Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais - Capítulo 2 (PARTE "B")
Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais
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Pgs. 106-120
"CAPÍTULO 2: "Mais-valia relativa e mais-valia absoluta"
81 - Surge a "cultura juvenil" e o "conflito geracional": Quando reinava a produção artesanal, os pais eram o repositório do saber e apareciam como o modelo a imitar; e a aprendizagem, ou se fazia no quadro familiar ou, se era outro o mestre, o aprendiz reproduzia para com ele as relações de obediência filial. O capitalismo desde o início rompeu este quadro mas, enquanto não era muito sensível a diferença entre o tempo de trabalho incorporado em cada indivíduo da nova geração e o incorporado nos da precedente, a autoridade doméstica não se encontrava seriamente comprometida. Nos períodos e nas regiões, porém, em que se aceleraram os mecanismos de formação dos trabalhadores, precipitaram-se os conflitos de gerações, que além disso mudaram de fisionomia. Quanto mais restrito é o papel da atividade doméstica na formação da nova força de trabalho, tanto mais a geração dos pais é desprezada pela dos filhos, porque é esta agora quem sabe mais.
82 - A realização de mais-valia não é apenas vender. O capitalista não pode vender tudo que tem, por exemplo. Se ninguém mais quiser ter máquina para fábrica, não mais haverá mais-valia. Assim, definiremos então a realização da mais-valia como a sua passagem por novos ciclos de produção de nova mais-valia.
83 - O valor não é algo inerente a um bem material ou a um serviço útil, mas o resultado de uma relação social, enquanto ela vigorar.
84 - Formação cada vez mais complexa: Cada força de trabalho output aumenta de valor relativamente às gerações que a precederam, apenas para perder valor após a passagem a input.
85 - E a formação de trabalhadores já no mercado? Nesses casos, os trabalhadores que seguem os cursos conjugam com a situação de força de trabalho/input uma situação acessória de força de trabalho-output. Minoram assim a desvalorização a que se sujeitam, sem contudo inverterem o processo, pois o caráter específico e particularizado dos cursos profissionais destinados aos trabalhadores adultos não pode competir com o quadro formativo mais geral em que se insere a nova geração de força de trabalho.
86 - JB enxerga outras formas menos óbvias de conflito geracional: ...mediante formas de resistência coletiva, os trabalhadores mais antigos conseguem impor frequentemente, nos ramos de produção já estabelecidos, defasagens salariais em prejuízo dos trabalhadores mais jovens. JB argumenta, sem mostrar dados, que isso é o pior pra toda a classe (seria mais que um problema de distribuição interna).
87 - Num mesmo tempo de trabalho, a nova "geração" incorpora mais trabalho. Trabalho complexo enfim.
88 - Não existe apenas o "capitalismo da mais-valia relativa", que avança pela produtividade-hora. Os capitalistas desfavorecidos na repartição da mais-valia têm dificuldade em prosseguir uma estratégia de recuperação das lutas, ou estão mesmo impedidos de fazê-lo, ficando-lhes aberta apenas a via da repressão declarada, do confronto sistemático. Sequer consegue prosperar o mecanismo de burocratização sindical. Mesmo que se desenvolva então uma camada de profissionais na gestão das lutas, não participa com o patronato na antecipação das reivindicações e, por conseguinte, não se converte em organizadora da utilização da força de trabalho. Aqui o conflito é mais visível. Desta repetição das derrotas nos confrontos abertos com o capital e de um clima constante de ameaças e punições, resultam os mecanismos da mais-valia absoluta. Empobrecimento do poder de compra e/ou aumento do tempo de trabalho são os objetivos aqui.
89 - JB também associou a intensificação do trabalho (densidade e tal) à mais-valia absoluta. (O que tem um lado discutível, ainda mais porque ele fala que isso leva a "estagnação de produtividade". Se for produtividade/hora... Não. Enfim, conceitos.... De toda forma, realmente é um processo "com limites", ao contrário dos mecanismos da mais-valia relativa. Porém, o adensamento de trabalho pode ser grande em alguns casos, o que permitiria efeitos parecidos de gestão de reinvindicações).
90 - Problemas da mais-valia absoluta: ...a sucessão de derrotas e um clima de ameaças permanentes suscitam o desinteresse da força de trabalho, a apatia, com todas as suas manifestações periféricas, como alcoolismo e o absenteísmo, que só comprometem ainda mais a produtividade.
91 - Mecanismos de mais-valia absoluta ainda são nítidos em grande parte do trabalho assalariado e, por meio deles, os capitalistas pressionam o trabalhador ao nível mais básico de subsistência. Josué de Castro estimou em 2/3 da população mundial o número dos que sofrem desta fome crônica e até o relatório anual do Banco Mundial, cujos redatores avaliam as carências alheias por critérios muito diferentes dos que empregam para as suas próprias, calculou em 1982 em mais de 1/5 da população do globo, ou seja, cerca de um bilhão de pessoas, o número daqueles que se encontram em situação de pobreza absoluta.
92 - Em maior ou menor grau, porém, a população sujeita a formas de deficiência alimentar crônica torna-se incapaz de dar o pleno rendimento, físico e mental, de que é capaz um organismo bem nutrido. Não só é inferior o seu esforço de trabalho, mas também, sendo mais vulnerável à doença, pratica mais freqüentemente o absenteísmo, todos fatores que contribuem para reforçar a estagnação ou até o declínio da produtividade.
93 - Salários abaixo da subsistência familiar levam a práticas de trabalhos arcaicos. Pretende-se, assim, ou cultivar alimentos diretamente para a família, ou produzir bens ou serviços para vender e, com o dinheiro obtido, completar o salário familiar. Em economias mais degradadas, há famílias inteiras se dedicando a isso. Mantém-se assim, em sistema de mais-valia absoluta, uma enorme reserva social extracapitalista.
94 - Numa situação de plena expansão da mais-valia relativa, a produção extracapitalista de subsistência é desincentivada e, para certos casos, proibida; e com tanta mais eficácia quanto são os próprios trabalhadores a não ter interesse nela. (...) O setor familiar arcaico não tem qualquer possibilidade de crescimento autônomo. A enorme reserva social extracapitalista que se torna necessário manter em sistema de mais-valia absoluta representa apenas, afinal, a incapacidade de o capitalismo se expandir quando a produtividade é estagnante.
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