105 - ...Decisivo é o fato de esta estratégia econômica ter incidido não apenas, nem sobretudo, nas grandes empresas agrícolas que movimentam uma força de trabalho assalariada, mas em explorações familiares, deliberada e planificadamente preservadas pelos centros de decisão capitalistas, e que, ou não recorriam ao assalariamento, ou o faziam apenas auxiliarmente. Nestas condições, o tempo de trabalho da mão-de-obra familiar não é contabilizado, o que significa que foi sobreutilizando as suas próprias capacidades que estas famílias camponesas conseguiram impulsionar a transição para formas de agricultura altamente produtivas. Mesmo este desenvolvimento e generalização do sistema de mais-valia relativa exigiu, portanto, a íntima conjugação com um método decorrente da mais-valia absoluta.
106 - Na perspectiva ... da economia global dos países altamente industrializados, os ramos de produção sustentados por imigrantes são caracterizadamente de mais-valia absoluta e, assim, um processo que parecia conduzir a uma atenuação das diferenciações acaba por reproduzir a articulação entre ambos os regimes de exploração.
107 - Coloca que os filhos de imigrantes muitas vezes terão dificuldade em acompanhar os ritmos das escolas e continuarão a baixa qualificação dos pais. Aqueles críticos do capitalismo que se mostram incapazes de entender os mecanismos de desenvolvimento da produtividade citam freqüentemente a percentagem dos que completam os longos anos de escolaridade obrigatória sem serem capazes sequer de ler uma frase simples, como prova de que o capitalismo acarretaria sempre a desqualificação dos trabalhadores. Ao contrário, é apenas uma demonstração de que, até hoje, o desenvolvimento da mais-valia relativa, mesmo nos seus casos extremos, não deixou nunca de se conjugar com a manutenção de áreas de mais-valia absoluta.
108 - Como as mais-valias costumam estar articuladas, também as formas de resposta patronais que elas geram se misturam. ...basta que a análise se amplie um pouco, abrangendo um conjunto de contestações ou projetando-se ao longo do tempo, para que a regra seja a de uma combinação entre conciliação e repressão.
109 - Os trabalhadores inseridos nos mecanismos da mais-valia relativa enfrentam condições que tornam mais fácil aos capitalistas agravar a taxa de exploração, enquanto os trabalhadores sujeitos à mais-valia absoluta deparam com condições em que a taxa de exploração é, em princípio, mais limitada.
110 - Coloca que a "drenagem de capital" para os desenvolvidos vem da baixa produtividade/taxa de lucro de boa parte das atividades em emergentes nos setores onde predominam os mecanismos de mais-valia absoluta.
111 - Os capitalistas do subdesenvolvimento tendem, segundo JB (e já vi outros textos indicando) a consumir mais do lucro do que os "de ponta". Nas regiões e nos ramos onde a mais-valia absoluta domina, a maior desigualdade nos rendimentos consumidos não serve para calcular o grau de exploração, mas apenas o grau de não-reinvestimento do lucro, que não regressa aos ciclos do processo de produção porque estes não lhe permitem uma reprodução suficiente. E é porque a mais-valia relativa facilita o agravamento da taxa de exploração que pode aí ser menor a percentagem dos lucros dedicada ao rendimento pessoal dos capitalistas e acelerar-se a reprodução em escala ampliada do capital. (Dados seriam legais, mas enfim... Que eu lembre, há em outros textos).
112 - Apesar de desprovida de qualquer fundamento racional, a confusão entre o nível material de consumo e o grau de exploração resulta inevitavelmente das situações em que os trabalhadores inseridos em cada um dos regimes de mais-valia lutam em isolamento recíproco.
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