Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais - Capítulo 2 (PARTE "A")

                                                                          

Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais



Pgs. 73-105


"CAPÍTULO 2: "Mais-valia relativa e mais-valia absoluta"


53 - Vigiar e punir as formas de resistências difusas pode ser algo muito custoso. Para fiscalizar os trabalhadores no processo de trabalho, não basta saber reprimir, é necessário também conhecer os gestos e raciocínios de trabalho e a sua intensidade requerida, o que implicaria despesas acrescidas de formação. E este aumento de custos incidiria num pessoal repressivo em aumento também, no acréscimo do número de contramestres e de todo o tipo de fiscais.


54 - A repressão aberta não pode então ser um objetivo último, mas sempre uma função da estratégia de cessões.


55 - Se os trabalhadores lutam demandando mais bens e serviços (poder de compra real) em sua remuneração, capitalistas tentam responder a isso fazendo com que o tempo de trabalho incorporado nas unidades dos bens de consumo dos trabalhadores se reduza mais do que aumenta o seu consumo físico. Em outras, palavras aumentam a produtividade a fim de não deixar cair o seu precioso lucro.


56 - Este trecho aqui é um exagero (minha velha discordância com JB, vendo luta de classes como apenas um dos motores da produtividade)?: ...É este o modo pelo qual o nível de consumo que em cada época e região é considerado necessário se define, social e historicamente, como um resultado de lutas e não em virtude do estágio técnico, nem das características dos produtos existentes. Ao contrário, esse estágio e essas características é que, como consequência dos mecanismos de acréscimo da produtividade, resultam das pressões sociais


57 - Podem os trabalhadores, porém, optar por lutar pela redução do tempo de trabalho efetivamente despendido. Os capitalistas também terão de responder com a busca pelo aumento da produtividade.


58 - (...) Um dos aspectos das novas tecnologias eletrônicas é o aumento de flexibilidade da força de trabalho, a sua capacidade de rodar entre funções profissionais distintas. O capitalismo se beneficia deste modo, porque ultrapassa as sempre possíveis deficiências episódicas na oferta de força de trabalho num dado setor profissional, recorrendo a trabalhadores com especialidades originariamente diferentes. Não só os trabalhadores veem assim diminuídas as suas oportunidades de jogar com a escassez e a rigidez setoriais para apoiar as suas reivindicações, como a rotação entre funções acentua o caráter coletivo da força de trabalho em cada unidade de produção, lucrando os capitalistas com o aumento de produtividade resultante.


59 - Vincula os ganhos de escala ao aumento da cooperação entre os trabalhadores. Dá inúmeros exemplos. ...a adoção de técnicas de computadorização na maquinaria e nos sistemas de armazenagem permite refinar a administração dos grandes fluxos de materiais, reduzindo os estoques a um mínimo.


60 - Capitalismo, capital constante e produtividade: Tudo o que de imediato sucede é que o capitalismo, em resposta a uma redução do tempo de trabalho, consegue fazer manter ou aumentar o número de unidades de output produzidas, o que significa, em qualquer dos casos, que o valor de cada unidade diminui, embora em menor ou maior grau; e isto implica que tais unidades, ao entrarem como input em outros processos de fabricação, constituindo assim um elemento do seu capital constante, transmitem ao novo produto uma fração de valor menor do que sucederia no caso de o sistema mais produtivo não ter começado a vigorar. (...) Em conclusão, os efeitos de um aumento da produtividade não se esgotam no processo de fabricação que os inaugurou, mas transmitem-se na precisa medida em que as unidades produzidas tiverem o seu valor conservado enquanto parte do valor final de outros produtos.


61 - ... Quando o produto final consiste em bens consumidos pela força de trabalho, então convergem os efeitos deste mecanismo com os que descrevi a respeito da recuperação capitalista das reivindicações de tipo a: o valor dos inputs da força de trabalho diminui porque aumenta o número de unidades produzidas com igual tempo de trabalho e, portanto, diminui a parte do valor novo criado em cada unidade; ao mesmo tempo diminui também o valor dos elementos do capital constante utilizados na fabricação dessa unidade. Estes mecanismos acentuam reciprocamente os seus efeitos, acelerando assim e aprofundando o processo da mais-valia relativa em tudo que diz respeito à reprodução da força de trabalho em exercício.


62 -  Sobre a agricultura: (...) Nos últimos anos a engenharia genética, desenvolvendo técnicas laboratoriais de produção em massa de plantas, inaugurou um novo surto de produtividade neste setor e, ao libertá-lo do cultivo do solo, acabará por lhe dar o estatuto de qualquer outro ramo industrial. Ao mesmo tempo que ocorre a diminuição relativa do número de trabalhadores empregado no setor das substâncias, aumenta, obviamente, a quantidade dos que ficam disponíveis para trabalhar em outros ramos de produção.


63 - Páginas atrás, no início deste capítulo, escrevi que aos capitalistas apenas é possível, como estratégia eficaz, a cedência geral e a longo prazo às reivindicações e pressões dos trabalhadores. O pleno significado desta afirmação pode agora ser entendido. E que tais cessões não representam para o capitalismo um recuo, mas um avanço. Por isso o reformismo é a estratégia mais perigosa do capital e são as ideologias conciliatórias, não as doutrinas totalitárias, que exprimem as situações de maior força social dos capitalistas.


64 -  Desde que as pressões e reivindicações da força de trabalho sejam estudadas separadamente das suas formas de organização, como por enquanto o faço, não podemos senão analisar a economia da submissão, ou seja, os mecanismos do capital. Abordarei finalmente, na última seção, a economia da revolução.


65 -  Os mecanismos da mais-valia relativa só devem ser apresentados em termos de linhas de produção reciprocamente integradas e não, como sucede em O Capital, como uma multiplicidade de relações, reciprocamente particularizadas, entre grupos isolados de trabalhadores e capitalistas. (...) Não ocorre aqui uma sucessão discreta de cadeias bem definidas de causa a efeito, de uma dada luta a uma dada situação de mais-valia relativa. Há um continuum de lutas, de que decorre um processo contínuo de mais-valia relativa, procurando os capitalistas se anteciparem aos conflitos e ter em conta, em qualquer momento de um processo de produção, a eventual necessidade de recuperação de uma qualquer reivindicação que venha a surgir. E não se trata apenas de uma antecipação temporal, mas também de uma influência a distância, pois o deflagrar de uma luta num dado local faz com que capitalistas em outros locais se antecipem a lutas idênticas ou afins que possam aí vir a ocorrer. Assim, mesmo quando a força de trabalho luta dividida, resultam, mediante os mecanismos da mais-valia relativa, efeitos econômicos globalizantes.


66 - É esta a fase que hoje começamos a atravessar. Tanto o patronato quanto a burocracia sindical procuram, deste modo, prevenir a deflagração de conflitos envolvendo um coletivo de força de trabalho, os quais podem desenvolver as suas formas de luta, como mostrarei na última seção, até porem social e materialmente em causa a continuidade do capitalismo. Critica os sindicatos. Estariam passando a ser, não apenas meros organizadores de reivindicações, mas sobretudo verdadeiros administradores da utilização capitalista da força de trabalho.


67 - A burocracia sindical tornou-se, assim, parte integrante de organização do processo de exploração e, por isso, inclui-se plenamente entre os capitalistas. Neste contexto, o declínio do número de filiados, que os sindicatos têm sofrido nos últimos anos em vários dos países mais industrializados, não tem repercussões significativas. (Será? Coincidiu com a volta do aumento da desigualdade...)


68 - Tudo, em JB, parece ser fruto do medo dos trabalhadores agirem. Até quando isso não está na aparência. Uma elevada taxa de crescimento econômico não é mais do que a expressão estatística de um rápido ritmo de antecipação à ocorrência de conflitos e até à efetivação explícita de reivindicações


69 - A realização do ócio e do sono, enquanto input da força de trabalho, faz parte da sua reprodução e se insere por isso nos mecanismos da mais-valia relativa, sendo por estes inteiramente determinada.


70 - A reprodução da força de trabalho exige trabalho doméstico; instituições de ensino e afins. Logo, no fundo, a produção não se resume à fabrica. 


71 - A mulher doméstica de um marido assalariado numa empresa é uma trabalhadora também, laborando em tempo integral no âmbito doméstico na produção (e reprodução) da força de trabalho, enquanto o marido reparte o seu período produtivo entre a empresa e a esfera doméstica. A produção de força de trabalho surge assim desde o início e completamente inserida nos processos do assalariamento.


72 - Educação pública e gratuita? Quando uma instituição opera em aparente gratuidade, trata-se realmente do fornecimento em gêneros de uma parte do salário familiar, igual às despesas dos capitalistas com essa instituição a dividir pelo número de famílias assalariadas que a ela recorrem. Não existe de antemão nenhum motivo para considerar que uma destas formas acarrete uma exploração mais pesada do que a outra. 


73 - Por que não se desenvolveram desde antes os grandes investimentos das fábricas de longas perspectivas em reprodução de força de trabalho? Alguns capitalistas podiam prever uma duração secular para as suas empresas, mas não iriam remunerar parcialmente os seus trabalhadores mediante este tipo de prestações se não tivessem a certeza de que a nova força de trabalho, logo depois de formada, não se iria deslocar para outra região


74 - A conversão de salário em prestações de gêneros/serviços tem limites: Na realidade, a parte do salário familiar em dinheiro não pode nunca desaparecer, devido à necessidade de efetuar poupanças para, em primeiro lugar, adequar o fluxo de recebimento do salário ao fluxo de aquisição de bens, e, segundo lugar, precaver situações de doença ou desemprego. Não basta fornecer alimentação, moradia, saúde e educação (se é que isso acontece de modo relevante em algum lugar).


75 - JB coloca que é muito complicado calcular com exatidão o tanto de trabalho simples que corresponde a algum complexo. Em tese é esse último que justifica que se gaste cada vez mais tempo em formação (reprodução da força de trabalho). É investimento. Trabalhos antes complexos vão virando "trabalho simples" nas empresas. 


76 - Durante o "Comunismo de Guerra" (1918-1921), a burocracia estatal soviética pretendeu quantificar trabalhos complexos em trabalhos simples visando inclusive eliminar a necessidade de dinheiro. De toda forma, subestimaram o trabalho. JB critica a iniciativa, pois ela parecia considerar prescindir da ativa ação reivindicativa dos trabalhadores.


77 - JB contra outros comunistas: Este modelo, pelo qual cada indivíduo de uma nova geração de força de trabalho recebe, na sua formação, qualificações superiores às dos indivíduos da geração precedente, é contrário às teses defendidas por vários críticos do capitalismo, na esteira nomeadamente de Harry Braverman, no seu conhecido livro Trabalho e Capital Monopolista. A Degradação do Trabalho no Século XX, onde se afirma que o capitalismo acarretaria a forçosa desqualificação da força de trabalho.


78 - JB critica o mito do artesanato virtuoso, quase que sem alienação. Braverman compara-as com hipotéticas qualificações de trabalhadores formados num sistema artesanal predominantemente pré-capitalista. Nem vou demorar-me agora com o fato de ser um mito esse tão apregoado conhecimento do processo de produção que caracterizaria todos os artesãos. Desde muito cedo que, na Idade Média, os mestres e a elite dos aprendizes se distanciaram de grande parte das operações manuais; e a misérrima arraia-miúda, condenada às tarefas mais simples e fragmentadas, ignorava completamente os processos globais de produção enquanto conjunto. E esta dicotomia social se agravou ao longo dos séculos seguintes.


79 - Combate o argumento de Braverman de que é "fácil", hoje em dia, aprender novas funções/profissões. (...)  É a educação genérica que, em primeiro lugar, constitui o quadro que permite a aquisição de aptidões especializadas e, em segundo lugar, facilita a mobilidade interprofissional. Quanto mais desenvolvida for a mais-valia relativa e, portanto, mais estreita for a cooperação da força de trabalho e mais acentuada a sua flexibilidade funcional, ou seja, a capacidade de rodar entre especialidades distintas, tanto menos tempo levará para se adequar in loco a cada uma delas. No contexto do capitalismo desenvolvido, a redução do tempo necessário aos trabalhadores já formados para aprender um dado tipo particular de trabalho não é critério que permita denegrir o grau de qualificação genérica por eles obtido durante o processo da sua formação.


80 - A formação avança não apenas no sentido absoluto (aumento da escolaridade/escolarização): O aumento de tempo de trabalho incorporado em cada indivíduo da nova geração não resulta apenas do prolongamento do período da escolaridade, mas também do fato de nesses estabelecimentos os profissionais serem capazes de um trabalho cada vez mais complexo. (Parecido com a questão "qualidade/quantidade" de educação).


(...)


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