Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais - Capítulo 1 (PARTE "B")
Livro: João Bernardo - Economia dos Conflitos Sociais
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Pgs. (...) 47-72
"CAPÍTULO 1: "Mais-valia"
32 - Seria pela reformulação da concepção fichteana de processo que Schelling haveria de desenvolver uma nova síntese. (...) O homem percorre, pois, uma tensão que vai da sua separação até a sua unificação. Na lógica de Schelling, se a separação é possível, é porque na união ela existia já; e, se a união é possível, é porque a união existia na separação. Deste modo o processo, que na versão fichteana e, depois, na sua historicização hegeliana assumia a forma de uma gênese de sucessivas polaridades, foi concebido por Schelling como o movimento permanente entre dois pólos, que se repõem um no outro.
33 - ...se Schelling postulou a materialidade real da natureza a par da realidade do espírito e recusou assim a síntese da filosofia fichteana, bem como a dialética hegeliana da razão histórica, foi para desenvolver a figura lógica de processo numa concepção nova de ação.
34 - Um caso complicado de se entender, mas vamos lá: ...O movimento ocorre dentro do eu, mas não é, como em Fichte, um exclusivo processo do eu, em que tanto o movimento de união como os seus termos unidos e separados constituíam o processo do eu na sua realização. Para Schelling, a positividade do processo relativamente aos termos e a existência positiva dos termos conferem à figura do processo um novo sentido, o de contradição. O processo aparece, agora, como o próprio movimento da contraditoriedade e, situado no interior do eu, afirma a cópula como princípio de ação. A contradição é a ação.
35 - Contrariamente às ciências empíricas, a filosofia transcendental não tem como ponto de partida um ser, mas um ato. Cria o seu objeto, o eu, e por isso a ação é liberdade. O conhecimento só pode constituir, portanto, o processo de um indivíduo ativo e livre e de novo aqui encontramos a pedagogia de Pestalozzi, campo ideológico comum às várias linhas desta teia filosófica.
36 - Esses conceitos... O absoluto é o desejo de si.
37 - As viagens de Schelling: O homem é criado fora do tempo, no absoluto; mas, determinando-se, realiza-se no tempo. O ato por que se determina reside ainda na eternidade. E unem-se, assim, a liberdade e a necessidade. Deus confunde-se com a sua condição, por isso é absoluto. Mas a condição do homem lhe é exterior. O mal, no homem, é a separação entre a individualidade e a participação no absoluto; mas o percurso dessa separação é ainda a necessidade da sua união. A forma objetiva-se, mas a essencialidade do absoluto transmite-se ao seu reflexo objetivo; é a impregnação do finito pelo infinito. E temos aqui, após a produção dos fenômenos, o movimento da sua re-unificação.
38 - ...Schelling, que partira da separação do homem relativamente à natureza, da disjunção entre o sujeito e o objeto, chegou assim, no termo deste movimento, ao completar do ciclo. Ou da espiral? Mas não é na ação contraditória do homem sobre a natureza que a unificação se processa. É em Deus que ele a projetou, sendo assim, de todos estes filósofos, o que propôs a concepção de ação mais rarefeita. Por isso denunciava aqueles que, quando não conseguem realizar a re-unificação em Deus, a realizam no Estado, como fizeram Kant e os jacobinos, aviltando-se até, no desenvolvimento lógico desta perversão, a procurar a re-unificação no despotismo do Estado autárcico, como Fichte. Schelling era coerente. A re-unificação que proclamava não é material; só pode existir no próprio movimento circular, em Deus. É, pois, impossível um Estado ideal.
39 - Entra personagem novo, também partindo do "só podemos conhecer o que produzimos": Jacobi, que acusava Fichte de ter escamoteado o material sob a forma de exposição do espiritual, afirmava a realidade positiva do mundo exterior.
40 - O a priori kantiano foi desenvolvido por Jacobi no sentido da fé, simultânea negação da prova racional da coisa em-si e afirmação apodíctica do a priori. Enquanto a certeza imediata era, para Kant, a forma superior do conhecimento dos fenômenos, ela é, com Jacobi, diretamente dirigida para Deus e constitui o conhecimento específico de que Deus é possível. O a priori transforma-se, assim, em revelação, num inesperado desenvolvimento do conceito de fundamento imanente. (...) A problemática da relação dos elementos no todo constitui, para Jacobi, a problemática da união dos homens em Deus. (Fico me perguntando o que um trecho como esse muda na questão da mais-valia).
41 - Jacobi fazia decorrer dos objetos as representações e, destas, as tendências e inclinações, que fundamentam os atos e, por aí, os princípios do conhecimento e a sua globalidade sistemática. A realidade material aparece assim como prévia ao mundo das idéias e sua condição, e a prática como determinante da filosofia. São os atos que se definem como anteriores à filosofia, é a história que é anterior à maneira de pensar, numa seqüência que vai das instituições à história, entendida como atuação coletiva, e desta à filosofia de um povo. (A parte de Deus e do amor puro, embora relacionada a tudo isso aí, conseguiu me despertar menos interesse ainda).
42 - A ruptura de Marx e de Engels com a crítica dos jovens hegelianos consubstanciou-se nesta concepção da ação enquanto práxis. E o que fizeram prolixamente ao longo de A Sagrada Família, criticando a entronização da ação como ação intelectual. E na mesma perspectiva haveriam de romper com Feuerbach, que, embora sublinhasse a importância da matéria, considerava-a de maneira abstrata, e não como produto da atividade humana.
43 - Coloca que até a linguagem escamoteia a práxis. A ação é sempre dos intelectuais. “Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros ficaram os nomes dos reis. Arrastaram os reis os blocos de pedra?” (...) Assim inicia Brecht as “Questões levantadas por um operário que lê”.
44 - ...O caráter material da prática implica que seja também pensada como social. Se na época contemporânea pode-se ainda encontrar restos de uma produção individualizada, elas 61 não se integram no capitalismo propriamente dito. No sistema capitalista, cada processo de produção diz sempre respeito ao coletivo de trabalhadores, porque nenhum desses processos pode ser particularizado e isolado dos demais. (...) cada processo de produção depende social e tecnicamente de muitos outros, por tal forma que um bloqueio num dado processo particular repercute-se em bloqueios ou restrições de âmbito mais geral.
45 - A mais-valia não é senão um outro nome dado à alienação e esta sinonímia deixou, aliás, traços claros na passagem do Livro I de O Capital da versão alemã para a francesa. E o desenvolvimento posterior da análise da mais-valia só veio reforçar a identidade de ambos os conceitos, conferindo à alienação novas virtualidades. A intensificação da extorsão da mais-valia na forma da mais-valia relativa aprofunda a conversão da força de trabalho em apêndice do capital, avoluma a massa de capital que se ergue contra os trabalhadores e agrava, assim, a sua miséria. É esta a coloração teórica exata da problemática da miséria crescente. Não se trata de uma definição absoluta de pobreza material, de qualquer afirmação de um decréscimo dos rendimentos per capita. Trata-se de uma definição relativa de miséria social. Relativa porque não se estabelece para trabalhadores isoladamente considerados, mas na inelutável articulação entre os que produzem mais-valia e os que dela se apoderam; e social porque apenas nesse processo coletivo se pode contrapor, à massa crescente de capital, a força de trabalho em declínio proporcionalmente a essa massa.
46 - Coloca que a teoria do valor de Adam Smith era bem diferente da de Karl Marx. O capítulo VI do Livro 1 especifica que o valor de uma mercadoria não corresponde somente ao trabalho que ela custou a produzir, devendo partes adicionais corresponder ao lucro esperado pelo capitalista e à renda que cabe ao proprietário fundiário. E a este conjunto de componentes que equivale para Adam Smith o valor de uma mercadoria, o qual seria portanto determinado, não pelo trabalho como input, mas pela quantidade de trabalho que o capitalista pode futuramente assalariar mediante essa mercadoria. Até gado como "trabalhador produtivo" rolava em Smith.
47 - O sistema econômico de Smith não se centra na prática do trabalhador durante o processo de trabalho, mas na do capitalista durante a organização e a administração dos processos produtivos.
48 - Smith considerara que num estágio social primitivo, quando o produtor do produto era o seu apropriador — e unicamente nesse caso —, o critério do valor enquanto quantidade de trabalho que um dado bem permite adquirir equivalia ao da quantidade de trabalho incorporada nesse bem. Logo no capítulo I do seu On the Principles of Political Economy and Taxation, Ricardo afirmou que esse critério primitivo deveria ser também aplicado ao regime econômico moderno, considerado mesmo como uma contradição de Smith o emprego daquela definição dupla de valor. Mas a crítica não tem razão de ser, pois Smith diferenciara historicamente os critérios. De toda forma, JB coloca que também para Ricardo não era o trabalho a única fonte do valor. Afirma que isso escapou até a Marx...
49 - ...E esta opinião foi expressa mais claramente ainda na sua carta a McCulloch, de 13 de junho de 1820, que encerra a confissão de que, se fosse escrever de novo o primeiro capítulo dos Principles, talvez afirmasse que o valor relativo das mercadorias é regulado por dois fatores, não só pelas quantidades relativas de trabalho realizadas, mas também pela taxa de lucro. A mesma intenção inspirou as cartas que menos de um mês antes de morrer, a 15 de agosto de 1823, escreveu a Malthus e, a 21 de agosto, a McCulloch.
50 - A busca da "mercadoria-padrão" ricardiana: ...Perante a inexistência de uma mercadoria que correspondesse a tal padrão, afirmava que a que dele mais se aproximaria seria o ouro, por na sua produção variar menos a quantidade de trabalho necessário e, acessoriamente, porque nela se empregariam trabalho e bens de capital numa proporção idêntica à média estabelecida na produção das demais mercadorias. E no texto publicado postumamente, há pouco referido, retomou, sem a alterar, esta solução.
51 - Por que adotar o modelo do "tempo de trabalho" e o da "mais-valia": É porque, numa sociedade de interesses cindidos e repartida em grupos opostos, escolhe-se a razão histórica de um desses grupos, que ele pode ser erigido em único capaz de ação. É a partir daqui que as construções ideológicas decorrem. E este campo, enquanto axioma, não resulta de qualquer dedução, mas é diretamente expressivo de uma opção prática. A posição social da força de trabalho tomada como axioma é, aqui, o a priori. Mas não se trata de um a priori intelectual, epistemológico. Na teoria da práxis, o a priori é absolutamente extra-ideológico, é imediatamente prático, constitui a opção numa sociedade de antagonismos. Assim a teoria do valor resulta de um a priori prático e o modelo da mais-valia, enquanto centro de toda a crítica da economia, constitui a expressão mais imediata desse a priori. (...) Não foi esta, porém, a fundamentação que Marx invocou para a sua tese e é a partir daqui, a partir deste desenvolvimento da teoria da práxis, que os caminhos deste livro se separam da ortodoxia de O Capital. (È aquela história toda do Marx crítico de Marx).
52 - Os trabalhadores resistem de um modo de outro. Sabotagem individual... Ação coletiva etc. s. A luta de classes é o resultado inelutável, permanente, do fato de a força de trabalho ser capaz de despender tempo de trabalho, sem que seja, porém, possível vinculá-la a um quantum predeterminado. Por isso os resultados do processo de exploração são irregulares, em grande parte imprevisíveis, fluidos.
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