Livro: Ha-Joon Chang - Economia: Modo de Usar - Capítulo 9
Livro: Ha-Joon Chang - Economia: Modo de Usar
Pgs. 252-274
"CAPÍTULO 9: "Eu quero que a cabra do Boris morra - DESIGUALDADE E POBREZA"
205 - Desigualdade (Chang critica a teoria do gotejamento): Entre os argumentos éticos contra a desigualdade estão: um alto grau de desigualdade é moralmente inaceitável porque uma grande parte do que você ganha se deve à sorte (por exemplo, quem são seus pais) e não ao “puro merecimento” (como esforços praticados por você); um grupo com muitas discrepâncias entre seus membros não tem como funcionar como uma verdadeira comunidade; desigualdade excessiva corrói a democracia ao permitir que os ricos tenham influência política desproporcional.
206 - E o outro extremo? Poucas pessoas, se é que haveria alguém disposto a isso, defenderiam o igualitarismo extremo da China na época de Mao ou do Camboja na época de Pol Pot.
207 - Razões pragmáticas: ...Alguns economistas enfatizaram que a alta desigualdade reduz a coesão social, aumentando a instabilidade política. Isso, por sua vez, desestimula investimentos. A instabilidade política torna incerto o futuro — e portanto o retorno sobre os investimentos, que por definição devem ocorrer no futuro. Ademais, pessoas podem ser empurradas para o endividamento a fim de "acompanhar" a evolução do consumo das camadas ricas, o que gera instabilidade econômica.
208 - ...Outros argumentaram que a alta desigualdade diminui o crescimento econômico ao criar barreiras para a mobilidade social. Conexões pessoais e subculturas de grupo geram obstáculos.
209 - Argumento dos "resultados sociais piores": Esse argumento se tornou popular nos últimos tempos em função da obra The Spirit Level, de Richard Wilkinson e Kate Pickett. O livro analisa dados de mais de vinte países ricos (grosso modo, países com renda per capita acima do nível de Portugal, que está em torno de 20 mil dólares). O livro defende que países com maior desigualdade certamente se sairão pior em termos de mortalidade infantil, gravidez na adolescência, desempenho educacional, homicídios e prisões, e também, possivelmente, em termos de expectativa de vida, doenças mentais e obesidade. Hipótese de que a desigualdade é estressante. Esse estresse vem do que eles chamam de “ansiedade de status”, ou seja, a ansiedade relativa ao baixo status de alguém e a incapacidade de superá-lo, em especial no início da vida.
210 - Chang lembra que diversos países "igualitários" cresceram mais que outros "desiguais" de patamar semelhante. Compara Finlândia e EUA entre 1960 e 2010, por exemplo.
211 - A maior parte dos estudos estatísticos que observam um grande número de países mostra uma correlação negativa (que não necessariamente significa que há uma causalidade) entre o grau de desigualdade de um país e sua taxa de crescimento.
212 - Critica as comunas agrícolas de Mao e os países do socialismo real, pois haveria "excesso de igualitarismo" (creio que o problema era outro, mas enfim...). A baixa desigualdade nesses países coexistia com alta desigualdade em outros aspectos (por exemplo, acesso a bens estrangeiros de alta qualidade, oportunidades de viagem ao exterior), com base em conformidade ideológica ou em redes de contatos pessoais. Colocou que, na virada da década de 80 para 90, ficou claro que "ninguém" estava disposto a defender aquele regime hipócrita.
213 - Curva de Kuznets: Apesar de sua popularidade, os indícios a favor da hipótese de Kuznets são fracos. houve reversão nos países ricos da suposta tendência à igualdade no outro lado da curva. (...) A hipótese também não se verificou nos atuais países em desenvolvimento. A desigualdade cresceu com o início do desenvolvimento na maior parte deles (entre as exceções estão Coreia e Taiwan), mas ela quase não diminuiu ao longo do processo na maioria deles.
214 - Taiwan e Coréia do Sul nos anos 50 e 60: Durante esse período, esses países implantaram programas de reforma agrária, através dos quais donos de terra foram forçados a vender a maior parte a seus arrendatários a preços abaixo do mercado. Os governos desses países então protegeram a nascente classe de pequenos fazendeiros por meio de restrições de importações e pelo fornecimento de fertilizantes subsidiados e serviços de irrigação. Também protegeram com eficácia os pequenos estabelecimentos da concorrência de comércios maiores.
215 - GINI vs índice de Palma: Em tempos mais recentes, meu colega de Cambridge Gabriel Palma propôs o uso da proporção entre a parcela de renda dos 10% que ganham mais e a dos 40% que ganham menos como sendo uma medida mais precisa — e mais fácil de calcular — da desigualdade de renda de um país. Percebendo que a parcela da distribuição de renda recebida pelos 50% intermediários é de maneira impressionante similar nos países independentemente das políticas que eles adotam, Palma defende que observar as parcelas nos extremos que mais diferem nos países nos dá uma ideia mais rápida e exata das desigualdades em diferentes nações.
216 - Inveja? Dificilmente se dá contra alguém "fora da área de referência". o Camponês russo pode ter mais inveja do vizinho com uma cabra a mais do que do czar ou de algum milionário russo das cidades da época.
217 - Dados de dez anos atrás, mas ok: As sociedades mais igualitárias, em sua maioria situadas na Europa, têm coeficientes de Gini entre 0,2 e 0,3. Muitos são países capitalistas avançados com forte Estado de bem-estar social. Eles são, em ordem alfabética, Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Noruega (o país mais igualitário do mundo) e Suécia. Como mencionado acima, antes dos impostos e do gasto social, alguns deles são mais desiguais do que os Estados Unidos, mas eles tributam e redistribuem uma parte tão grande de seus PIBs que acabam sendo mais igualitários. Alguns dos países mais igualitários são antigas economias do bloco socialista, cujo legado se manteve. Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria e República Tcheca pertencem a esse grupo.
218 - No outro extremo, temos países cujos coeficientes de Gini ficam acima de 0,6. Eles são, em ordem alfabética, África do Sul, Botsuana, Madagascar e Namíbia. Todos estão localizados no sul da África.
219 - Galera do 0,5 a 0,6: Muitos são países latino-americanos: Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Honduras, Panamá e Paraguai. Mas alguns estão na África (Costa do Marfim, Mauritânia e Ruanda) e na Ásia (Camboja, Filipinas e Tailândia). Existe inclusive um país do antigo bloco socialista que pertence a esse grupo: a Geórgia, que é, ironicamente, a terra natal de Stálin.
220 - Outros: Os Estados Unidos e a China se encontram entre os que têm maior desigualdade (0,45 a 0,5). Países como Uganda, Polônia, Nova Zelândia e Itália estão no outro extremo dessa lista (em torno de 0,3). Grosso modo, o índice de Gini de 0,35 é a linha divisória entre países relativamente igualitários e os que não o são.
221 - A diferença entre a desigualdade de renda de um país e sua desigualdade de riqueza é particularmente grande em países europeus com baixa desigualdade de renda, como a Noruega e a Alemanha. (...) Seus índices de Gini de renda ficavam abaixo de 0,3, mas os de riqueza ficavam acima de 0,7. Os Gini de riqueza eram mais altos do que os de alguns países com desigualdade de renda muito mais alta, como a Tailândia (índice Gini de riqueza de 0,6; índice Gini de renda acima de 0,5) ou China (Gini de riqueza em torno de 0,55; Gini de renda perto de 0,5).
222 - De acordo com estimativas usadas de maneira ampla de Bourguignon e Morrisson, o coeficiente de Gini global estava em torno de 0,5 em 1820 e subiu para 0,61 em 1910, 0,64 em 1950 e 0,66 em 1992. De acordo com o estudo da UNCTAD citado acima, esse índice caiu de cerca de 0,7 no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 para cerca de 0,66 na segunda metade dos anos 2000.141 Mas esses números são menos confiáveis do que os coeficientes de Gini nacionais.
223 - Meras "linhas da pobreza" de renda podem não ser suficientes para o melhor quadro geral. Fala-se em pobreza multidimensional. Isso deve refletir o fato de que algumas pessoas podem ter — apenas — renda suficiente para comer o bastante e se vestir, mas podem ter pouco ou nenhum acesso a serviços como educação e saúde. Não há consenso sobre o que deve ser incluído nessa medição, mas ela naturalmente aumenta o número de pessoas que vivem na pobreza.
224 - Aqueles que estão na pobreza durante toda a vida ou durante a maior parte dela são considerados “pobres crônicos”.
225 - Pobreza ajuda a gerar pobreza: ...Nutrição infantil inadequada, falta de estímulo para a aprendizagem e escolas de baixo nível (com frequência encontradas em bairros humildes) restringem o desenvolvimento de crianças pobres, diminuindo suas perspectivas futuras.
226 - ...A falta de conexões pessoais e o déficit cultural em comparação com a elite com frequência significam que as pessoas vindas de famílias pobres são discriminadas de maneira injusta quando se trata de contratações e promoções. Se essas pessoas também tiverem por acaso outras características “erradas” — em termos de gênero, raça, casta, religião, orientação sexual, entre outros —, terão ainda mais dificuldades de conseguir uma oportunidade justa para demonstrar suas habilidades.
227 - O jogo é justo? Riqueza gera riqueza: O dinheiro dá aos super-ricos o poder até mesmo de reescrever as regras básicas do jogo ao — sem usar eufemismos — comprar por vias legais e ilegais políticos e instituições do governo.
228 - Boa parte da extrema-pobreza absoluta - cerca de um quarto a um quinto do mundo - vive em países de renda média!
229 - Nos países ricos, a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha nacional de pobreza — conhecida como a taxa de pobreza — varia entre 5% e 6% (Irlanda, França e Áustria) e 20% (Portugal e Espanha). (...) Em muitos países pobres, a maioria da população está abaixo da linha nacional de pobreza, que é invariavelmente mais alta do que o limite de 1,25 dólar per capita diário. Em alguns países, a taxa de pobreza, de acordo com a linha nacional de pobreza, pode chegar a 80%. A taxa de pobreza no Haiti é de 77% de acordo com o Banco Mundial e de 80% de acordo com a CIA (uma fonte surpreendentemente boa de estatísticas econômicas!).
230 - ...Essas comparações, porém, não podem ser tão diretas assim, pois cada país escolhe como vai mensurar sua linha de pobreza. De acordo com sua linha nacional de pobreza, a última taxa de pobreza disponível no Canadá era de 9,4%, enquanto a da Dinamarca era de 13,4%. No entanto, se você olhar as estatísticas da OCDE, que adotam uma linha de pobreza “universal” (relativa), definida como uma proporção da população vivendo com menos de 50% da renda domiciliar mediana em cada país (após impostos e transferências), a Dinamarca tem um problema muito menos grave com a pobreza do que o Canadá (uma taxa de pobreza de 6% contra 11,9% do Canadá). Os nórdicos em geral se saíram muito bem. Israel, EUA, Japão e Espanha eram os líderes da outra ponta da pobreza relativa.
231 - ...As taxas de pobreza eram de 6,4% na Islândia, 7,2% em Luxemburgo e 7,3% na Finlândia. Elas eram de 17,4% nos Estados Unidos, 16% no Japão e 15,4% na Espanha.
232 - Uma em cada cinco pessoas no mundo ainda vive em pobreza absoluta. Mesmo em diversos países ricos, como Estados Unidos e Japão, uma em cada seis pessoas vive na pobreza (relativa).
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